*Cristiano Romero - Valor
O mercado de aviação civil tem apresentado, há quase uma década, taxas de expansão chinesas no Brasil. Em 2010, cresceu 23,47%, depois de ter avançado 17,65% em 2009, um ano de recessão. Os preços das passagens caíram, em termos reais, quase à metade. Esse boom esbarra na infraestrutura aeroportuária, que, no mesmo período, teve crescimento acanhado. Se nada for feito, em breve os preços das passagens começarão a aumentar, expulsando a nova classe média do transporte aéreo.
Num mercado dinâmico como o da aviação, a carência de infraestrutura é o fator que mais limita o avanço do setor. Sem a construção de aeroportos, terminais e pistas de pouso e decolagem, as empresas não têm como colocar mais aviões nas rotas existentes nem como abrir rotas. O ajuste do mercado vai se dar pelo preço.
O setor de aviação é um dos grandes beneficiários da estabilização da economia. Com inflação relativamente baixa e sob controle, aumentou-se, de forma vertiginosa, a parcela da população que viaja de avião. Tem sido assim desde 1994, quando foi lançado o Plano Real.
Nos primeiros anos pós-Real, também houve um boom na aviação. As sucessivas crises vividas pelo país entre 1998 e 2002 aplacaram, no entanto, aquele movimento, mas, a partir de 2004, com a nova aposta na estabilização, o mercado voltou a crescer. Nos últimos anos, decolou motivado pelo aumento da taxa média de crescimento da economia e pelo aumento da renda.
A competição entre as empresas favoreceu o desenvolvimento do setor. Os preços caíram de forma consistente. Em 2003, segundo dados da Agência Nacional da Aviação Civil (Anac), o preço por quilômetro voado nas 67 principais rotas do país estava em R$ 0,80. Em junho do ano passado, caiu para R$ 0,40. No mesmo período, a tarifa média cobrada pelas empresas reduziu-se, em termos reais, de R$ 492,06 para R$ 269,22 (ver quadro abaixo).
Desde julho do ano passado, a Anac passou a incluir todas as rotas para calcular o preço médio por quilômetro voado. Os números encontrados mostram valores ainda menores. Em julho e agosto, o preço por quilômetro voado caiu para R$ 0,34 e R$ 0,32, respectivamente. Já a tarifa média diminuiu, naqueles dois meses, para R$ 269,15 e R$ 248,60.
Esses valores são animadores. O problema é que a análise de rotas específicas, onde a estrutura dos aeroportos é deficiente ou onde o mercado está saturado, mostra preços em alta. Um exemplo: em 2009, o preço do quilômetro voado entre Congonhas e Santos Dumont foi 90% mais alto que a média de todo o país. Isso resulta da saturação dos dois aeroportos, que não têm mais como crescer.
Quando surge um gargalo na infraestrutura, as empresas aéreas aumentam o preço para diminuir a demanda e, assim, evitar problemas com atrasos e cancelamentos de voos, falta de pessoal etc. Além disso, não surgem novas empresas no mercado.
Por razões ideológicas, o governo Lula praticamente nada fez para enfrentar o problema de infraestrutura. É verdade que não é fácil mexer nessa área, uma vez que o país tem uma única empresa, estatal - a Infraero -, responsável pela administração de 67 aeroportos federais. Uma greve de seus 25 mil funcionários, em protesto contra mudanças no setor, paralisaria o transporte aéreo e instauraria o caos - no ano passado, 154,3 milhões de passageiros embarcaram em voos domésticos e internacionais no Brasil.
É um alento ver que a presidente Dilma Rousseff planeja nomear Rossano Maranhão, expresidente do Banco do Brasil e atual presidente do Banco Safra, para a secretaria especial de aeroportos (a ser criada) e Gustavo do Vale, atual diretor de Liquidação do Banco Central, para o comando da Infraero. Maranhão e Vale trabalharam juntos na vice-presidência do BB. Originários do serviço público, ambos são reconhecidos pela competência com que sempre exerceram suas funções.
Falta, evidentemente, definir o modelo que será implantado pelos dois na aviação civil. Solange Vieira, atual presidente da Anac, infelizmente está de saída do governo. Ela tem uma visão modernizante do setor, colocou a Anac para funcionar nos últimos anos e acabou com o império da politicagem que reinava na agência antes dela, mas se tornou, no governo anterior, uma voz isolada em defesa da realização de mudanças profundas no modelo aeroportuário. Seu mandato termina dia 19 de março e seu chefe, o ministro Nelson Jobim (Defesa), já comunicou ao Palácio do Planalto que ela não pretende ficar.
Seja qual for o modelo a ser adotado daqui em diante, ele precisa ser racional o suficiente para atrair investimentos. A expansão da infraestrutura é urgente não apenas por causa dos eventos esportivos dos quais o Brasil será sede em 2014 e 2016, mas, principalmente, porque o mercado está crescendo a uma velocidade estonteante e a tendência é manter o ritmo nos anos vindouros.
*Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras