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Aerolíneas Argentinas, no vermelho até 2011

Estatal carrega passivo de US$ 1,5 bilhão, prejuízo mensal de US$ 50 milhões e frota de 20 anos

Daniel Rittner, de Buenos Aires - Valor

Para os mais nostálgicos, ela ainda é "la Celeste", símbolo dos tempos de prosperidade nacional e representação do Sol de Maio nos quatro cantos do mundo. Para os espanhóis, é talvez a pior experiência com a onda de privatizações latino-americanas nos anos 90. Para o governo argentino, é uma questão de honra - manter voando a Aerolíneas Argentinas, reestatizada há um ano e que continua dando prejuízo de mais de US$ 50 milhões por mês. Apesar dos investimentos para sua recuperação, o governo admite que a aérea de bandeira argentina deverá ficar no vermelho até 2011, alcançará o equilíbrio apenas em 2012 e não voltará a dar lucro antes de 2013.

A Aerolíneas tem passivo de US$ 1,5 bilhão e uma combinação explosiva de frota velha, endividamento alto e péssima imagem empresarial. A idade média de seus aviões (quase 20 anos) é maior do que a de qualquer outra grande companhia latino-americana. Vinte aeronaves permanecem no chão, com problemas nos contratos ou em processo de canibalização, fornecendo peças a outros jatos.

Enquanto o transporte aéreo se populariza e cresce a taxas de dois dígitos no Brasil, a oferta de assentos na Argentina é hoje 40% inferior à que existia em 2002.

Como tem dívidas de US$ 40 milhões com mais de 100 empresas aéreas de todo o mundo, a Aerolíneas foi expulsa da câmara de compensação da Iata, a associação global das companhias. Parece pouca coisa, mas isso praticamente inviabiliza a venda de bilhetes a passageiros cujo destino final não é operado pela Aerolíneas. Em vez de emitir uma só passagem, mesmo em voos compartilhados, o cliente da empresa argentina precisa comprar trechos separados de suas concorrentes se quiser chegar, por exemplo, a Brasília ou a Washington. Isso tem o óbvio efeito de restringir suas vendas - fatal para qualquer aérea que pretende lucrar com rotas internacionais.

O governo argentino, que reestatizou a Aerolíneas em 2008, culpa a gestão privada do grupo espanhol Marsans pela decadência da empresa. Preserva, no entanto, algumas práticas contraditórias.

Mesmo voando 30% menos horas do que em 2005, a empresa tem hoje 835 pilotos, quase o dobro de cinco anos atrás. Apesar de ter abandonado a rota Buenos Aires-Paris e sem nenhum plano de retomá-la no médio prazo, mantém gerente comercial e escritório próprio na capital francesa.

À beira de parar e com apenas cinco aviões em condições de voar, a Aerolíneas foi reestatizada em julho de 2008. Em dezembro, o Senado aprovou a nacionalização da companhia, vendida 18 anos antes à espanhola Iberia, durante o governo do peronista Carlos Menem. No pacote estava a Austral, subsidiária que atende somente o mercado doméstico. Sem interesse em ficar com a empresa argentina, a Iberia repassou em 2001 o controle da Aerolíneas ao grupo Marsans, dono da Air Comet, que fechou as portas neste mês, deixando 1,5 mil brasileiros na Espanha, sem passagem de volta.

"Para os argentinos, foi certamente a pior de todas as privatizações. Para os espanhóis, o pior negócio encarado em várias décadas na América do Sul", diz Santiago García Rua, editor da revista "Aviación News" e ex-gerente de relações institucionais da Aerolíneas.

O governo reassumiu a empresa com um plano de negócios ousado. Ele se baseia em três pilares: renovação da frota, reestruturação do passivo e ampliação da malha. Na primeira frente, pretende-se diminuir os gastos com combustíveis, recuperar a confiança dos passageiros e reduzir a variedade de aeronaves que operam simultaneamente e aumentam as despesas com manutenção. Com a Embraer, a Aerolíneas fechou um negócio de US$ 700 milhões para a compra de 20 jatos E190, cujo custo de operação é quase 40% menor do que os MD-80.

Os velhos 737-200, que marcaram a decadência da Vasp no Brasil e foram proibidos de pousar em Congonhas pelo ruído que causavam, foram aposentados em novembro e trocados por aeronaves mais modernas da Boeing - dois 737-700 recém-adquiridos e outros dez que chegarão por leasing, em 2010. A frota de longo alcance, hoje composta por 747-400 e 747-200 com décadas de uso (alguns canibalizados), será unificada com aviões da Airbus. "Não tem segredo. A receita é aumentar as receitas, diminuir os gastos e melhorar a qualidade do produto", diz Mariano Recalde, um advogado de 37 anos que hoje preside a companhia. Recalde assumiu a Aerolíneas em meados deste ano, em meio à epidemia de gripe suína na Argentina, que reduziu o fluxo de viagens aéreas pela metade em relação ao ano anterior.

Recalde tenta normalizar a situação com a Iata, orgulha-se de ter conseguido colocar a internet como principal canal de vendas pela primeira vez na história da empresa e ressalta o efeito de medidas aparentemente menores. "Em Miami, por exemplo, trocamos o hotel onde se hospeda a nossa tripulação.

De US$ 220 por diária, passamos a pagar US$ 70, sem perda de comodidade para os funcionários."

Com 25% de sua dívida vencida, incluindo pagamentos atrasados a órgãos estatais, o governo determinou a realização de uma auditoria para verificar sua "legitimidade" e reestruturar o passivo. A situação de inadimplência faz com que parte dos fornecedores da Aerolíneas recuse novas encomendas, reconhece Mariano Recalde.

A terceira parte do plano envolve o aumento da malha, não só internacional, mas principalmente de destinos domésticos. De 396 frequências semanais entre cidades argentinas, a meta é chegar a 782 em 2013. Nenhuma capital de província ficará sem voos diretos a Buenos Aires. "Acho que é parte da nossa obrigação social. Em metade dos destinos nacionais atendidos, a Aerolíneas voa sozinha", diz o secretário de Transportes da Argentina, Juan Pablo Schiavi, em recente audiência pública no Congresso.

Para o economista Marcelo Celani, professor da Universidad Torcuato Di Tella e especialista em aviação, não basta modernizar a gestão da Aerolíneas se o governo não fizer mudanças radicais na regulação do setor. "Há um grande erro de concepção: o mundo todo caminha na direção de tarifas livres para a aviação civil, e aqui na Argentina ocorre o contrário".

Os preços mínimos e máximos das passagens ainda são definidos pelo governo. Contrariando a lei de oferta e demanda, viajar em horário de pico e comprando a passagem em cima da hora pode custar somente 190% mais do que voar ao meio-dia (horário de baixa ocupação) e adquirindo o bilhete com meses de antecedência. Essa é a diferença entre o piso e o teto tarifário médio das rotas na Argentina, segundo extenso estudo publicado por Celani. "No Chile, a diferença é de quatro vezes. No Peru, chega a 8,5 vezes."

"O país inteiro não tem mais do que dez ou 12 rotas rentáveis", diz Santiago García Rua. A ausência de hubs (centros de distribuição de passageiros) fora de Buenos Aires dificulta as operações.

Para sustentar a conectividade entre as regiões do país, o governo subvenciona pesadamente a Aerolíneas desde a sua reestatização, para cobrir o prejuízo operacional. O problema é que os subsídios se transformaram em uma caixa-preta com baixa transparência e objetivos mal definidos. Na avaliação de Celani, acabam barateando as passagens de quem pode pagar mais. A tarifa média da Aerolíneas, segundo a pesquisa feita pelo economista, é de US$ 0,54 por milha voada - a mais baixa de toda a América Latina.

Para García Rua, reduzir o número de funcionários e o poder dos sindicatos - são sete ao todo, que frequentemente trocam acusações entre si - e reconquistar a confiança dos passageiros de classe executiva e de primeira classe devem ser metas a perseguir. "Hoje, a rentabilidade no setor se dá enchendo a frente do avião", diz o especialista. "É bastante difícil, mas não impossível, recuperar a Aerolíneas", avalia Marcelo Celani.

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