Saída para a crise da empresa era uma adaptação do Proer e previa a liquidação com a venda da parte boa à TAM e à Gol, mas não foi adiante
Mariana Barbosa
A Varig era um problema em busca de uma solução desde o início do governo Lula. De 2003 até a venda ao fundo Matlin Patterson, por meio da VarigLog, em leilão judicial em julho de 2006, foram muitas as propostas de solução para a companhia discutidas no governo: fusão com a TAM, intervenção, liquidação extrajudicial, estatização e recuperação judicial.
Antes da entrada de Roberto Teixeira, compadre do presidente Lula, no caso Varig - como advogado do fundo americano interessado em comprar a empresa -, a proposta que mais ganhou força no governo foi a do chamado “Proar”.
Uma adaptação do Proer, programa de socorro ao sistema financeiro, para o setor aéreo, o Proar chegou muito perto de ser implementado no fim de 2004. Mas as razões que levaram o governo a abandonar a proposta nunca foram bem explicadas.
O Proar nasceu no Ministério da Fazenda, como uma idéia do então procurador-geral da Fazenda, Manoel Felipe Rego Brandão - o mesmo procurador afastado por se opor à idéia da não sucessão de dívidas da Varig. A idéia era criar um regime especial temporário que permitisse que a Varig pudesse ser liquidada e a parte boa vendida ao setor privado, garantindo a continuidade das operações e da marca. Foram cerca de três meses de reuniões entre Casa Civil, Fazenda e Defesa, até que se chegou a uma proposta que previa a venda da Varig à TAM e à Gol, por US$ 1 bilhão.
As duas companhias deveriam montar uma terceira empresa para adquirir a parte boa da Varig, em sociedade. A TAM ficaria com as linhas internacionais de longo curso e a Gol, com o mercado doméstico. O dinheiro pago pelas duas empresas estava carimbado: US$ 350 milhões iria para o pagamento das dívidas trabalhistas. O fundo de pensão Aerus receberia outros US$ 350 milhões. E os US$ 300 milhões restantes cobririam o passivo de milhas Smiles e de passagens já pagas e ainda não usadas.
“As duas companhias iam pagar um preço justo pela Varig”, lembra um alto executivo do setor envolvido nas negociações. O preço, explica, embutia o valor da marca Varig e também a proteção do regime especial contra a sucessão de dívidas. “A MP tinha tudo para funcionar, como funcionou com os bancos no Brasil, e lá fora com a Swissair e com o Bear Sterns. O que fizeram com o Bear Sterns também foi um Proer.”
A MP não resolvia uma questão que tampouco foi resolvida com a “solução de mercado” e a venda para o fundo Matlin Patterson. As dívidas com a União, de mais de R$ 5 bilhões, seriam pagas com a ação de defasagem tarifária que a Varig move contra o governo.
A proposta do Proar era defendida pelos então Ministros da Fazenda, Antonio Palocci, da Casa Civil, José Dirceu, e da Defesa, José Viegas. Uma medida provisória determinando a liquidação da companhia chegou a ser escrita e ficou muito próxima de ser assinada. Mas, com a saída de Viegas, em novembro de 2004, a proposta perdeu força. Seu substituto, o vice-presidente e novo Ministro da Defesa, José Alencar, preferia falar em “solução de mercado”.
O governo passou então a defender a inclusão do setor aéreo na Lei de Recuperação Judicial, o que ocorreu em junho de 2005. Logo surgiram as propostas da TAP, defendida por Alencar, e do Matlin Patterson.
TRABALHADORES NO PREJUÍZO
A solução de mercado foi boa para os empresários, advogados e consultores envolvidos. Mas os cerca de 7 mil aposentados do fundo de pensão Aerus tiveram seus benefícios drasticamente reduzidos, já que o fundo foi liquidado com um rombo de R$ 3,5 bilhões.
Os trabalhadores, que têm a receber mais de R$ 500 milhões em 100 mil ações trabalhistas, ainda não viram a cor das indenizações. E a União tampouco recebeu um real de uma dívida de cerca de R$ 5 bilhões da velha Varig com a Receita, Previdência e as estatais Infraero, Banco do Brasil e BR Distribuidora.
“Acho que o projeto de criação de um regime especial para o setor aéreo era bom e continua sendo bastante atual”, afirma o ex-procurador da Fazenda Rego Brandão. “É uma idéia que merece reflexão.”
Brandão explica que a idéia inicial apresentada por ele previa a liquidação e a intervenção do governo. “Fui instado a pensar uma solução para os problemas do setor - que não diziam respeito apenas à Varig - e me lembrei do regime de administração especial temporária do Banco Central”, lembra o ex-procurador. “Não tinha por que inventar a roda; procurei uma solução que já existia e pudesse ser adaptada.”
Pela proposta inicial, uma vez aprovado o Regime de Administração Especial Temporária para a Aviação Civil (Raetac), o governo interviria na empresa e nomearia um interventor para uma gestão transitória até a liquidação ou eventual venda. “O governo colocaria recursos para sanear a empresa, se fosse necessário, de forma a garantir seu funcionamento até que ela fosse liquidada ou vendida”, diz Brandão. “Com a venda, o governo seria ressarcido.”
Como o governo se opunha à injeção de recursos públicos, a proposta evoluiu para uma liquidação sem intervenção, com a empresa sendo vendida imediatamente para TAM e Gol após a adoção do Raetac.
“Foram uns três meses de discussões, com reuniões quase diárias da equipe técnica da Defesa, Casa Civil e Fazenda”, lembra a ex-diretora da Anac Denise Abreu, que participou dessas discussões como subchefe-adjunta de assuntos jurídicos da Casa Civil. Coube justamente a Denise a redação final da medida provisória de liquidação da Varig.
“A MP era muito melhor para os trabalhadores, para o fundo Aerus e para os passageiros do que a inserção do artigo 199 na Lei de Recuperação Judicial (que possibilitou a entrada de companhias aéreas em recuperação judicial)”, defende Denise, lembrando que os pareceres jurídicos e técnicos da Fazenda e da Casa Civil emitidos na época eram contrários à inclusão das concessionárias de transportes aéreo na Lei de Recuperação Judicial.
Segundo Denise Abreu, a MP foi abortada pelo vice-presidente, José Alencar. Ela conta que, assim que assumiu, Alencar convocou uma reunião no Palácio do Jaburu com toda a equipe técnica responsável pela elaboração da MP e também com a imprensa. “Ele entrega a proposta para a imprensa inteira e o assunto morreu no mesmo dia.”