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Preços de serviços decolam

Chega ao país tendência estrangeira de cobranças a bordo. Projeto de lei prevê nova tarifa sobre valor do bilhete aéreo

Luciana Casemiro e Rennan Setti - O Globo

Pagar por água, sanduíche, refrigerante ou uma opção melhor de cardápio. A tendência que já se consagrou em companhias aéreas europeias e americanas começa a chegar por aqui e já preocupa entidades de defesa do consumidor.

O movimento acontece de forma simultânea à tramitação no Congresso do projeto de lei 5.994/09, que cria uma tarifa de 0,5% sobre o preço das passagens aéreas de voos domésticos e internacionais que partirem do Brasil para subsidiar as linhas aéreas regionais.

Favorável às cobranças de serviços de bordo, excluindo exageros — como a taxa para uso do banheiro proposta pela companhia aérea irlandesa Ryanair — o especialista em aviação, Respício Espírito Santo Jr. explica que a iniciativa pode reduzir valores de passagens aéreas: — Se pensarmos no custo de um lanche, parece pouco. Mas no volume isso pode fazer diferença sim para as empresas. A questão é que não estamos no mesmo patamar dos mercados americanos e europeus. E como a concentração de mercado ainda é grande, esse tipo de iniciativa pode não ter o mesmo efeito de redução de tarifa para o cliente — destaca Respício, professor da Escola Politécnica da UFRJ.

Esse é um dos pontos levantados pelas entidades de defesa do consumidor, que se preocupam ainda com a falta de informação e transparência das empresas sobre as cobranças. Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o passageiro que não for informado de taxas extras não tem obrigação de pagá-las.

— Tudo o que envolve a prestação do serviço deve ser informado previamente ao cliente, antes de ele assinar qualquer contrato. É o que determina o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Esse é um dever do estabelecimento onde o consumidor contrata o serviço, seja a agência de viagem ou a companhia aérea — afirma a advogada do Idec Maíra Feltrin Alves.

A advogada diz ainda que as companhias devem ter bom senso na hora de cobrar a bordo. Ela defende que apenas produtos que fogem do cardápio usual devem ser vendidos.

— Se o passageiro precisar tomar um remédio em pleno voo, por exemplo, ele terá que comprar um copo d'água? Isso vai de encontro a princípios constitucionais, como o direito à dignidade.

Lei brasileira não tem previsão nem impedimento para cobranças de serviços impedimento para cobranças de serviços 

Farmacêutico aposentado, Fernando Nachdar, de 68 anos, passou a seco as quase cinco horas de voo entre São Paulo e Buenos Aires pela companhia uruguaia Pluna. Até apertar os cintos, ele, como a maioria dos 90 passageiros, não sabia que teria que pagar US$ 3 por uma água e US$ 6 por um lanche.

— As aeromoças fazem uma feira livre dentro do avião. Estou acostumado a ir para a Argentina e nunca tinha passado por isso. Ainda bem que o banheiro era gratuito — ironiza o aposentado, que viajava pela Pluna pela primeira vez.

O que deixou Nachdar realmente chateado foi ter que desembolsar US$ 50 para despachar suas duas malas no aeroporto argentino: — Em nenhum momento fui informado pela CVC ou pela Pluna de que teria que pagar por alimentos e para despachar a bagagem. Parece uma pegadinha. Com esses gastos extras, o preço baixo da passagem não compensou.

O diretor Comercial da Pluna no Brasil, Gonzalo Mazzaferro, afirma que o serviço de bordo pago e a cobrança de bagagens fora do Brasil já são praticados pela companhia há dois anos e que todos os estabelecimentos que emitem suas passagens já foram comunicados sobre isso.

Mazzaferro defende o sistema como uma forma de oferecer tarifas menores. Procurada, a CVC Brasil não respondeu às reclamações do cliente.

Entre as empresas brasileiras, por enquanto, apenas a Gol Linhas Aéreas tem venda de bebidas e lanches a bordo, sendo que o serviço padrão continua gratuito. Segundo a empresa, o serviço foi implementado em junho de 2009, após estudos e pesquisas com clientes. O projeto piloto está disponível em 42 voos e os produtos podem ser pagos em cartões de crédito ou moeda nacional. A companhia destaca que os clientes são informados previamente por diferentes meios sobre a venda e os preços dos produtos. A empresa diz ter convicção do sucesso e do acerto da decisão.

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) informa que a lei 11.182/2005 determina a liberdade tarifária e de escolha de rotas. Por isso, a Anac não pode interferir nas tarifas cobradas pelas companhias, exceto no que diz respeito à bagagem, em território nacional, já que a franquia de bagagem despachada e bagagem de mão é regulamentada. Sendo assim, a empresa só pode cobrar em caso de excesso.

A técnica da Fundação Procon-SP Patrícia Alvares Dias teme que as cobranças afugentem o consumidor que, até bem pouco tempo sequer tinha acesso ao transporte aéreo: — E como não há na lei previsão, nem impedimento a essas novas cobranças é preciso estar atento com as formas de cobrança e principalmente a informação prévia.

Para especialistas, projeto de lei subverte a lógica do mercado e penaliza consumidor Em relação ao projeto de lei que cria nova tarifa para as passagens aéreas, Maria Inês Dolci, coordenadora Institucional da Pro Teste — Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, ressalta que a iniciativa é um absurdo: — Reconhecemos a importância das companhias regionais. Mas apoiá-las não pode significar pôr um mico no bolso do consumidor.

Para a técnica do Procon-SP, é uma inversão da lógica de mercado: — O projeto repassa para o ponto mais fraco da cadeia o custo que deveria ser de uma política pública, justamente para oferecer ao consumidor um serviço melhor.

Respício ressalta que aprovada a tarifação, dificilmente haverá mudança no setor: — Não há uma política pensada para tanto. E recursos, para desenvolvimento de infraestrutura, deveriam vir do Orçamento Geral da União, prevendo financiamento para a aviação regional.

O substitutivo do relator, deputado Leo Alcântara (PR-CE), ao projeto de lei 5994/09, do deputado Marcelo Teixeira (PR-CE), foi aprovado na primeira semana deste mês na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara. Procurados os deputados não foram localizados.

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