Em 2008, avião da TAM saiu de uma nuvem de gelo sem tampa dianteira
Marcelo Ambrosio – Jornal do Brasil
Os recentes incidentes com as aeronaves Airbus, cuja filosofia de pilotagem primária pelo computador tem sido questionada – e com certa razão, dadas as circunstâncias – depois do desastre com o A330 da Air France e do registro de diversos episódios de pousos forçados ao longo da semana passada, ao redor do mundo, já tiveram precedentes em que o desfecho final não foi tão trágico quanto o do voo AF447 da Air France. Em um caso registrado em fevereiro do ano passado, as imagens traduzem a dimensão da emergência que essa tripulação enfrentou, em uma rota doméstica, a uma altitude muito inferior à que estava o AF447. O episódio chama a atenção porque também reforça o fato de que acidentes aeronáuticos acontecem por uma combinação de fatores, nunca por uma única causa e que mesmo em condições muito adversas as aeronaves ainda tem condição de completar o percurso ou realizar um pouso emergencial. No A320 das imagens, a sorte foi ter enfrentado um Cumulus Nimbus (CB) abaixo do limite de cruzeiro. O voo era o 4312, da TAM, com decolagem de Curitiba para São Paulo, Congonhas. Ao chegar a 9 mil pés, o jato atravessou um CB com formação de gelo. Louve-se também a perícia dos pilotos, já que são raros os incidentes com esse nível de estrago nos quais o resultado é tão positivo.
O A320 prefixo PT-MZV levava a bordo 138 passageiros e seis tripulantes. Só a perda do radome, a tampa dianteira onde está localizado o radar da aeronave, já configuraria uma situação emergencial. Sem ele, os pilotos perderam as informações sobre as outras aeronaves em rotas próximas e passaram a voar guiados pelo controle de tráfego. O incidente ocorreu cinco minutos após a decolagem. O voo foi encerrado em Guarulhos.
Apenas parte da tampa do radome ficou presa ainda nas dobradiças. O prato, que integra o conjunto do radar, ficou retorcido pelo vento e marcado pelas esferas de gelo que colidiram com a aeronave. O desempenho aerodinâmico também foi afetado pela ausência do cone dianteiro. Diante da situação, a tripulação foi consultada, mas como o controle do avião continuava inalterado, recebeu orientação de seguir até São Paulo, onde as condições de pouso eram melhores. A perda do radome afetou o radar, atingiu o dreno de água e destruiu o "táxi light", luz de suporte sob a asa que é usada quando a aeronave se desloca em terra para a decolagem ou para o finger. Ocorreram ainda mossas nas bordas dos dois motores – sorte não terem empenado as palhetas das turbinas, o que poderia as ter paralisado. Bordos de ataque do profundor e das asas foram amassados também.
Se a falta do cone foi preocupante, pelo estrago que poderia ter provocado na turbina, mais ainda foi o estado em que ficaram os vidros da cabine, estilhaçados pelo impacto das pedras de granizo. O impressionante é que a estrutura resistiu ao impacto, apesar da força das pedras. O ataque das pedras também tornou inoperante o piloto automático, um equipamento essencial nesse tipo de jato, onde os pilotos efetivamente controlam a aeronave apenas nos momentos iniciais após a decolagem e a 500 pés do toque na pista na hora do pouso.
Os danos não se limitaram à frente do jato. O gelo amassou partes sob a aeronave. E arrancou o bordo de proteção das asas e dos estabilizadores traseiros, expondo a chapa amassada pelo impacto, mas que resistiu à pressão aerodinâmica do voo mesmo sob condições adversas. Aliás, a imagem do vidro da cabine vista de dentro deixa clara a situação com a qual os pilotos tiveram de enfrentar, sobretudo pela aproximação e pouso apenas por instrumentos, sem possibilidade de visual mesmo quando a pista se encontrava bem à frente. Faltou pouco para que houvesse uma despressurização traumática da cabine. A 8 mil pés não seria tão desastroso quanto a que teria ocorrido nos momentos finais do AF447, mas ainda assim causaria uma série de problemas. Internamente, fora do cockpit, a pancada do granizo só foi percebida por quem tentou usar o banheiro, como mostra o lavatório traseiro danificado.
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