Leila Suwwan
Em relatório enviado à Organização Internacional de Aviação Civil, a aeronáutica reconhece que o despreparo de controladores de vôo brasileiros no domínio de inglês representa perigo real de acidentes aéreos. O risco acima do tolerado por normas internacionais pode resultar em acidentes de “severidade maior”, informa Leila Suwwan. De 2003 a 2007, houve no Brasil 10 incidentes de aviação causados por problemas de comunicação em inglês.
Controlador do caso Gol não fala língua estrangeira
Deficiência pode ter provocado confusão com americanos
BRASÍLIA. Controladores de tráfego aéreo envolvidos na colisão entre o Boeing da Gol e o jato Legacy da ExcelAire, em 2006 - acidente no qual a deficiência no inglês dos operadores brasileiros é considerado um dos fatores contribuintes - serão julgados por cortes civil e militar. Eles são acusados de crimes que vão desde a falta de cumprimento das normas de serviço até homicídio doloso. As ações tramitam na Justiça Federal em Mato Grosso e no Supremo Tribunal Militar.
O terceiro-sargento Jomarcelo dos Santos, responsável por monitorar a aeronave estrangeira perto de Brasília, não fala inglês e alegou conhecer apenas as frases básicas usadas no trabalho. Recaem sobre ele as acusações mais graves: ter negligenciado no controle do jatinho, que voava acima da altitude prevista e com transponder inoperante. O transponder permite a leitura precisa da altitude do avião pelos radares e aciona o alerta anti-colisão.
Além dele, há indícios de que as limitações lingüísticas do controlador na torre pode ter prejudicado a compreensão dos pilotos. Os americanos sustentaram ter recebido autorização de altitude de vôo diferente do que ficou registrado nos sistemas de acompanhamento dos vôos.
Apesar das denúncias feitas pela FAB ao STM e pelo Ministério Público à Justiça Federal em Sinop (MT), a investigação técnica da aeronáutica ainda não foi concluída.
Advogados dos controladores consideram que falhas "do sistema" não podem ser atribuídas unicamente a eles. Na lista de problemas, incluem desde treinamento insuficiente até problemas nos programas que apresentam as informações dos radares. Já a FAB considera que todos os controladores são devidamente treinados, inclusive no "inglês padrão", e têm conhecimento dos procedimentos do manual para situações como as que se apresentaram nesse acidente, como a longa falta de comunicação por rádio.
No caso da língua estrangeira, porém, somente agora, com a cobrança da Oaci, começará a ser exigido prova escrita de inglês em nível médio nos exames para formação de controladores. Antes, o nível era elementar e os próprios instrutores da FAB reconheciam que os sargentos chegavam com "nível zero". O treinamento antigo tinha 300 horas de inglês, o que também é considerado insuficiente.
Em nota enviada ao GLOBO, a FAB afirmou que o controlador brasileiro "possui competência para executar, em inglês, as comunicações padrão", e que o propósito é permitir uma atuação "mais segura nas situações em que há necessidade de extrapolar o uso da fraseologia-padrão". A FAB diz ter investido R$3,3 milhões em cursos de inglês para controladores, ano passado.
A assessoria da aeronáutica também reiterou que a probabilidade de um incidente ocorrer devido às dificuldades de inglês do controlador é remota. A metodologia da FAB seguiu parâmetros oficiais da Oaci, mas partiu de uma análise de registros formais de incidentes (quase acidentes) analisados nos últimos anos. Outra queixa feita por controladores é que há deficiência nesse processo e situações de risco acabam ocultadas pelo sistema militar. Em outros países, esses registros são públicos.
Controladores não podem vir a público com suas denúncias por temor de punição militar, a exemplo do que ocorreu após o motim de 30 de março de 2007, quando todo o tráfego aéreo brasileiro chegou a parar.