As primeiras aeronaves não-tripuladas foram vendidas à Marinha
Chico Santos, do Rio
A idéia de dois amigos cariocas em transformar o gosto pelo aeromodelismo em um negócio começa a dar retorno e está inserindo o Brasil no restrito clube dos países que produzem e comercializam avião-espião, veículo aéreo não-tripulado (vant), no jargão setorial, com piloto automático.
Há quatro anos os amigos Gilberto Buffara Júnior, administrador de empresas formado em Harvard, e Gabriel Klabin, desenhista industrial, construíram um protótipo de vant com objetivos lúdicos. Ele acabou transformando-se no Carcará, pequeno avião-espião de 1,6 metro de envergadura, cujas primeiras 18 unidades foram vendidas no ano passado para a Marinha do Brasil, ao preço de R$ 300 mil o kit com três aviões.
Sob inspiração do empresário e ex-prefeito do Rio de Janeiro Israel Klabin (1979-1980), pai de Gabriel, os dois sócios fundaram a Santos Lab (Santos em homenagem a Santos Dumont e Lab de laboratório) que agora está investindo R$ 2,5 milhões para ampliar sua pequena fábrica no subúrbio carioca de Campo Grande (zona oeste). Segundo Buffara, o Carcará é negociado com empresas privadas, como a Companhia Vale do Rio Doce, Petrobras e Aracruz, e com órgãos públicos de segurança de Estados como Rio de Janeiro, Amazonas, Rondônia, Bahia, Acre, Roraima e, em fase embrionária, São Paulo.
De acordo com o empresário, que apresentou ontem o projeto em uma feira de material bélico da Colômbia, as maiores vantagens do Carcará são o preço baixo e o material usado na construção, polipropileno expandido, resina termoplástica muito usada em peças de automóveis. O material torna o avião leve, inquebrável e inofensivo caso caia, tendo sido feito, segundo Buffara, para operar no ambiente urbano do Rio de Janeiro. Além disso, o veículo dispensa pista de pouso e decolagem.
O piloto automático, o coração do vant, é importado dos Estados Unidos e de Israel, os líderes mundiais nesse tipo de equipamento. Com isso, o índice de nacionalização fica somente em 40%. Mas, de acordo com o empresário, o preço final do Carcará ganha dos seus concorrentes. O similar israelense, feito de fibra de vidro, custa US$ 500 mil FOB (sem frete e seguro), segundo Buffara. Ele disse que seu avião foi testado pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar (PM) do Rio de Janeiro e teve sua eficácia comprovada no monitoramento do tráfico de drogas nas favelas do Estado.
O Carcará está sendo testado também por uma empresa de Israel, cujo nome não foi revelado. O aviãozinho pode ser tão mais caro quanto mais sofisticada seja a tecnologia embarcada. As câmaras de monitoramento podem até, por exemplo, servir para contagem de todo o rebanho de uma fazenda.
Segundo Buffara, o Carcará foi testado a até 3,5 mil metros de altura, embora seu trabalho de espião seja mais eficiente a uma distância de 200 metros. Com motor elétrico, é silencioso e se confunde com as aves. Tem duas horas de autonomia e alcance de oito quilômetros. O avião já possui um irmão maior, o Jabiru (o mesmo que jaburu ou tuiuiú), em homenagem à ave pantaneira. Tem cinco metros de envergadura, autonomia de 12 horas e alcance de 70 quilômetros.
Buffara disse que a Santos Lab, hoje com apenas oito pessoas trabalhando diretamente e mais cinco indiretamente, já está testando o protótipo de outro Jabiru com 30 horas de autonomia e alcance de 200 quilômetros, destinado a concorrer com o rival israelense. A tecnologia de vant está sendo difundida em várias regiões do mundo. Em Israel e nos Estados Unidos o uso é principalmente militar. Na Europa, predomina o uso civil. Entre os países emergentes, além do Brasil, pelo menos China, Índia e Argentina também têm projetos em desenvolvimento nessa área.
No Brasil existe o Projeto Vant, liderado pelo Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA), com financiamento da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), cujo objetivo é produzir um vant com tecnologia inteiramente nacional. No começo deste ano, o Exército encomendou três vants à Flight Solutions, de São José dos Campos (SP), por R$ 1,3 milhão para entrega em um ano. A diferença, segundo Buffara, é que esses aviões serão de controle remoto e não piloto automático.