O ano de 2017 testemunhou o desaparecimento de várias companhias aéreas europeias. Na briga entre grandes e pequenas, longa e curta distância, o consumidor deve sair ganhando.
Arthur Sullivan e Timothy Rooks | Deutsch Welle
Um passeio pelo saguão de partidas do antigo aeroporto Berlim-Tempelhof, fechado desde 2008, lembra a natureza constantemente mutável dos céus europeus.
Air Berlin é uma das vítimas das turbulências aeroviárias na Europa |
Atrás dos guichês de check-in – assim como o restante do prédio, pouco alterados desde seu fechamento – veem-se as insígnias de companhias aéreas de que um visitante mais jovem provavelmente nunca ouviu falar. A maioria delas não voa mais: foram completamente extintas, rebatizadas ou incorporadas por alguma empresa maior.
O ano de 2017 testemunhou o desaparecimento de diversas linhas aéreas europeias. A austríaca Niki foi a mais recente a pedir falência, como dano colateral no colapso mais amplo da Air Berlin. A italiana Alitalia declarou bancarrota em maio, enquanto a operadora britânica de voos baratos Monarch suspendeu suas atividades em outubro, deixando seus passageiros ilhados em destinações turísticas por todo o mundo.
Abutres sobrevoam quem cai
A aviação é um negócio monumental, envolvendo muito dinheiro, e quando uma companhia aérea entra em falência as competidoras maiores logo começam a sobrevoar o cadáver, na briga por aeronaves, cobiçadas vagas de aterrissagem, operações de solo e outros bens aeroviários preciosos.
Em 2017 a Lufthansa, Ryanair e EasyJet (primeiro, segundo e quinto lugares no ranking das maiores linhas aéreas da Europa, por número de passageiros) estavam preparadas para recolher o espólio de suas concorrentes tombadas.
No entanto, os reguladores anticartel estavam em guarda e, segundo consta, foram suas objeções que frustraram o acordo Lufthansa-Niki. E poderão propiciar uma decisão surpreendente no contexto da incorporação parcial da Air Berlin pela Lufthansa, na penúltima semana de dezembro.
As altas ambições da irlandesa Ryanair foram arruinadas por problemas mais domésticos: questões de pessoal acarretaram centenas de cancelamentos em dezembro, e em 20 de dezembro a companhia está ameaçada por uma greve de pilotos. De resto, são intensas a rivalidade e desconfiança entre ela e a número um europeia, a Lufthansa.
"Seleção natural"
O especialista em aviação internacional Andreas Spaeth atribui toda essa turbulência a uma mais do que oportuna consolidação do setor aeroviário da Europa. Ele acredita que grande parte das companhias aéreas que atualmente estão se retirando de campo o teriam feito muito antes, se não fosse o respaldo de seus respectivos governos ou de empresas maiores.
"Sempre esteve claro que eram players demais no mercado, e que havia a necessidade de consolidação. Então, de certo modo, não é surpreendente isso estar acontecendo", comenta.
Spaeth cita os exemplos da Alitalia, mantida à tona pelo Estado italiano por vários anos, apesar do desempenho fraco; e da Air Berlin, abalada desde que a Etihad Airways, dos Emirados Árabes Unidos, suspendeu suas injeções de capital. Para o especialista, a permanência dessas firmas no mercado era pouco realista: "Não se deixava que elas morressem, e isso não é bom."
O setor de aviação europeu já é tradicionalmente mais fragmentado do que outros mercados globais. Mas a concorrência no segmento dos voos de curta distância se intensificou com a baixa dos preços de combustível e a influência crescente das operadoras de voos baratos.
Ainda em 2002, essas linhas aéreas respondiam por apenas 9% do mercado da Europa. Em 2017, sua participação é de 43%, segundo cifras da provedora global de informações digitais sobre tráfego aéreo OAG.
Céus fragmentados
Tais desdobramentos aumentaram a pressão sobre companhias aéreas que já estavam em dificuldades. E com gigantes dos voos baratos como a Ryanair, a EasyJet e a subsidiária da Lufthansa Eurowings lutando pela dominância nos voos breves, é inevitável que algumas empresas tenham e vão continuar despencando.
Entretanto, o caminho é longo até os céus europeus estarem tão consolidados quanto os dos Estados Unidos. Segundo a OAG, as seis maiores companhias da Europa Ocidental ainda são responsáveis por apenas 43% do mercado total, contra os 90% que as seis principais linhas americanas detêm nos voos transatlânticos.
Seria lógico esperar que a consolidação venha a representar preços mais altos para os clientes, mas Spaeth não crê que isso vá ocorrer: ele prevê que a competição no mercado europeu de voos curtos seguirá intensa, e enfatiza o influxo crescente no setor de companhias como a Norwegian Airlines, a Eurowings e a espanhola Level, pertencente ao International Airlines Group (IAG).
"A questão central era se as grandes empresas tradicionais iam ser capazes de proteger seus mercados centrais, de longa distância. Mas agora se vê que não conseguirão: há nova concorrência mesmo nesses mercados, até então lucrativos, e os voos de longa distância baratos estão realmente se tornando coisa do dia a dia."
Acordos à vista
Segundo Spaeth, outra dimensão importante é a crescente "segmentação" do setor, ou seja, a separação entre os grupos que oferecem serviços de longa e de curta distância.
Companhias como a Lufthansa e a British Airways se concentram cada vez mais nas rotas longas. O especialista em aviação considera possível que, mesmo diante das tensões atuais, no futuro linhas de curta distância possam fechar acordos com as empresas tradicionais, para transportar os passageiros até os pontos de conexões para longa distância.
"Isso seria impensável, mesmo cinco anos atrás, mas agora a Lufthansa está tendo conversas oficiais com a Ryanair e a EasyJet. Essas grandes linhas de voos baratos, com uma rede europeia muito ampla, talvez passem a cumprir a função de 'alimentadoras', essencial para levar os passageiros até seus voos de longa distância."
A conclusão é que, embora no curto prazo seja provável que a turbulência na aviação europeia vá continuar, céus mais serenos não estão tão distantes assim.