Vera Araújo - O Globo
RIO - Com uma área de 19 km² e apenas 149 câmeras de segurança, o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro/Galeão — Antônio Carlos Jobim mostra ser um queijo suíço. O setor mais sensível é justamente o de controle de imigração, onde há somente uma câmera, conforme constatou o Ministério Público Federal (MPF) no Rio, que instaurou dois inquéritos civis públicos sobre a falta de segurança do aeroporto. Circulam, em média, 47 mil passageiros por todo o aeroporto, além de 25 mil funcionários cadastrados. Foi justamente a partir de uma investigação sobre tráfico de pessoas que os procuradores descobriram vários pontos cegos no Galeão. A insuficiência de câmeras não só facilita a entrada ilegal de imigrantes, como a de drogas e de armas.
A precariedade do circuito interno de imagens também facilita crimes como furtos de cabos de energia elétrica e arrombamentos de malas dos passageiros. Antes de ajuizar a ação civil pública contra a Infraero, empresa que administra a maioria dos aeroportos brasileiros, os procuradores pretendem fazer uma audiência pública a fim de discutir o problema com todos os órgãos envolvidos e a sociedade, já que o leilão de privatização do Galeão está previsto para 22 de novembro. A Secretaria de Aviação Civil (SAC) adiantou ao GLOBO que a empresa que vencer a concessão deverá apresentar à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) um Plano de Ações Imediatas, que contemple, entre outros itens, a instalação de câmeras de segurança no estacionamento — não há nenhuma na parte interna, só nos guichês de pagamento nas saídas. Já houve casos de furtos de automóveis e abandono de veículos nos estacionamentos. A Infraero nega que o Galeão seja vulnerável e alega que o pedido do MPF é para “aprimorar a vigilância” nas áreas de imigração. Mas não é o que dizem os procuradores.
— É questionável que uma concessão prevista para novembro irá ter tempo hábil para conferir uma estrutura mínima de segurança ao aeroporto para a Copa do Mundo, no ano que vem. Já tivemos a Copa das Confederações, a Jornada Mundial da Juventude e o Rock in Rio em condições precárias.
Tivemos sorte de não ter ocorrido algo grave. Imagine se alguém deixa um carro no estacionamento do Terminal 1 com uma bomba dentro por mais de 18 dias, limite de armazenamento das imagens. As investigações ficarão muito prejudicadas, porque as cenas já estarão apagadas. Isso é um absurdo — afirmou o procurador Sérgio Luiz Pinel, um dos responsáveis pelo inquérito.
Facilidade para tráfico de pessoas e armas
Em resposta ao MPF, o gerente de segurança da Infraero, Artur Figueiredo, informou que há 65 câmeras no Terminal 1 — instaladas em 1992 — e 84 no 2, sendo que, por causa das obras de revitalização, sete delas foram removidas. Para piorar, as imagens do sistema de gravação do terminal 2 só ficam armazenadas por oito dias, dez a menos que no terminal 1, tempo também considerado insuficiente pelos procuradores. No inquérito civil público, o procurador Sérgio Pinel enfatiza que o curto tempo em que as imagens captadas na área da Alfândega ficam disponíveis fragiliza o controle imigratório e impede o combate aos chamados crimes transnacionais, como o tráfico internacional de armas, drogas, crianças e pessoas.
— É um problema gravíssimo, pois 149 câmeras num aeroporto com 15 quilômetros de perímetro são insuficientes. No curso da apuração de tráfico humano, identificamos que uma determinada pessoa passou pela área de imigração de maneira ilegal, num certo dia e horário, mas não encontramos as imagens, porque elas haviam sido apagadas. Perdemos uma prova relevante. Se não bastasse ter apenas uma câmera, as cenas ainda são armazenadas por um prazo curto — explicou o procurador.
Ao GLOBO, a Infraero afirmou que há 299 câmeras em funcionamento, diferentemente do que seu gerente de segurança informara ao MPF, em documento anexado ao inquérito, datado de 12 de junho deste ano. Sérgio Pinel recomendou à Infraero medidas a serem tomadas de imediato, como, por exemplo, a realocação de algumas câmeras a fim de melhorar o controle imigratório nos dois terminais do Galeão. Também foi solicitado que as imagens fiquem armazenadas por três anos, em vez de apenas oito dias (Terminal 2) e 18 dias (Terminal 1), além da produção de um estudo com acompanhamento de agentes da Polícia Federal, de localização dos pontos cegos no aeroporto. Segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), de janeiro a julho deste ano foram registrados 466 furtos na delegacia do aeroporto. No mesmo período de 2012, foram 569 casos. Só em julho deste ano, foram 64 registros na delegacia.
A SAC adiantou que há um Plano de Exploração Aeroportuária — também previsto no contrato de concessão — determinando que sistemas de vigilância e de TV de pátio sejam disponibilizados pela concessionária vencedora. Um dos critérios de avaliação da concessionária pela Anac é a percepção de segurança no aeroporto. Nas pesquisas de satisfação dos passageiros que a concessionária será obrigada a realizar mensalmente, uma das perguntas terá de se referir à segurança no aeroporto. Caso a avaliação nesse quesito fique abaixo de um mínimo estipulado, a concessionária será punida com a diminuição do reajuste tarifário a que tiver direito no ano seguinte.
Cinzeiro segura porta de acesso restrito
E essa avaliação, a julgar pelos padrões atuais, não deve ser nada boa. Em janeiro do ano passado, O GLOBO revelou um aumento no número de malas arrombadas por quadrilhas no Galeão. Na ocasião, a Infraero anunciou a compra de 3.150 câmeras para intensificar a segurança por causa da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016, mas elas não foram instaladas. A empresa informou agora que, após as obras hoje em andamento, o aeroporto contará com 388 câmeras no Terminal 1 e 104 no 2.
A professora Marlene Monteiro contou que, no ano passado, sua ex-nora teve uma mala arrombada ao voltar do exterior, tendo sido furtados uma filmadora e perfumes:
— Acho a segurança daqui péssima. Na esteira onde pegamos a bagagem, sempre acho que alguém vai furtar a minha mala. O pior de tudo é que não melhora. Vamos ver com a privatização.
A fim de minimizar o problema, a Infraero ressaltou que, além das câmeras de segurança atuais, há outros mecanismos, como equipamentos de raios x, detetores de metal, vigilantes patrimoniais (armados e desarmados) fazendo rondas no aeroporto, além de controles de acesso. Mas nem mesmo o uso de senhas para ter acesso às áreas restritas agradou ao procurador Sérgio Pinel:
— Numa dessas áreas com controle de acesso por senhas, pude ver um cinzeiro sendo usado para segurar uma porta. Já explicamos à Infraero sobre a necessidade de acabar com esses pontos cegos, mas eles alegam que não têm recursos. Até quando o Aeroporto do Galeão terá menos câmeras que um condomínio de classe média na Tijuca? A necessidade de mais câmeras tem que ficar bem clara no contrato de concessão. Quem administrá-lo vai ter que cuidar disso logo, antes da Copa — afirmou o procurador.
A procuradora Marta Cristina Pires Anciães, que instaurou o inquérito civil público pelo furto de cabos elétricos no aeroporto, lembra que também faltam câmeras na parte externa. Em 2 de março de 2011, três mil metros de cabo foram furtados:
— Não há câmeras ao longo das pistas. A Polícia Federal chegou a sugerir a construção de um muro ao redor do aeroporto. Há guaritas, mas nem sempre há seguranças nelas. Com o furto de cabos, há risco até na segurança da aviação — afirmou Marta.