Pular para o conteúdo principal

Custo do inesperado

Miriam Leitão - O Globo

Nas cinzas do vulcão islandês é preciso ler as lições. O tráfego aéreo começava a voltar ao normal, depois de US$ 2 bilhões de prejuízos, e a erupção piorou novamente. Vulcões e terremotos são parte da atividade sísmica que sempre existiu na Terra. Os prejuízos de eventos sísmicos e climáticos entre 2004 e 2009 foram de US$ 753 bilhões, segundo a resseguradora Munich Re.

Num mundo mais complexo e interligado, as repercussões econômicas de qualquer evento são grandes e ocorrem em cadeia. Na crise financeira recente, a quebra de bancos islandeses provocou uma crise em vários órgãos ou empresas de outros países. Agora, o vulcão islandês paralisa o tráfego aéreo por cinco dias.

Por isso, a grande lição que as cinzas estão deixando é que é preciso ter planos de contingência.

As atividades sísmicas são até certo ponto imprevisíveis e parte da natureza do planeta. Já os eventos climáticos extremos são em parte agravados ou provocados pelo aquecimento global. O que o mundo claramente precisa é se preparar, ter planos alternativos, para eventualidade de eventos que provoquem fatos em cadeia, como agora.

Ontem, a empresa de tráfego aéreo da Inglaterra, a Nats, divulgou às 15h30m uma nota dizendo que tudo estava caminhando para a normalidade, apesar de afirmar que a situação era "dinâmica e mutável." Mais à noite, divulgou outro boletim, avisando que infelizmente a erupção do vulcão tinha piorado.

O pano de fundo em que esse inesperado ocorre é o de uma economia europeia começando a se recuperar da crise financeira e bancária de 2008 e 2009, no início de uma crise fiscal que atingiu a Grécia, mas com risco de se espalhar. Está também neste pano de fundo o fato de que há muito tempo as empresas aéreas do mundo estão em dificuldades financeiras, mas não podemos viver sem elas.

A economista Monica de Bolle, da Galanto Consultoria, diz que a Alemanha é altamente dependente do fluxo de comércio, e ainda que uma pequena parte se faça por avião, ela é afetada.

A Grécia é a maior prejudicada porque precisa do turismo como uma esperança de se reerguer.

O mesmo acontece com a Espanha.

O professor Istvan Kasznar, da FGV, calcula que numa média de 65% de ocupação, a rede hoteleira europeia está perdendo US$ 380 milhões por dia. Mas há quem ganhe, como o transporte marítimo e as telecomunicações. Já que não se pode viajar, haverá mais reuniões telefônicas.

O professor Respício do Espírito Santo, da UFRJ, lembra que 40% do tráfego aéreo mundial ocorre na Europa, o que torna o setor altamente vulnerável. A Emirates diz que está perdendo US$ 10 milhões por dia.

No Brasil, só 5% das nossas exportações acontecem por aviões, segundo a AEB.

Pode afetar apenas importações de alto valor como chips e software. A Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica) informou que ainda não há relatos de perdas porque, em sua maioria, as importações são feitas de países asiáticos, que não foram afetados.

Mas o professor Paulo Fleury, do Instituto Ilos, explica que não se pode pensar de forma estática quando o assunto é logística. A Europa é o centro de escala do tráfego aéreo internacional, isso significa que os voos que vem da Ásia podem não conseguir chegar ao Brasil.

— O impacto não é restrito à Europa porque temos um efeito cascata já que o sistema é interligado. Um voo que sai do Brasil e vai para Nova York pode não acontecer porque a aeronave viria da Europa — explicou.

O problema é mais grave mundialmente porque os modais alternativos de transporte estão todos lotados, segundo Fleury. Ou seja, não é possível desviar o fluxo de cargas e de pessoas para navios, trens e caminhões. Além disso, haveria perda de produtividade porque os prazos de entrega seriam maiores.

Segundo relatório do Royal Bank of Scotland (RBS), na Europa, só 1% das mercadorias é transportada por aviões. Apesar da pequena participação, Fleury lembra que os aviões são usados para o transporte de itens essenciais, como remédios e frutas, bens de alto valor e de tamanho menor.

O diretor-executivo da Fieam (Federação das Indústrias do Amazonas), Flávio Dutra, diz que os problemas na Zona Franca podem começar a aparecer se o caos aéreo durar mais uma semana.

O reflexo aconteceria daqui a 60 a 90 dias, que é o período entre o pedido e a entrega da encomenda.

— As fábricas de televisores estão operando em três turnos para atender à forte demanda deste ano de Copa do Mundo. O volume de importações aéreas é muito grande de componentes eletrônicos de pequeno porte e de alto valor agregado — disse Dutra.

A empresa de seguros Munich Re levantou dados mostrando que os eventos climáticos extremos e os eventos geofísicos produziram de 2004 a 2009 um total de 543 mil mortes, US$ 753 bilhões de perdas financeiras e US$ 256 bilhões de perdas seguradas.

Num mundo em que eventos climáticos extremos serão mais frequentes, em que os vulcões e terremotos continuam tão imprevisíveis como sempre foram, e em que a interdependência é cada vez maior, fatos espantosos como os dessas cinzas podem acontecer mais vezes. Inesperados farão mais surpresas.

Com Alvaro Gribel e Valéria Maniero

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Avião da TAM retorna após decolagem

Jornal do Commercio SÃO PAULO – Um avião da TAM, que partiu de Nova Iorque em direção a São Paulo na noite de anteontem, teve que retornar ao aeroporto de origem devido a uma falha. Segundo a TAM, o voo JJ 8081, com 196 passageiros a bordo, teve que voltar para Nova Iorque devido a uma indicação, no painel, de mau funcionamento de um dos flaps (comandos localizados nas asas) da aeronave. De acordo com a TAM, o avião passou por manutenção corretiva e o voo foi retomado à 1h28 de ontem, com pouso normal em Guarulhos (SP) às 10h38 (horário de Brasília). O voo era previsto para chegar às 6h45. A companhia também informou que seu sistema de check-in nos aeroportos ficou fora do ar na manhã de ontem, provocando atrasos em 40% dos voos. O problema foi corrigido.

Empresa dona de helicóptero que transportava Boechat não podia fazer táxi aéreo e já havia sido multada por atividade irregular, diz Anac

Agência diz que aeronave só podia prestar serviços de reportagem aérea e qualquer outra atividade não poderia ser realizada. Multa foi de R$ 8 mil. Anac abriu investigação. Por  G1 SP A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) afirmou que o helicóptero que caiu na Rodovia Anhanguera no início da tarde desta segunda-feira (11), em que o jornalista Ricardo Boechat e o piloto Ronaldo Quattrucci morreram, não podia fazer táxi aéreo, mas sim prestar serviços de reportagem aérea. Ainda segundo a Anac, a empresa foi multada, em 2011, por atividade irregular. Helicóptero prefixo PT-HPG que se acidentou na Anhanguera — Foto: Matheus Herrera/Arquivo pessoal "A empresa RQ Serviços Aéreos Ltda foi autuada, em 2011, por veicular propaganda oferecendo o serviço de voos panorâmicos em aeronave e por meio de empresa não certificada para a atividade. Essa atividade só pode ser executada por empresas e aeronaves certificadas na modalidade táxi aéreo. A autuação foi definida em R$ 8 mil

A saga das mulheres para comandar um avião comercial

Licenças concedidas a mulheres teêm crescido nos últimos anos, mas ainda a passos lentos. Dificuldades para ingressar neste mercado vão do alto custo da formação ao machismo estrutural Beatriz Jucá | El País Quando Jaqueline Ortolan Arraval, 50 anos, fez a primeira aula experimental de voo, foi mais por curiosidade do que por qualquer pretensão de virar piloto de avião. Era início dos anos 1990 e pouco se via mulheres comandando grandes aeronaves comerciais no Brasil. "Eu achava que não era uma profissão pra mim", conta. Ela trabalhava no setor processual em terra de uma grande companhia aérea, e o contato constante com colegas que estudavam aviação lhe provocaram certo fascínio. Perguntava tanto sobre a experiência de voo que um dia um amigo lhe convidou para acompanhá-lo em uma das aulas. A curiosidade do início se tornou um sonho profissional, e Jaqueline passou a frequentar aeroclubes e trabalhar incessantemente para conseguir pagar as caras aulas de aviação e acumul