Voo 322 terminou com a morte de 52 pessoas em Campinas (SP). Avião caiu, se arrastou por eucaliptos, bateu contra barranco e explodiu.


Roberta Steganha 

Do G1 Campinas e Região

A maior tragédia do Aeroporto Internacional de Viracopos completa 53 anos neste domingo (23). O voo 322 da Aerolíneas Argentinas, que vinha de Buenos Aires e tinha como destino os Estados Unidos, terminou com a morte de 52 pessoas no dia 23 de novembro de 1961, em Campinas (SP). A aeronave caiu logo após decolar e foi se arrastando por uma área de eucaliptos até se chocar contra um barranco e explodir. Apesar da gravidade, o desastre aéreo, que aconteceu um ano após a inauguração do local, é praticamente desconhecido no país. Para resgatar essa história, o G1 conversou com dois brasileiros e um argentino, que, de formas diferentes, foram marcados pelo acontecimento.



O fotógrafo Neldo Cantanti, de 78 anos, que trabalhava em um jornal diário da cidade, foi escalado para cobrir o acidente e chegou ao local algumas horas depois. Ele, que nunca tinha visto uma tragédia desse porte, disse que ao adentrar a área da queda era possível ver apenas os bombeiros resgatando corpos no barro. "O avião explodiu, então queimou tudo, sobraram só os destroços. Conseguimos ver pouca coisa, porque estava misturado corpo e mato. Eu estava começando minha carreira, então foi um batismo de fogo", relembra.

Apesar do tempo, o fotógrafo não esquece aquele dia e guarda na memória detalhes como a cabeceira da pista de onde o avião partiu, como era o aeroporto e até o horário da tragédia. "Naquela época não tinha nada além da pista e um barracão, que era a área de embarque. O acidente foi por volta das 3h. Ele levantou da cabeceira 14, conseguiu subir e foi na direção dos eucaliptos em um vale e foi deslizando até o barranco onde explodiu", conta.

Ainda segundo Cantanti, o município quase não tomou conhecimento da tragédia porque Viracopos ficava distante da região central de Campinas. "Ficou sabendo por ouvir falar, porque Viracopos era muito isolado. Hoje está emendado. Naquele tempo era praticamente longe de tudo", destaca.

Fogaréu

Apesar do aeroporto ser afastado da cidade, alguns bairros periféricos começavam a nascer na região e a família do engenheiro agrônomo Etevaldo Alves Amorim, de 57 anos, morava na época em um deles. Por isso, seu pai e um tio foram chamados para ajudar no resgate aos corpos. "Meu pai e meu tio foram convocados como voluntários para ajudar o Corpo de Bombeiros a debelar o incêndio provocado pela queda do avião", conta.

Segundo Amorim, como a família morava há seis quilômetros do local do acidente foi possível avistar o fogo que consumia a área de mata. "De casa avistamos o fogaréu. Meu pai e meu tio foram com eles [os bombeiros]. Na volta, o relato estarrecedor deles era que em meio ao fogo intenso, lutando com os poucos recursos, ainda se deparavam com corpos carbonizados", lembra.

De acordo com o relatório do acidente feito na época por órgãos governamentais e cedidos ao G1 pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), a aeronave Comet 4, da Aerolíneas Argentinas, partiu de Buenos Aires com 12 membros da tripulação e 37 passageiros. Em Campinas mais três embarcaram no dia 23 de novembro de 1961. Não há informações de brasileiros a bordo.

Segundo Cantanti, os jornais da época informaram que havia uma quarta pessoa, que vinha de São Paulo para embarcar em Viracopos, mas acabou perdendo o voo porque o táxi atrasou. "Ele perdeu o avião porque já tinha dado o embarque e começou a brigar com o motorista. Quando ele soube que o avião caiu, começou a beijar o motorista porque salvou a vida dele", relembra.

Minutos finais

O Comet 4 deu início ao taximento às 2h20 do dia 23 novembro na pista 14/32 com destino a Trinidad e Tobago e depois seguiria para os Estados Unidos. Entre a partida dos reatores e a decolagem houve uma demora de 18 a 20 minutos. A aeronave saiu do solo na altura dos 2 mil m da pista, voou até a altura de 120 m em 55 segundos e atingiu a velocidade necessária. O avião não apresentava excesso de carga, segundo o relatório.

Nesta situação, estava a meio caminho entre os 1 mil m da pista e os 1.930 m que vão da cabeceira 14 ao local do primeiro impacto. No entanto, de acordo com a investigação, ao atingir a velocidade o piloto do Comet 4 precisava comandar manualmente uma unidade que modificava a atitude de subida para um abaixamento do nariz da aeronave. "O avião bateu em linha de voo, donde conclui-se que, um pouco antes, o piloto notara a perda de altura, isto é, voltava a observar os instrumentos básicos em uma decolagem por instrumentos, e corrigiu a atitude. Porém, tarde demais, visto que os impactos já se sucediam", conclui o relatório.

Ao perder o controle, a aeronave atingiu uma área de eucaliptos, que fica próxima ao aeroporto, e os troncos foram sendo cortados pelo avião, que seguiu em linha horizontal. O Comet 4 prossegiu em impactos sucessivos até se chocar com árvores maiores, o que causou fogo na asa esquerda e depois com outra, na altura do reator um. "Nesta altura a aeronave não obedecia mais aos comandos. Após tocar o solo, prosseguiu em impactos violentos e de arrasto, até chocar-se em um barranco, num grotão, havendo explosão e desintegração total", detalha o relatório.

A Investigação de Acidente Aeronáutico (IAA) conclui na época que o motivo do desastre foi uma falha operacional, caracterizada pela não observação dos instrumentos básicos numa decolagem noturna.

Repercussão na Argentina

O jornalista argentino Roberto Solans nunca esqueceu o dia 23 de novembro de 1961. Ele era sobrinho e afilhado do comandante da aeronave, Roberto Luis Mosca. Apesar de ter apenas 12 anos na época, ele contou ao G1 o impacto que a tragédia teve em sua família e em sua vida, já que ele e o piloto eram muito próximos. "Meu tio, que era irmão da minha mãe, era meu padrinho, aliás, me chamo Roberto por ele. Ele me falava muito sobre seu trabalho, aeronaves e voos, então minha primeira vocação era ser piloto comercial. Mas, minha mãe ficou devastada durante anos pela trágica morte do irmão e se opôs que eu seguisse seus passos", conta.

Apesar de ter se tornado jornalista, Solans conta que aos 40 anos decidiu fazer um curso de piloto privado somente para provar a si mesmo que era capaz de pilotar um avião. Durante sua carreira na imprensa, ele se dedicou entre, outros temas, a segurança da navegação aérea. "Conheci vários pilotos que foram companheiros de meu tio na Aerolíneas Argentinas, que me falaram muito bem de seu profissionalismo e de sua larga experiência em voo", afirma.

Solans conta que a investigação do acidente apontou que seu tio, como comandante da aeronave, cometeu uma falha ao não supervisionar adequadamente o co-piloto a quem estava instruindo nas manobras de decolagem de Viracopos. "O Comet 4 requeria durante a decolagem alcançar pouco mais de 300 km/h. Os pilotos acionaram um comando para reconfigurar os motores, que equivalia em um carro a passar da primeira para a segunda marcha. Se não fosse feita, e o condutor quissesse continuar em primeira, o carro deixaria de acelerar e perderia a potência. Se um avião perde potência a 100 metros de altura, ele cai", conclui. Ainda segundo o jornalista, os aviões lançados posteriormente automatizaram seus motores e eliminaram essa manobra manual.

Emoção em Viracopos

Solans, que só conhecia Viracopos como o local do acidente que tirou a vida de seu tio, teve na década de 1990, durante uma viagem de trabalho ao Brasil, a oportunidade inesperada de desembarcar no aeroporto de Campinas. "A escala devia ter sido em Congonhas ou Guarulhos, mas o avião me deixou em Viracopos", conta.

Ao descer no aeroporto e com a emoção à flor da pele, a primeira coisa que ele queria descobrir era o local exato da tragédia com o Comet 4. "É fácil imaginar com que emoção desci desse avião. A primeira coisa que quis descobrir foi em que direção havia decolado meu tio naquela madrugada e imediatamente pude ver de longe o bosque de eucaliptos", relembra o jornalista.

Segundo Solans, a tragédia ocorrida em Viracopos foi um verdadeiro choque para a população argentina na época, porque o Comet 4 era considerado uma das aeronaves mais modernas e avançadas. "Pagamos caro o salto tecnológico que significava passar a voar com o dobro da velocidade dos modelos de quatro hélices que o precederam. Seguiu o Comet 4 como primeiro avião comercial exitoso o Boeing 777, que aproveitou esse aprendizado tão custoso", finaliza.

O aeroporto

O aeroporto foi fundado na década de 30 e homologado oficialmente em 19 de outubro de 1960. O nome Viracopos foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico e Cultural de Campinas (Condepacc), no final do ano passado como patrimônio cultural e bem imaterial.


1 Comentários

Efraim disse…
No final da entrevista do Solans, ele afirma que o Comet IV foi sucedido pelo Boeing 777. Trata-se, na verdade, do Boeing 707, projetado nos anos 50. O 777 existe, mas é um projeto bem recente da Boeing. A Latam o opera em voos internacionais.
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