Daniel Michaels, The Wall Street Journal, de Holzkirchen, Alemanha - Valor
Alguns cientistas daqui estão usando um jato cortado para estudar o gosto ruim. O objetivo deles é entender o declínio da alta cozinha em altas altitudes. Os resultados dos testes iniciais: a percepção do sabor doce ou salgado cai em 30%. O azedo, o amargo e o picante quase não são afetados. A turbulência culinária que resulta disso pode estragar os pratos mais atraentes.
Medir algo tão subjetivo quanto o gosto não é fácil. É por isso que os chefes de cozinha da LSG Sky Chefs, a maior empresa de alimentação para voos do mundo, que pertence à Deutsche Lufthansa AG, vieram a uma das maiores câmaras de baixa pressão do planeta. O laboratório tubular no Instituto Fraunhofer para Física de Construção, que fica meio submerso num pasto nesta região da Alemanha, comporta a frente, sem asas, de um Airbus A310.
Técnicos do Fraunhofer podem reduzir a pressão do ar no laboratório, fazendo com que os ouvidos estalem, para imitar um voo a 10.600 metros. Eles podem retirar a umidade do ar, do jeito que os aviões fazem. Também colocam o barulho do motor e fazem vibrar os assentos, para reproduzir a verdadeiramente desconfortável experiência de comer em um avião.
"Dá para esquecer que se está em um simulador, a não ser pelo fato de que o cenário de nuvens não muda", disse Florian Mayer, chefe do Departamento de Química, Biologia e Higiene do Fraunhofer, apontando para a fotografia do céu pregada fora das janelas da cabine.
Nos surrados assentos azuis do A310, dezenas de cobaias humanas estão este ano ruminando sobre sopas de tomate, vinhos e pratos principais servidos em aviões em voos falsos, depois de experimentar os mesmos itens em condições normais. Eles preenchem questionários detalhados com perguntas, por exemplo, sobre quais dos vários temperos de endro têm um sabor melhor em peixe servido com arroz.
Tais julgamentos, embora úteis para os chefes de cozinha, não podem ser quantificados. A Lufthansa queria mastigar números. "Como alemães, adoramos ciência", disse o sommelier da Lufthansa, Markus Del Monego, que participou de uma degustação.
Um problema com a comida de avião é que o ar seco da cabine evapora rapidamente o múcus nasal, que ajuda os receptores de odor a funcionar. Até 80% do que consideramos sabor é de fato cheiro, disse Andrea Burdack-Freitag, uma colega de Mayer, que realizou os testes para a Lufthansa.
Para medir isso, os passageiros receberam copos de água com sete diferentes concentrações de sabores artificiais e tiveram que responder em que nível registraram uma sensação. Testes parecidos foram feitos com odores. Aí, Mayer e seus colegas compararam os resultados com graus conhecidos de reação para os mesmos sabores no nível do mar. Mas como você transforma os números em receitas?
"Não existe uma regra simples, do tipo 'apenas adicione 20% mais ervas e temperos' - realmente depende", disse Mayer. Um tempero de limão, por exemplo, precisa de menos limão e mais condimentos. Os molhos de tomate se seguram bem, mas os delicados molhos cremosos parecem mais insossos.
Mayer aprendeu a fazer análise de sabor no curso de doutorado de química dos alimentos, mas hoje em dia ele normalmente analisa a qualidade interna do ar e emissões químicas de materiais usados em prédios e carros. O prédio do instituto de física de Fraunhofer estuda principalmente questões como de que maneira o mofo cresce nas paredes e como o concreto resiste. Dez anos atrás, ele começou a analisar o ar dentro do avião.
Em 2002, o centro construiu o laboratório de aço tubular ao custo de 5 milhões de euros (US$ 6,4 milhões). Com quase 30 metros de comprimento, ele abriga o pedaço de um jato. Ele tem bombas gigantes, freezers que podem resfriar o revestimento do avião para 30 graus abaixo de zero e filtros de ar para remover odores bovinos dos pastos que cercam a unidade.
No começo, alguns dos funcionários olharam com desprezo para a análise culinária. "Nosso colegas disseram que deveríamos estar fazendo física de construção e não culinária", disse o porta-voz de Fraunhofer Janis Eitner. Mas o rigor científico os conquistou, completa ele.
Comida de avião - um eterno motivo de piada - é mesmo assim uma área na qual as empresas aéreas tentam superar as rivais que usam essencialmente os mesmos aviões nos mesmos aeroportos. A divisão de serviços de alimentação da Singapore Airlines investiu US$ 1 milhão, em 2002, para construir a primeira cozinha de testes do mundo onde os pratos podem ser preparados e testados em condições de baixa pressão.
As sessões da Lufthansa no Fraunhofer incluíram a oferta aos passageiros de pratos como são servidos e duas variações feitas para compensar a altitude. "Os testes mostraram que é possível lidar com os efeitos do voo", disse Ingo Bülow, diretor de serviços de bordo da Lufthansa.
Condimentos como cardamomo, capim-limão e caril (ou curry) sobreviveram melhor que sal e açúcar. Os chefes pensaram em oferecer apenas pratos com caril, "mas nossos passageiros não iam deixar", disse o gerente da LSG Ernst Derenthal.
Del Monego, o sommelier, está usando a análise para ajudá-lo a selecionar vinhos como o italiano Amarone, com composição forte de 15% de álcool. "Em terra, é um vinho poderoso e opulento, mas no ar tem um sabor suave - é o vinho ideal para uma empresa aérea", disse durante uma recente sessão de degustação. "Duas pessoas não conseguiriam dividir uma garrafa em terra, mas isso poderia acontecer facilmente em um avião."
Mayer lembra que um pequeno consolo para as pessoas amontoadas na classe econômica é que todos esses passageiros emitem muita umidade, o que mantém a umidade do ar em torno de 15%.
Nas cabines suntuosas da primeira classe, a umidade pode cair para 5%, roubando o buquê de um champanhe e do caviar. O caviar foi um dos alimentos que desafiaram os testes. A Lufthansa queria
saber que ovas de peixe mantinham sabor na estratosfera. Eles abandonaram esses esforços depois de perceber que, mesmo em terra, os sabores variam amplamente de tipo para tipo e marca para marca.
"Talvez eles venham a tentar o teste de novo, mas eu não sei", disse Mayer. "Foi muito caro."
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