Carlos Alberto Sardenberg*
Eis uma boa notícia vinda do Senado: relatório da CPI do Apagão Aéreo propõe a privatização dos 11 principais aeroportos brasileiros. O simples fato de a proposta ter sido apresentada já é um avanço. Recoloca na agenda a questão da privatização - uma poderosa opção para novos investimentos que tem sido deixada de lado por bloqueios ideológicos ou errônea compreensão.
Tempos atrás, numa dessas crises, colocou-se a idéia para o presidente da Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira. Ele contestou-a, dizendo que a iniciativa privada só queria o filé”. “E quem fica com o osso do aeroporto de Imperatriz do Maranhão?”, completou.
Ora, o governo - tal é a resposta correta. É esse mesmo o espírito da coisa: o Estado tem de assumir operações onde a iniciativa privada não tem interesse nem condições.
Considere, cara leitora, caro leitor, o exemplo de uma rodovia que passa por área de forte atividade econômica, densamente povoada e formada por cidades de renda elevada. A operação dessa rodovia certamente será lucrativa. O movimento nos pedágios será intenso e os usuários terão condições de pagar tarifas que remunerem a operação.
Eis um caso de privatização. Há circunstâncias em que a própria construção das rodovias – a parte mais cara - pode ser viabilizada pela iniciativa privada, desde que se garanta, na licitação, uma taxa de retorno adequada. Em outras palavras, que o pedágio seja de valor suficiente para remunerar investimento e operação, em prazos longos.
Mas por que o governo não deve ficar com esse filé e, por exemplo, usar os ganhos em outras atividades menos lucrativas? No exemplo do brigadeiro J. Carlos, fazer dinheiro com Congonhas e Santos-Dumont para financiar a operação de Imperatriz.
Por várias razões, mas considere apenas três. Primeira, o governo não deveria gastar dinheiro, tempo e energia - fatores que não são propriamente abundantes no setor público - em atividades que a iniciativa privada pode assumir. Segundo, a História demonstra, e a experiência brasileira mais ainda, que o setor privado é mais eficiente na ampla maioria dos casos. Terceira, a privatização reduz ao extremo as oportunidades de corrupção com as verbas do orçamento, fator particularmente relevante nos dias de hoje.
Além disso, o governo ganha dinheiro quando se faz a privatização. O governo embolsa dinheiro ao vender a estatal - uma siderúrgica, um banco, uma companhia de telecomunicações ou um aeroporto já prontinho. No caso de obras de infra-estrutura, o governo pode embolsar dinheiro na concessão da licença para as operações da companhia privada, caso em que uma concessionária paga pelo direito de usar uma rodovia, por exemplo. E em qualquer caso o governo fatura com os impostos.
Tudo considerado, o governo, hoje, pode fazer muito dinheiro com a privatização dos 11 principais aeroportos (Congonhas, Governador Franco Montoro/Guarulhos, Santos-Dumont, Tom Jobim/Rio, Brasília, Salvador, Recife, Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre e Curitiba). E aplicar nos ossos.
E por falar nisso, considere agora o caso de uma estrada que passa por áreas pouco povoadas até chegar a um pólo agrícola, com enorme capacidade de produção, mas concentrado em poucos empreendimentos e cuja atividade se dá em algumas épocas do ano. Se os custos de construção e operação da rodovia tiverem de ser pagos pelo pedágio, este sairia a um preço proibitivo. Assim, de duas, uma: ou o governo paga ou não se tem a rodovia.
Mesmo nestes casos, porém, cabe uma modalidade de privatização. Foi para isso que se inventaram as Parcerias Público-Privadas (PPPs), especialmente na Inglaterra. Funciona assim, no exemplo acima: o governo constrói a estrada e a entrega, mediante licitação, claro, a uma concessionária privada. Como a operação - cobrando-se pedágio razoável, ou sem pedágio, se for uma região muito pobre - será sempre deficitária, o governo paga uma prestação mensal à concessionária. Um preço pelo serviço de operar a rodovia.
Pode apostar: se o serviço for pago corretamente, sai muito mais barato e funciona melhor do que se o próprio governo tocar a operação. Ocorre que o governo, em qualquer nível - federal, estadual ou municipal -, tem tantas demandas que a rodovia, uma vez pronta, vai para o fim da fila. Afinal, está ali prontinha, bonita, asfalto novo, placa de inauguração.
Mas estrada que não se cuida todo dia acaba como estão hoje as rodovias públicas. Aí, quando se chega ao estado de calamidade, se faz uma megaconcorrência para um megatapa-buracos, que alivia a vida dos motoristas por alguns meses, e para sempre a de certos empreiteiros e políticos.
O sistema de PPPs tem sido usado para construção e operação de linhas do metrô, aeroportos, hospitais, escolas e presídios. Uma rede hoteleira privada, por exemplo, pode administrar presídios, como ocorre amplamente nos EUA. E no Estado de São Paulo, várias prefeituras têm contratado redes particulares de ensino para prover todo o sistema pedagógico de suas escolas, incluindo o material didático. As prefeituras pagam um fixo por aluno/ano.
São amplas, portanto, as oportunidades de usar o dinheiro, a experiência e a competência do setor privado para mudar o sistema aeroportuário brasileiro. Pode-se recorrer a diversas modalidades: Congonhas, por exemplo, pode ser vendido diretamente e, certamente, vai dar uma nota para o governo federal, dono do aeroporto, via Infraero. A venda poderia incluir no pacote a obrigação do vencedor de construir um outro aeroporto.
As PPPs dariam conta de aeroportos menos rentáveis e/ou da construção dessa infra-estrutura onde necessária.
Eis o que diz o bom senso: precisamos de um amplo programa de privatização.
*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista