Para tribunal, Anac e Cenipa exercem tarefas idênticas e problemas podem comprometer a prevenção de acidentes
 

Fábio Fabrini - O Globo

BRASÍLIA. Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) em órgãos do sistema aéreo constatou falhas que podem comprometer a prevenção de desastres. Desencadeada após o colapso nos aeroportos e os acidentes com aviões da Gol (2006) e da TAM (2007), a fiscalização mostrou que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), ligado à Aeronáutica, exercem tarefas idênticas na coleta de informações sobre a segurança dos voos e, não raro, desenvolvem os mesmos projetos, numa espécie de competição.


Ontem, os ministros votaram acórdão para que o Ministério da Defesa defina os papéis de cada agente.


Conforme o relatório dos auditores, o bate-cabeça leva a situações insólitas: os prestadores de serviços à aviação civil decidem, segundo seus interesses, a quem reportar dados sobre acidentes, incidentes, ocorrências de solo, anormalidades e situações de perigo. Os dois órgãos se sobrepõem nas ações contra o choque de pássaros com aviões, um dos principais fatores de risco. A Anac criou processo para recolher e avaliar relatos sobre as colisões, enquanto o Cenipa já tinha o seu Programa de Controle do Perigo Aviário no Brasil.
 

Documento destaca risco de acidentes no Galeão

Com base nas estatísticas, o TCU considera elevadas as chances de um acidente por esse motivo. Entre janeiro e outubro do ano passado, 540 aves bateram em aeronaves no país, sendo que 140 atingiram os motores. Só no Aeroporto do Galeão, houve 68 casos (mais de 10%), o que preocupa as empresas aéreas e os pilotos. Reunida no terminal em março de 2009, a Comissão de Controle do Perigo Aviário no Brasil, ligada ao Cenipa, apontou o perigo iminente de uma ocorrência semelhante ao pouso de emergência de um avião A-320 no Rio Hudson, em Nova York, em janeiro do ano passado.


Os dados estatísticos do Cenipa e as informações oriundas das duas maiores empresas de transporte aéreo do país detentoras de mais de 80% do mercado nacional não deixam dúvidas quanto à gravidade do risco de acidente, especialmente no aeroporto do Galeão, diz o relatório do TCU.


No Galeão, jatos da Gol colidiram 34 vezes com urubus e outras espécies entre janeiro e setembro do ano passado. No encontro, representante da empresa informou que setores da Gol estão sendo alertados sobre a proximidade de um acidente.


A TAM estimou que os custos com o problema passariam de US$ 1,6 milhão, em 2008, para US$ 3,3 milhões, em 2009.
 

Pilotos relatam riscos por causa dos pássaros

Pilotos relatam que têm sido obrigados a manobrar em baixa altura para desviar dos animais. Em muitos os casos, eles tomam todas as cabeceiras.


Hoje em dia é comum a torre perguntar se é possível decolar, devido a bandos exatamente sobre o final da pista, escreveu um deles, em relatório enviado ao Cenipa, cobrando uma atitude urgente para melhorar a situação.


A auditoria do TCU concluiu que a participação da Anac na prevenção de acidentes pode ser seriamente limitada pelas atividades que ela mesma desenvolve.


A agência coleta as informações sobre segurança de operadores da aviação civil, mas também os pune pelos problemas e irregularidades apontados. Como não há um sistema que garanta o sigilo da fonte, pilotos, operadores de voo e outros agentes se sentiriam intimidados.


É como se eles estivessem jogando contra o próprio time disse o ministro Benjamin Zymler, relator do caso no TCU.


No relatório, os auditores constataram que a Anac não tem divulgado os indicadores de eficiência das empresas aéreas.


Não há transparência sobre cancelamentos e atrasos, o que serviria para orientar o consumidor na compra de passagens e forçaria melhorias no serviço. Isso criaria uma competição saudável entre as companhias afirmou Zymler.


Além de sugerir que o Ministério da Defesa ajuste normas e defina as atividades da Anac e do Cenipa, os ministros recomendaram que a pasta adote medidas para evitar a punição de informantes e supervisione as ações para evitar acidentes provocados por pássaros. À agência, pediram que volte a publicar os índices e tome medidas para evitar atrasos e cancelamentos.

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