Para especialistas, sucessão de problemas pode indicar falhas de manutenção e má gestão


Danielle Nogueira e Deborah Berlinck* RIO e PARIS - O Globo

Os recentes incidentes envolvendo a Air France no Brasil foram quatro em apenas uma semana acenderam o alerta amarelo entre especialistas de aviação. Na avaliação de alguns deles, a sucessão de problemas com aviões da companhia indica que a manutenção das aeronaves pode não estar sendo feita de forma adequada, seja devido a problemas de gestão ou à necessidade de se voar mais para recuperar receita. No ano fiscal 2009/2010, a Air France KLM teve faturamento de C 20,99 bilhões, queda de 15% em relação ao ano anterior.

Os incidentes fazem acender o alerta amarelo. Os aviões devem estar voando demais, sem parar para fazer a manutenção. E isso pode estar acontecendo porque a empresa é desorganizada ou porque precisa fazer caixa diz o piloto da reserva da Força Aérea Brasileira (FAB) e consultor da Nvtec Jorge Barros, que já trabalhou no Centro de Investigações e Prevenção de Acidentes (Cenipa), ligado ao Ministério da Defesa. Muitas companhias postergam a manutenção quando detectam problemas que não comprometem o voo, como uma maçaneta quebrada. A questão é que essas pequenas falhas vão se acumulando e podem gerar um problema maior. Talvez isso possa ter ocorrido com os banheiros.

Aérea tem estatísticas de 2ª categoria, diz autor de livro

Barros se refere a um dos quatro incidentes ocorridos este mês com aviões da Air France. No último 13 de julho, o avião que fazia o trajeto RioParis teve que retornar ao aeroporto Galeão devido a uma pane em seis dos 13 banheiros. Dois dias depois, um voo São Paulo-Paris foi adiado devido a uma avaria na fuselagem decorrente de uma colisão com um caminhão de pista no Aeroporto de Guarulhos.

Em 17 de julho, outro avião que partia do Rio sequer decolou devido a um problema eletrônico no motor. E uma semana antes uma aeronave que ia do Rio para Paris teve de pousar em Recife devido a uma suspeita de bomba.

O que para alguns pode ser mera obra do acaso é um retrato da má gestão da companhia, na avaliação do jornalista do conservador Le Figaro, Fabrice Amédéo, que escreveu o livro La face caché dAir France (A face oculta da Air France, sem edição em português), lançado em maio passado. Na publicação, Amédéo afirma que a Air France tem as mesmas taxas de acidente de uma companhia de segunda categoria e que os pilotos são intocáveis, fruto da falta de uma cultura de sanção da empresa. A ausência de sanções na gestão não é só catalisadora de uma certa frouxidão ambiente. Ela tem também repercussões imediatas na segurança dos voos, escreveu o autor. A maior parte de suas fontes, disse ele ao GLOBO, são os próprios pilotos.

Segundo Amédéo, a Air France já estava bem atrás de suas duas maiores concorrentes Lufthansa e British Airways em matéria de segurança antes mesmo do acidente com o voo 447 Rio-Paris, em maio de 2009, que matou mais de 200 pessoas e cuja causa permanece desconhecida. No site PlaneCrashInfo.com, a empresa ocupava o 21olugar entre empresas europeias e o 65ono mundo, enquanto Lufthansa e British apareciam em primeiro e segundo lugar na Europa, e 5oe 6ono mundo, respectivamente. Já o site francês Securvol.fr, também citado no livro, colocou a Air France no grupo C (sob reserva) de segurança. As duas concorrentes estão no grupo A (bom nível). Claramente, em matéria de segurança, ela não está na mesma categoria que suas principais concorrentes diretas. A Air France tem estatísticas próximas de companhias de segunda categoria disse o autor ao GLOBO.

Air France afirma que segurança é a sua prioridade

Para Amédéo, vários fatores explicam essa situação. Um deles é que a Air France cresceu muito rápido, uniu-se à KLM (a fusão com a companhia holandesa foi em 2004), tornou-se um grupo planetário e comercial, mas não reformou internamente sua estrutura.

O grupo Air France KLM transportou 74,5 milhões de pessoas entre abril de 2009 e março de 2010, dos quais 859.548 indo ou vindo do Brasil. O grupo tem mais de 80 mil funcionários, dos quais cerca de 250 no país.

Cédric Leurquin, porta-voz da Air France, contestou a tese do livro de Amédéo:

- Como toda empresa séria, segurança é nossa prioridade. A Air France respeita todos os planos de manutenção, assim como as recomendações brasileiras, francesas e internacionais - disse ele, frisando que, no Brasil, a Air France tem 99% de taxa de regularidade dos voos, isto é, aeronaves que partem e chegam sem qualquer problema.


Jorge Barros, da Nvtec, lembra que o fato de o Estado francês ser acionista da empresa cria um conflito de interesses, pois a fiscalização dos aviões da companhia é feita pelo governo da França. O Estado francês tem 15,7% das ações da aérea, os funcionários detêm 11,8%, e 70,6% dos papéis são negociados no mercado. O 1,9% restante está no caixa da empresa. Por isso, é saudável que a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) assuma a fiscalização dos aviões diz Barros.

Segundo a Anac, desde a semana passada técnicos da agência fazem inspeções diárias nos aviões no Rio e em São Paulo. Até agora, não foi identificada qualquer irregularidade. A Air France, por sua vez, informou que equipes técnicas da companhia inspecionam todos os aviões antes da decolagem.

E frisa que dos quatro incidentes, dois a suspeita de bomba e o choque com o veículo de pista em São Paulo tiveram causas externas. Perguntado qual é sua avaliação sobre os recentes incidentes, Amédéo ironiza:- A empresa vai atribuir à falta de sorte, como sempre.

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