Buracos em nuvens causados por aviões aumentam precipitação de chuva e neve

O Globo

A passagem de aviões por dentro de nuvens forma buracos e canais que aumentam a precipitação de chuva e neve, principalmente em áreas do entorno de aeroportos, num raio que pode chegar a 100 quilômetros. É o que diz estudo liderado por Andrew Heymsfield, do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas dos EUA, e publicado na edição desta semana da revista “Science”.

 
A água na atmosfera pode permanecer líquida em temperaturas bem abaixo do congelamento se não tiver um núcleo — poeira ou sal, por exemplo — que a leve a formar cristais de gelo, o que só acontece naturalmente quando a temperatura do ar fica muito baixa, em torno de - 40 C. O processo é similar ao usado na semeadura química de nuvens, em que a dispersão de partículas sólidas, geralmente de iodeto de prata ou de gelo seco (CO2), provoca a condensação das gotículas de água, desequilibrando a estrutura da nuvem e forçando a chuva a cair. No caso dos aviões, sua passagem diminui abruptamente a temperatura do ar atrás das hélices ou acima das asas, fazendo com que as gotículas congelem espontaneamente. Isso forma os cristais de gelo que servem como núcleos de condensação, dando início — literalmente — a um processo em bola de neve que produz buracos ou canais nas nuvens que continuam a se expandir durante horas, aumentando a precipitação dentro e abaixo delas.

 
— Se um avião vai criar um buraco ou um canal nas nuvens depende de sua trajetória — explica Heymsfield. — Se eles estão subindo através de uma supergelada camada de nuvens, produzem apenas um buraco. Mas se estiverem voando nivelados por dentro desta camada, podem produzir longos canais.

 
Durante décadas os cientistas especularam sobre as origens dos misteriosos buracos e canais em nuvens observados em formações em latitudes médias. Em 2009, uma estranha nuvem em forma de disco voador vista sobre Moscou aumentou ainda mais a curiosidade sobre esse fenômeno. No ano passado, porém, outro estudo conduzido por Heymsfield determinou que eles eram provocados por aviões, levando-a a indagar quais seriam seus efeitos climáticos. 


Com base em medições do satélite Calipso, da Nasa, o pesquisador montou modelos computacionais para estudar o comportamento das nuvens próximas a seis aeroportos comerciais — Heathrow (Londres), Frankfurt, Charles de Gaulle (Paris), Seattle-Tacoma, O'Hare (Chicago) e Yellowknife (Territórios do Noroeste, no Canadá) —, assim como da pista de pouso da estação de pesquisas Byrd, na Antártica.
 
Fenômeno não teria influência no clima global
 

Os resultados das simulações mostraram que a passagem de aviões provoca os buracos e canais em média de 5% das vezes nestes aeroportos, aumentando para 10% a 15% no inverno. Isso acontece porque o fenômeno só é observado quando a água no interior das nuvens já está a uma temperatura muito baixa, se aproximando do limite de - 40 C em que se aglutina em cristais de gelo naturalmente. Da mesma forma, ele é mais frequente quanto mais fria for a localidade, como aconteceu no aeroporto canadense e na pista de pouso da base na Antártica. E, junto com os buracos e canais, vêm a chuva ou a neve.
 
— Se você tem gotículas de água supergelada e partículas de gelo na mesma nuvem, as gotículas vão evaporar e depois se condensarem na superfície do gelo — conta Heymsfield. — Essa condensação cria um calor latente e aumenta a temperatura da superfície do gelo. Isso, por sua vez, gera uma flutuação na nuvem, criando um movimento para cima que era fraco ou inexistente antes, em um efeito cascata. Segundo o cientista, é pouco provável que o fenômeno tenha alguma influência no clima global. Mas, como boa parte das estações meteorológicas no Ártico e na Antártica que recolhem dados usados na construção de modelos sobre as mudanças climáticas estão próximas de pistas de pouso, ele deve ser levado em consideração nestes estudos.

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