Numa tarde do mês passado, um grupo de jovens católicos cantava e tocava instrumentos no aeroporto de Brasília, dando as boas vindas a companheiros cristãos que chegavam para acompanhar a visita do Papa Francisco ao Brasil.
Eles tiveram que aumentar o volume para superar o ruído das furadeiras, serras e martelos. Uma reforma geral está em andamento no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, assim como em outros aeroportos do país, para acomodar as centenas de milhares de visitantes esperados para uma sequência de grandes eventos, a Copa do Mundo do ano que vem e os Jogos Olímpicos em 2016.
Porém, cada vez mais, os trabalhos não estão sendo administrados pela Infraero, a agência governamental criada em 1973 para supervisionar os aeroportos do país. O aeroporto de Brasília foi um dos primeiros a serem entregues ao setor privado, num programa de privatização que o governo lançou para acelerar a injeção de cerca de US$ 19 bilhões em investimentos necessários para fazer face ao aumento previsto de passageiros.
Os aeroportos privatizados estão em obras de expansão iniciadas pela Infraero e os novos operadores terão de terminá-las antes da Copa do Mundo.
A Inframérica, uma joint venture entre a firma brasileira de engenharia Grupo Engevix e a holding argentina Corporación América, parceria que no ano passado ganhou a licitação para o aeroporto de Brasília, por exemplo, está construindo um terminal para expandir a capacidade do aeroporto em 31,2%, para 21 milhões de pessoas. Cerca de 70% da obra deve ser concluída apenas semanas antes da Copa.
"Temos prazos extremamente apertados", disse José Antunes Sobrinho, presidente do conselho da Inframérica. "Vamos fazer em 18 meses o que levaria até três anos em velocidade normal."
As empresas esperam ganhar dinheiro com a locação de vagas de pouso e decolagem (slots) às companhias aéreas, espaços para lojas nos terminais e locais nas imediações para a construção de edifícios de escritórios, hotéis e armazéns. O projeto de Brasília, por exemplo, abrange mais de 5.500 metros quadrados de espaço para lojas e restaurantes, incluindo um "miniestádio de futebol" que também vai funcionar como restaurante e bar. A Inframérica planeja alugar em breve um local para o primeiro hotel ligado ao aeroporto.
A decisão do Brasil de começar a passar a propriedade dos aeroportos para o setor privado é a mais recente cartada num debate no mundo da aviação que remonta a 1987, quando o governo de Margaret Thatcher no Reino Unido privatizou o órgão que administra o setor, a British Airports Authority. Desde então, vem ocorrendo um debate sobre quem tem sido mais eficiente na administração dos aeroportos, as empresas ou os governos.
Do lado positivo, as privatizações dão aos governos uma receita extra e canalizam os investimentos privados e a eficiência comercial para o desenvolvimento dos aeroportos. Mas os críticos apontam para uma série de possíveis problemas, incluindo a perda de controle do governo sobre os salários nos aeroportos e os impactos ambientais.
Vários países da Europa, Ásia, Austrália e América Latina já privatizaram aeroportos. Hoje, mais de 30 dos 100 maiores aeroportos do mundo são de propriedade total ou parcial de investidores privados, segundo a Reason Foundation, um centro de estudos que defende uma intervenção mínima do Estado na economia.
Mas em alguns países, como os Estados Unidos, a tendência não decolou. Um relatório do ano passado encomendado pela FAA, a Administração Federal de Aviação dos EUA, observou que "tem havido pouco apetite para arrendar a longo prazo ou vender os aeroportos americanos" devido a fatores como o desejo de sucessivos governos de manter o controle do Estado, acordos com os sindicatos e "a influência das companhias aéreas, em especial as responsáveis pela maior parte do tráfego de um determinado aeroporto".
O Brasil está entre os países que adotaram recentemente um plano de privatização de aeroportos. No ano passado, três dos maiores aeroportos do país, incluindo o de Brasília, foram entregues a operadoras privadas. Um quarto, na região de Natal, será o primeiro do país a ser construído a partir do zero por uma operadora privada. Dois outros serão leiloados ainda este ano, incluindo o aeroporto internacional Antônio Carlos Jobim, do Rio de Janeiro.
A privatização dos aeroportos ocorre num momento em que a nova prosperidade do Brasil impulsiona o país e sua crescente classe média para a era da aviação. Em 2007, quando o Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo de 2014, os aeroportos do país estavam com sobrecarga e o governo não conseguia dar conta de todas as modernizações necessárias.
"Tudo estava muito desatualizado", diz Carlos Ebner, presidente da divisão brasileira da Iata, grupo que representa a indústria da aviação comercial. "Os aeroportos não conseguiam acompanhar o desenvolvimento do setor."
O caso do Brasil põe em relevo os enormes riscos em jogo nos esforços de privatização. Os vencedores dos leilões pelos quatro aeroportos já privatizados concordaram em pagar um aluguel, a taxa de outorga, e fazer enormes investimentos. No caso do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, a brasileira Invepar — Investimentos e Participações em Infraestrutura SA — e a sul-africana ACSA concordaram em pagar R$ 16,2 bilhões ao longo de 20 anos e fazer investimentos de R$ 4,6 bilhões.
Alguns dos maiores proprietários de aeroportos mundiais, inclusive a alemã FraportAG e a Changi Airports International, de Cingapura, já expressaram interesse em fazer ofertas na segunda rodada de licitações. "Estamos interessados nas próximas privatizações, dos aeroportos do Rio de Janeiro e Belo Horizonte", disse um porta-voz da Fraport.
É claro que não há nenhuma garantia de que o aumento previsto do tráfego aéreo venha a se concretizar e justificar os compromissos financeiros assumidos pelos licitantes vencedores. Depois de um crescimento minguado do PIB, de 0,9% , em 2012, a expectativa é de que o Brasil cresça não mais que 3% este ano e talvez um pouco mais em 2014.
A participação do público na Copa do Mundo e nos Jogos Olímpicos pode ser prejudicada se a agitação política que eclodiu em junho continuar ou se intensificar. "Esperamos que esses distúrbios civis sejam resolvidos pacificamente, porque se eles se prolongarem podem exercer um efeito negativo sobre o sentimento dos investidores", disse Goh Choon Chiang, consultor sênior da Changi Airports.
Mesmo assim, existe a possibilidade de se ganhar muito dinheiro. A Heathrow Ltd., operadora de aeroportos britânicos, por exemplo, divulgou no mês passado receita de 1,15 bilhão de libras (US$ 1,77 bilhões) no primeiro semestre de 2013, um aumento de 9,2% ante 2012.