Pular para o conteúdo principal

A crise na Qantas define a estratégia para a Ásia

Por Kevin Brown | Financial Times, de Cingapura 

Valor 

Vinte anos atrás os australianos costumavam brincar que a Ásia era um lugar que eles sobrevoavam quando estavam a caminho da Europa. Já não se ouve mais esse gracejo com tanta intensidade e ele provavelmente desaparecerá completamente enquanto os australianos tentam entender por que a Qantas Airways, a companhia aérea nacional, deixou 80 mil passageiros abandonados ao redor do mundo quando ela aterrissou toda a sua frota no sábado.

Oficialmente, a Qantas recolheu seus aviões e ameaçou colocar na rua milhares de funcionários por causa de problemas causados por uma série de greves por melhores salários e condições de trabalho.

Mas as greves são apenas um sintoma de uma disputa maior sobre onde está o futuro do grupo, se na Austrália ou na Ásia, um mercado que vem crescendo em ritmo acelerado. Alan Joyce, o afável irlandês que comanda a companhia aérea, diz que o continente que representava apenas uma passarela tornou-se um local de negócios essencial no século XXI. Ele quer transferir investimentos para o norte.

Os sindicatos estão determinados a impedi-lo, temendo demissões na Austrália.

O sucesso ou não de seu intento vai determinar se o grupo Qantas se transformará em uma grande operadora no maior mercado de passageiros do mundo, e o que mais cresce, ou retrocederá para o mercado australiano, onde ainda realiza 65% dos voos domésticos.

O grupo australiano enfrenta esse dilema por dois motivos principais. Primeiro, a desregulamentação progressiva vem minando a participação da companhia nos voos internacionais para e da Austrália, com 82 entre cada 100 passageiros hoje voando por outras companhias.

Os concorrentes "inundando" o mercado, vindos principalmente de outras partes da Ásia, liderados por companhias como a Singapore International Airlines (SIA), Etihad e Emirates.

Em segundo lugar, a base de custos do grupo é cerca de um quinto maior que as de seus principais concorrentes, o que em grande parte é reflexo dos custos com pessoal na Austrália. O grupo vem reagindo e já cortou dramaticamente os custos da companhia aérea, além de sair na frente nas viagens aéreas de longa distância com baixos custos, através da Jetstar, uma companhia aérea afiliada.

As margens operacionais da Jetstar ficaram em média em 6% nos últimos três anos, em comparação ao 0,7% da Qantas, ajudando o grupo a manter a lucratividade.

Mas a Jetstar enfrenta a competição crescente de concorrentes como a AirAsia e a AirAsia X, ambas da Malásia, e a Tiger Airways, de Cingapura, que possui uma subsidiária na Austrália. A SIA deu, na terça-feira, a aprovação formal para o início de operações de uma nova subsidiária de baixos custos baseada em Cingapura, que vai percorrer rotas longas, vai se chamar Scoot, e está tentando uma aliança formal com a Virgin Australia. Ambas contribuirão para as pressões sobre o grupo Qantas.

A estratégia de Joyce é dupla. Primeiro, ele pretende reduzir ainda mais os custos das operações internacionais da Qantas, desistindo de algumas rotas europeias deficitárias e adiando o recebimento de seis aviões A380 enquanto aviões já existentes são aposentados. Isso vai encolher a frota de voos de longa distância e conseguir uma economia única de US$ 2,3 bilhões. Cerca de 1.000 funcionários perderão seus empregos.

Ao mesmo tempo, ele pretende "pegar o trem asiático" estabelecendo uma nova companhia área sob um novo nome, com sede em Cingapura ou Kuala Lumpur, provavelmente na forma de uma joint venture com um sócio ainda não revelado. Haverá também um novo centro operacional em Cingapura para a Jetstar e companhias aéreas na forma de joint ventures no Japão e Vietnã.

Joyce vem sendo muito criticado na Austrália por sua decisão de aterrissar a frota. Julia Gillard, a primeira-ministra, classificou a medida de um "passo extremo". Mas a iniciativa ousada de Joyce forçou as cortes de justiça australianas a intervir, ordenando a volta dos grevistas ao trabalho na segunda-feira, em troca de 21 dias de negociações, seguidos de uma arbitragem compulsória se nenhum acordo for firmado.

A decisão da Justiça é uma vitória para a companhia. No curto prazo, Joyce acabou com as incertezas quando a decolagem dos voos. No longo prazo, o processo de arbitragem vai forçar um acordo definitivo com sindicatos por força da lei, impedindo um posterior retorno de uma ação trabalhista.

Além disso, o acordo muito provavelmente será firmado em termos que permitirão à Qantas prosseguir com sua estratégia de "Asificação". Isso porque no passado os árbitros australianos já foram avessos a dizer às companhias como elas devem administrar seus negócios e provavelmente seriam anulados pela Suprema Corte se tentassem. Contra isso, as alegações de que a expansão na Ásia está ligada a demissões na Austrália não deverão convencer os árbitros.

Os custos existem. A suspensão dos voos da Qantas poderão afetar as reservas nos próximos meses e a agência de avaliação de risco Moody's colocou a nota de crédito da companhia sob revisão para possível rebaixamento, o que poderá aumentar os custos dos empréstimos para a empresa. Mas as greves contínuas podem ter resultado no mesmo efeito. Em todo caso, a perda de negócios no curto prazo é um preço pequeno a ser pago pelo fim das incertezas operacionais, assim como o custo de 40 milhões de dólares australianos (US$ 41 milhões) referente à paralisação da frota por dois dias. As classificações de crédito poderão subir ou cair.

O principal resultado é que Joyce esclareceu o problema, forçando os sindicatos a entrar em um ambiente de negociação onde a companhia está com o controle. Um preço adicional poderá ter de ser pago: os árbitros ficam mais felizes distribuindo aumentos de salários do que interferindo nas tomadas de decisões corporativas. Mas essa medida ousada parece que vai valer a pena, mesmo que períodos de nervosismo estejam pela frente.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Avião da TAM retorna após decolagem

Jornal do Commercio SÃO PAULO – Um avião da TAM, que partiu de Nova Iorque em direção a São Paulo na noite de anteontem, teve que retornar ao aeroporto de origem devido a uma falha. Segundo a TAM, o voo JJ 8081, com 196 passageiros a bordo, teve que voltar para Nova Iorque devido a uma indicação, no painel, de mau funcionamento de um dos flaps (comandos localizados nas asas) da aeronave. De acordo com a TAM, o avião passou por manutenção corretiva e o voo foi retomado à 1h28 de ontem, com pouso normal em Guarulhos (SP) às 10h38 (horário de Brasília). O voo era previsto para chegar às 6h45. A companhia também informou que seu sistema de check-in nos aeroportos ficou fora do ar na manhã de ontem, provocando atrasos em 40% dos voos. O problema foi corrigido.

Empresa dona de helicóptero que transportava Boechat não podia fazer táxi aéreo e já havia sido multada por atividade irregular, diz Anac

Agência diz que aeronave só podia prestar serviços de reportagem aérea e qualquer outra atividade não poderia ser realizada. Multa foi de R$ 8 mil. Anac abriu investigação. Por  G1 SP A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) afirmou que o helicóptero que caiu na Rodovia Anhanguera no início da tarde desta segunda-feira (11), em que o jornalista Ricardo Boechat e o piloto Ronaldo Quattrucci morreram, não podia fazer táxi aéreo, mas sim prestar serviços de reportagem aérea. Ainda segundo a Anac, a empresa foi multada, em 2011, por atividade irregular. Helicóptero prefixo PT-HPG que se acidentou na Anhanguera — Foto: Matheus Herrera/Arquivo pessoal "A empresa RQ Serviços Aéreos Ltda foi autuada, em 2011, por veicular propaganda oferecendo o serviço de voos panorâmicos em aeronave e por meio de empresa não certificada para a atividade. Essa atividade só pode ser executada por empresas e aeronaves certificadas na modalidade táxi aéreo. A autuação foi definida em R$ 8 mil

A saga das mulheres para comandar um avião comercial

Licenças concedidas a mulheres teêm crescido nos últimos anos, mas ainda a passos lentos. Dificuldades para ingressar neste mercado vão do alto custo da formação ao machismo estrutural Beatriz Jucá | El País Quando Jaqueline Ortolan Arraval, 50 anos, fez a primeira aula experimental de voo, foi mais por curiosidade do que por qualquer pretensão de virar piloto de avião. Era início dos anos 1990 e pouco se via mulheres comandando grandes aeronaves comerciais no Brasil. "Eu achava que não era uma profissão pra mim", conta. Ela trabalhava no setor processual em terra de uma grande companhia aérea, e o contato constante com colegas que estudavam aviação lhe provocaram certo fascínio. Perguntava tanto sobre a experiência de voo que um dia um amigo lhe convidou para acompanhá-lo em uma das aulas. A curiosidade do início se tornou um sonho profissional, e Jaqueline passou a frequentar aeroclubes e trabalhar incessantemente para conseguir pagar as caras aulas de aviação e acumul