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'Novo acidente aéreo no Brasil é questão de tempo', diz entidade internacional


Bruno Garcez
De Washington

O presidente da Federação Internacional de Controladores de Tráfego Aéreo (Ifatca), Marc Baumgartner, afirma que ''é uma questão de tempo para que um novo acidente aéreo volte a acontecer no Brasil''. Sua opinião é compartilhada por outros dirigentes da entidade.

"A FAB (Força Aérea Brasileira) investiu muita energia para prender e perseguir os seus próprios funcionários. Mas nenhuma energia para corrigir as falhas que possui em seu sistema (aéreo)", diz Baumgartner.

Os membros da diretoria da organização estão participando de uma semana de reuniões em Washington, onde conversaram com a reportagem da BBC Brasil. A situação dos controladores e os problemas do setor aéreo brasileiro deverão estar entre os temas debatidos pelos executivos.

De acordo com o suíço Baumgartner, a Força Aérea Brasileira (FAB) está atribuindo aos controladores toda a responsabilidade pelo acidente com o Boeing da Gol, que caiu em Mato Grosso em setembro do ano passado, matando 154 pessoas, depois de se chocar com um jato Legacy.

Ele afirma que, além de agir dessa forma de modo a se eximir de sua própria responsabilidade, as autoridades brasileiras priorizaram a punição dos controladores em detrimento das ações que poderiam prevenir novos acidentes.

Inquérito

Um Inquérito Policial Militar (IPM), instaurado pela FAB na semana passada, indiciou cinco controladores, todos eles militares, por supostos erros que teriam levado ao desastre. O relatório aponta 11 erros dos controladores e falhas nos equipamentos que levaram, juntos, ao desastre.

Além da autorização incompleta para a decolagem do Legacy, os operadores teriam cometido uma série de falhas de comunicação. Entre elas, teriam trocado informações incorretas a respeito da altitude em que o Legacy voava e deixado de trocar comunicação com os pilotos do Legacy por um longo período, no qual nem os controladores nem os pilotos observaram os procedimentos necessários.

"Ter a polícia militar investigando um acidente tão complexo como esse é como ir ao cabeleireiro para comprar carne. Não é sério. É absolutamente ultrajante. Se você conta com um sistema militar legal paralelo, a situação só se agrava, porque as regras são diferentes", afirma o presidente da Ifatca.

O dirigente da entidade de controladores aéreos acrescenta que a gravidade das acusações lançadas no IPM, de que os operadores teriam cometido homicídio culposo, é ''vergonhosa'' e que só está ocorrendo "porque este não é um setor que seja da competência de um promotor militar".

O IPM foi acolhido como denúncia pelo Ministério Público Militar, rejeitada pela juíza Zilah Maria Petersen, da 11ª Circunscrição Judiciária Militar, em Brasília, que a considerou "inepta", por não especificar as regras de conduta militar violadas pelos controladores.

Sistema falho

De acordo com Baumgartner, o sistema aéreo em vigor no Brasil possui falhas técnicas. "E isso ficará claro nas conclusões do relatório sobre o acidente. A tecnologia usada em vôos no Brasil conta com uma função técnica que 'decide' em que altura uma aeronave se encontra, mas o sistema não sabe se de fato a aeronave se encontra naquela altura."

"A área em que o radar vê o avião não é constante. Isso é algo que tem a ver com o tamanho do Brasil, que é um país muito grande, mas também com o tipo de tecnologia utilizada. Tudo isso leva a crer que os controladores aéreos não tinham chance. Eles perderam contato com a aeronave (o jato Legacy) devido a esses problemas sistêmicos. O avião desapareceu do radar. E isso levou à tragédia."

O presidente da Ifatca diz que estes são elementos que precisam ser alterados e que a investigação "precisa aprender com os acidentes".

No entender dos representantes da entidade, outro problema que o Brasil enfrenta é o fato de que os controladores estão sujeitos à Força Aérea. A entidade afirma que a militarização do setor de tráfego aéreo é um anacronismo que vem perdendo adeptos em diferentes partes do mundo. "Na América do Sul, a Argentina vem debatendo o fim desse sistema, e está em transição para um controle aéreo feito por civis", diz o presidente.

"O comandante da Força Aérea é, ao mesmo tempo, o controlador do sistema de tráfego aéreo e o responsável por sua auditoria. Se algo dá errado, é ele que irá receber o relatório sobre as falhas que causaram o acidente."

Conduta

O dirigente acusa ainda a FAB de adotar uma conduta perigosa. "Eles não fizeram nada para modificar o atual sistema. Pelo contrário, os militares brasileiros agora estão treinando pessoas que não deveriam estar trabalhando como controladores. Eles dizem que pretendem treinar 600 novos operadores e que já contratam 70. É o que nos preocupa. Eles estão pegando controladores militares que não têm as qualificações necessárias."

Doug Churchill, o vice-presidente da Ifatca e o responsável por temas jurídicos da entidade, diz que a organização fez uma série de recomendações à FAB, mas que os militares brasileiros vêm ignorando quaisquer contatos.

"No Brasil, eles estão buscando um conserto rápido. Querem usar um 'band-aid' para conter um ferimento grave. Avisos de que outros acidentes iriam acontecer foram dados às autoridades brasileiras e, de fato, um aconteceu", afirma Churchill, em referência ao desastre com o vôo 3054 da TAM, ocorrido no dia 17 de julho e que provocou 199 mortes.

Segundo Baumgartner, o fato de que as autoridades tomaram uma série de medidas de segurança após o acidente e reduziram as funções destinadas aos controladores só prova que as normas de segurança apropriadas não estavam em vigor quando ocorreu o desastre que vitimou 199 pessoas.

O presidente da Ifatca afirma que os membros de sua organização estão dispostos a discutir esses temas com as autoridades brasileiras, mas dificilmente isso aconteceria no Brasil.

"Se as falhas sistêmicas forem corrigidas, nós poderemos voar para o Brasil. Caso contrário, não iremos. Não é seguro ir de avião para lá. É o que recomendo a todos os meus amigos e familiares, que não viajem de avião para o Brasil."

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