Mais de dois anos após a tragédia, parentes de vítimas são proibidos pela Justiça de ter acesso à investigação criminal
Já os processos de acidentes da Gol e da Air France são públicos; na França, as famílias podem até opinar sobre os rumos da apuração
ROGÉRIO PAGNAN DA REPORTAGEM LOCAL - Folha de S.Paulo
Mais de dois anos depois do acidente aéreo que matou 199 pessoas no voo 3054 da TAM, as famílias ainda são proibidas pela Justiça Federal de ter acesso ao processo criminal. Já os principais suspeitos de responsabilidade no desastre, como os representantes da TAM e da Infraero, puderam acessá-lo. Com isso, familiares não sabem por que a Polícia Federal concluiu inquérito no último dia 5 sem apontar culpados.
Segundo o Ministério Público Federal e as famílias das vítimas, esse sigilo foi decretado pela juíza Paula Mantovani Avelino, da 1ª Vara Criminal Federal de São Paulo, para "não atrapalhar as investigações".
Em outra investigação, comandada pela Polícia Civil paulista sobre o mesmo acidente, concluída em 2008, 11 pessoas (entre dirigentes da TAM, Infraero e Anac) foram apontadas como responsáveis. Neste caso, a apuração foi pública.
Também são públicos os processos que investigam os outros dois grandes acidentes aéreos, como o da Gol, de 2006, e o da Air France, deste ano.
Pela Constituição, "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem".
Assim seguiu o juiz federal Murilo Mendes, de Sinop (MT), responsável pelas investigações do acidente da Gol que deixou 154 mortos. "Não tem motivo para ter sigilo. O que está se discutindo não é matéria sigilosa", afirmou o juiz.
Na França, as famílias podem até opinar sobre os rumos da apuração. O acesso aos detalhes da investigação é total e se estende aos estrangeiros.
No caso da TAM, as únicas informações que as famílias recebem são repassadas pelo procurador Rodrigo de Grandis, que tem sido uma espécie de "informante". Para isso, precisou da autorização da juíza para falar do processo "exclusivamente aos familiares".
Com essa autorização, as famílias puderam pelo menos saber, por exemplo, que o inquérito policial ficou parado na Justiça por mais de cinco meses aguardando resposta ao pedido de mais prazo.
O Ministério Público diz ser contra o sigilo, mas a juíza vem indeferindo os pedidos de tornar o processo público.
Para o professor de ética e filosofia política da Universidade Federal de Pernambuco, Inácio Strieder, 69, o que ocorre é uma demonstração da "deficiência da Justiça democrática". "Ao menos essas pessoas deveriam ser absolutamente informadas de toda a tramitação. A transparência evita que haja acordos escusos, que haja privilégios para alguns, que eventualmente façam acordos particulares."
Colaboraram FÁBIO AMATO, da Agência Folha e CINTIA CARDOSO, Colaboração para a Folha, de Paris
CÍNTIA CARDOSO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS
Sem novas informações das autoridades francesas, as famílias das vítimas do acidente com o voo AF 447 organizam-se para conduzir apuração própria sobre a queda da aeronave.
A recém-criada associação "Ajuda Mútua e Solidariedade" pediu à Justiça francesa acesso à investigação conduzida pelo Ministério Público Francês. "Essa autorização é importante, pois, com ela, as famílias poderão opinar sobre os rumos da investigação e solicitar que um ou outro aspecto seja privilegiado pelos investigadores", disse Stéphane Gicquel, presidente da Federação Nacional de Vítimas de Acidentes Coletivos.
A associação criou quatro grupos de trabalho formados por familiares dos mortos no acidente.
Eles vão procurar técnicos para avaliar relatórios do BEA (Escritório de Investigação e Análise, responsável pela investigação).
O acidente com o Airbus-A 330/200 da Air France foi em 31 de maio; 228 pessoas morreram.
Segundo relatório de pilotos franceses enviado à Justiça local, uma das causas foi um defeito nas sondas pitot, sensores externos que medem a velocidade do avião.
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