Dois acidentes aéreos com mais de 350 mortes em um ano e o colapso da infra-estrutura aérea levaram o governo a trocar o ministro da Defesa, substituir quase que toda a incompetente diretoria da Agência Nacional de Aviação Civil e traçar um plano de emergência para deter o apagão aéreo. Na semana passada, porém, como se temia, nada do que parecia ser uma solução para os problemas, ou o caminho para ela, sobreviveu.
Medidas urgentes deixaram de ser urgentes. Congonhas, um dos pivôs da crise, voltou a ser um ponto de distribuição de rotas e a pressa de se construir um terceiro aeroporto em São Paulo foi diluída no tempo. A situação dos controladores e o déficit de profissionais saíram dos radares, por serem pontos de atrito com os militares. Sob a imagem do planejamento, volta-se à improvisação.
As mudanças das mudanças anunciadas pelo ministro Nelson Jobim padecem de ilusões burocráticas. Na verdade, todos os diagnósticos apresentados durante o auge do apagão aéreo mostravam uma infra-estrutura em frangalhos e insegura, que para ser restaurada e modernizada exige planejamento e constância. Aparentemente, para o governo, bastou trocar meia dúzia de burocratas incompetentes para que as coisas andem a contento.
"Reassumimos o controle", disse Jobim em uma das explicações principais para a alteração de rota. Pois sete meses depois do maior acidente aéreo da história nacional quase todos os fatores que possibilitaram a ocorrência de novos apagões continuam em cena.
Congonhas e Brasília, dois centros do sistema aeroviário, estão saturados e de
Congonhas praticamente não tem como ser ampliado - na verdade, deveria ser desativado com o tempo. A terceira pista do aeroporto de Guarulhos foi descartada pelo seu custo e em seu lugar surgiu uma reordenação dos pátios que tornaria possível elevar de 45 para 54 o número de pousos e decolagens. Ao mesmo tempo, será construído o terceiro terminal de passageiros, que aumentará a capacidade do aeroporto de 17 milhões atuais para 29 milhões. É um mistério como poderão conviver um crescimento de 20% no número de vôos e de 70% no número de passageiros. Expedientes deste tipo, além disso, podem na melhor das hipóteses remediar a situação por um par de anos. O sistema continuará tão congestionado quanto antes. O terceiro aeroporto só será decidido em 2009.
Há mais problemas a resolver. A Infraero é deficiente e vive sob investigações de corrupção. O sistema deveria ser privatizado, ou, já que isso não é do agrado do governo, seria imprescindível a abertura à participação de empresas privadas para que possam construir e operar aeroportos. Os custos seriam menores, a produtividade maior e as chances para corrupção, reduzidas.
Da mesma forma, o reaparelhamento do sistema de tráfego aéreo não foi resolvido, assim como a questão dos controladores de tráfego, um dos catalisadores dos apagões. O Departamento de Controle do Espaço Aéreo, preocupado com cortes no orçamento, que ocorreram no passado, aponta para uma defasagem de dois anos entre a demanda e a capacidade e qualidade atual de equipamentos, diz o major-brigadeiro Ramon Cardoso (Valor, 21 de janeiro). O déficit dos controladores caiu para 300. Não se ouve mais falar da desmilitarização do serviço, como ocorre na maior parte do mundo, para evitar atritos com os militares. Isto é, os controladores continuarão sendo um foco permanente de insatisfação e potencial de conflitos dentro do sistema aéreo.
É possível que nem mesmo as tímidas novas diretrizes sejam colocadas em prática, dada a proverbial falta de capacidade gerencial do governo. Se prevalecer a experiência do passado, o mais provável é que se empurre com a barriga o atual sistema aéreo até que nova crise irrompa. É uma triste rotina.