Leandro Mazzini

BRASÍLIA

Com mais de 10 mil aeronaves, entre aviões e helicópteros, cadastrados no Brasil, e quase mil pistas – 740 delas públicas homologadas – a Agência Nacional de Aviação Civil corre contra o tempo para colocar em prática um programa de segurança de voo, envolvendo banco de dados online integrado em parceria com a Aeronáutica, a fim de evitar que se repitam tragédias como a do avião que caiu em Goiânia na quinta-feira à noite.

A presidente da Anac, Solange Vieira, antecipou o lançamento do programa para apertar o cerco aos aviões executivos de pequeno porte e seus pilotos. Determinou que entre em rigor em maio deste ano o Decolagem Certa, programa que está em teste para a aviação executiva nos aeroportos de Fortaleza, Salvador e Campo de Marte. O programa inclui um banco de dados online compartilhado entre a agência e as torres de controle da Infraero. O funcionamento é simples. Num contato com a torre, o piloto passa todos os dados, que antes da decolagem são checados pelo sistema. Se houver algum dado desatualizado do piloto ou aeronave junto à Anac, fica impedido de decolar.

O programa visa a prever desastres como o do caso do piloto que roubou o avião no Aeroclube de Luziânia (GO). Apesar de saber pilotar, ele não tinha o licenciamento – o chamado brevê. Se o Decolagem Certa estivesse implantando em Brasília, a torre não teria autorizado a decolagem. Mas há outro agravante: a segurança. Com centenas de pistas pelo país, a agência não tem como fiscalizar in loco cada caso. Não existe uma Portaria do Ministério da Defesa ou norma da Anac que obrigue os aeródromos possuírem detectores de metal nos terminais pelo interior.

A Anac informou, no entanto, que vai abrir um processo administrativo para investigar o caso de Luziânia. Segundo a agência, o aeroclube, seguindo normas, deveria ter um segurança armado. Outra norma sobre detector de metal nos terminais vale apenas para terminais onde operam aviões que transportam acima de 60 passageiros.

Roubo

Foi com essa facilidade, sem obstáculos de segurança mínima, que Kléber Barbosa da Silva, 32 anos, e a filha Penélope Barbosa, de 5 – raptada por ele – decolaram após ele render com um revólver o instrutor de voo João Luiz Gonçalves de Sousa Filho. Ele convenceu um amigo de que gostaria de fazer um passeio e o apontou a arma, com o avião já cabeceira da pista, o expulsando do monomotor.

Alertada, a Força Aérea Brasileira enviou um caça Mirage 2000 e um Super Tucano para acompanhar o avião, mas não conseguiram contato por rádio. O homem sobrevoou por horas Goiânia – o aeroporto foi fechado por motivos de segurança – até cair à noite no estacionamento do shopping Flamboyant. Pai e filha morreram na queda.

Fiscalização

A Infraero, empresa que cuida de 67 aeroportos do país, não se posiciona sobre o acidente porque o avião "não partiu de um aeroporto" da estatal. A Anac informou que a aviação executiva tem um número muito grande de aeronaves no país, e movimentação muito maior. Atualmente, a fiscalização funciona "por amostragem". Explica-se: há as inspeções nos aeroportos marcadas num calendário e as surpresas. As duas posições mostram a falta de estrutura da estatal e da agência em evitar novas tragédias. A agência também obriga os pilotos a renovarem anualmente o certificado técnico, que inclui avaliação psicológica. Mas não basta, daí a urgência de o Decolagem Certa, enfim, sair do papel.

Agressão

O transtorno mental de Kléber Silva começou depois de uma briga com a mulher. De acordo com a polícia, antes de furtar o avião no Aeroclube de Luziânia, Kléber Silva agrediu a esposa, Érika Corrêa dos Santos, 23 anos, com um extintor de incêndio retirado do carro do casal.

Segundo o delegado Jorge Moreira, o casal e a filha de cinco anos estavam na altura de Terezópolis de Goiás, a 17 km de Goiânia, seguindo em direção a Brasília. Na discussão, a mulher foi jogada na beira da estrada com o carro em movimento e socorrida por uma ambulância que vinha logo atrás.

Com escoriações, Érika foi medicada e ficou em observação no hospital, de acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria Estadual da Saúde, responsável pela unidade. Ela recebeu alta do hospital às 9h25 de ontem.

O corpo da menina Penélope Barbosa Correia, 5 anos, foi velado ontem no Cemitério Vale da Paz, em Goiânia, onde houve o enterro à tarde. Centenas de pessoas e familiares acompanharam. Até o fim do dia, o corpo de Kléber Barbosa permanecia no Instituto Médico Legal de Goiânia.

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