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Céus fechados para a União Europeia

Por Daniel Rittner - Repórter especial  | Valor

Ficar com o aeroporto do Galeão às escuras pode matar a Infraero de vergonha, assim como o desrespeito da Gol ao remarcar aleatoriamente as viagens de passageiros da Webjet expõe certa falta de rigor nas fiscalizações da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), mas é outro o assunto - bem menos popular - que realmente causa embaraço às autoridades do setor aéreo. Desde os últimos meses de 2011, quando o Brasil e a União Europeia estiveram muito perto de assinar um inédito acordo de céus abertos, há uma tensão no ar entre funcionários brasileiros e europeus.


O acordo previa a liberalização do transporte aéreo, em um prazo de três anos, acabando com as restrições sobre o número máximo de voos que as companhias podem fazer entre os dois lados do Atlântico. Negociado à exaustão pelas áreas técnicas, foi anunciado às vésperas da visita que a presidente Dilma Rousseff fez a Bruxelas, em outubro de 2011.


Parece um detalhe no universo de relações comerciais, mas 4,5 milhões de passageiros viajam por ano entre o Brasil e a Europa, e empresas como a TAP e a Air France olham o mercado brasileiro com enorme cobiça. A Latam, fusão da TAM con a Lan, também depende bastante do desempenho em voos para destinos como Paris e Frankfurt para ter lucro nas operações internacionais. Houve comunicados oficiais e entrevistas à imprensa para alardear os benefícios do acordo: a oferta de 335 mil assentos adicionais por ano em novos voos, com redução de tarifas que propiciaria uma economia de 460 milhões de euros aos passageiros a partir de 2012, segundo os cálculos da UE.


Europeus ainda esperam por uma posição de Dilma


Dilma voltou atrás no último minuto - literalmente - e desistiu de firmar o acordo, o que gerou tremenda insatisfação em Bruxelas. Não só pela essência da decisão, mas pela forma. Na data marcada para a assinatura, um embaixador brasileiro entrou apressado na sala em que os presidentes da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, e do Conselho Europeu, Herman Rompuy, aguardavam Dilma. Ela já estava mais de 20 minutos atrasada.


O embaixador avisou que a presidente queria mais um tempinho para analisar o acordo e desistira de assiná-lo naquela viagem. Todo mundo ficou surpreso, inclusive a delegação brasileira, mas ninguém quis criar caso e atrapalhar a visita oficial. Como havia expectativa de que a assinatura finalmente ocorresse nos dias seguintes, a turma do deixa-disso abafou o constrangimento e o assunto foi ignorado pela imprensa. Depois, foi simplesmente esquecido. Só que nunca se retomou o tal acordo.

Em fevereiro de 2012, Durão Barroso enviou uma carta a Dilma, pedindo a reabertura do diálogo.


Dilma respondeu só em junho, sem dar muita bola aos europeus, evitando dizer o que o Brasil impõe como condições para sentar-se novamente à mesa.


Hoje o Brasil tem acordos individuais, com cada país europeu, que estipulam um número máximo de voos para as empresas de cada lado. Além de acabar com essa restrição, o tratado passaria a valer para todos os países da UE - atualmente o Brasil tem acertos com 14 dos 27 integrantes do bloco, o que pode representar uma barreira concreta ao estabelecimento de novas rotas, no futuro. Finalmente, o acordo incluía uma cláusula que aumentaria de 20% para 49% o limite de capital estrangeiro com direito a voto em companhias aéreas brasileiras, desde que o investidor tivesse origem na UE. Não mexia na proibição de que empresas estrangeiras façam voos domésticos no Brasil.


As explicações para a paralisação das conversas variam. Há quem diga que o Itamaraty ficou com o orgulho ferido por ter sido pouco ouvido nas discussões e pressionou contra a assinatura. Gente com trânsito no Palácio do Planalto assegura que Dilma achou o texto desequilibrado, mal negociado pela Secretaria de Aviação Civil, excessivamente favorável às companhias aéreas europeias, mais preparadas para aumentar a oferta de voos, no curto prazo, do que às brasileiras. Outros colocam a culpa na Casa Civil, que não quer saber de aumentar os limites para o capital estrangeiro na aviação.


O fato é que, enquanto o governo brasileiro engambelava os europeus, a questão deixou de ser uma filigrana diplomática. Com cada vez mais turistas brasileiros viajando para a Europa e cada vez mais europeus procurando negócios no Brasil, cresceu a ocupação dos aviões que já operam nas rotas transatlânticas e autoridades identificaram que os atuais acordos não permitem, na prática, uma expansão dos voos para Portugal (Lisboa), França (Paris), e Holanda (Amsterdã). Mais demanda, com oferta estagnada, significa o óbvio: as companhias estão com a faca e o queijo para aumentar suas tarifas em 2013, quando a quantidade de voos para esses destinos não mais atenderá plenamente à procura dos passageiros.


É claro que o Brasil poderia perfeitamente ampliar seus acordos com Portugal, França e Holanda. Mas os europeus perceberam que têm uma chance de forçar o governo brasileiro a retomar negociações com a UE, como um todo, e dizem que não vão discutir mais nada individualmente. É o trunfo deles para avançar.


O Brasil topa voltar às discussões do acordo, mas faz questão de incluir o direito de que companhias brasileiras possam usufruir da chamada "quinta liberdade". É o direito de, nos voos que usam a Europa como escala, vender bilhetes no mercado local e embarcar passageiros europeus no meio do caminho para encher os aviões rumo a destinos ainda mais distantes. Uma complicação um tanto inócua, já que nenhuma empresa brasileira voa hoje para a Ásia ou para o Oriente Médio, por exemplo. Parece mais um bonde na sala para ser usado como elemento de barganha.


A próxima reunião de cúpula Brasil-UE, marcada para o fim de janeiro, é uma excelente oportunidade para acabar com esse impasse e definir, pelo menos, o rumo a seguir. A preocupação de Dilma em proteger o mercado brasileiro e afastar a concorrência desproporcional de companhias aéreas europeias pode até ser razoável, mas o Brasil talvez esteja apenas deixando de lado sua maior conectividade com o resto do mundo, com uma consequência prática: tarifas mais altas para os passageiros.
 

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