Mônica Izaguirre e Daniel Rittner
Valor Online
O governo voltou a estudar a possibilidade de abrir o capital da Infraero, como forma de levantar recursos para investimentos na infra-estrutura aeroportuária do país. Outra alternativa, que pode ser adotada junto ou independentemente da primeira, constituiria uma reviravolta na postura do governo para lidar com a crise do setor: a abertura da atividade a empresas privadas, por meio de concessões.
A informação foi dada ontem ao Valor pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Segundo ele, a decisão de fazer estudos nesse sentido já tinha sido tomada antes do acidente com o avião da TAM, anteontem, em Congonhas. "Mas é evidente que a tragédia colocou um elemento de urgência nisso."
Conforme o ministro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva autorizou o Ministério do Planejamento a elaborar uma proposta que contemple fontes privadas de recursos, diante do diagnóstico preliminar de que os cerca de R$ 3 bilhões previstos no Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) não vão dar conta das necessidades do setor. Só os aeroportos já existentes, disse Paulo Bernardo, vão demandar, em cinco anos, de R$ 10 bilhões a R$ 12 bilhões em novos investimentos.
"Se tivermos que construir aeroportos novos, nem isso vai ser suficiente", acrescentou o ministro.
A Infraero terá, em receita própria, R$ 3 bilhões para investir em seus 67 aeroportos, no período 2007-2010. O PAC dará R$ 3 bilhões adicionais aos 20 principais terminais do país. Em versão preliminar de um amplo estudo, a própria Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) reconhece que esse dinheiro será insuficiente. Segundo o órgão regulador, Congonhas e Brasília já superaram sua capacidade de passageiros, e a mesma situação deverá se repetir em 19 dos 28 principais aeroportos até 2015.
Um diagnóstico mais completo sobre as necessidade de investimento, já apontando soluções, está sendo preparado pelo ministério para ser entregue ao presidente Lula, "se possível dentro de 30 a 40 dias", disse Bernardo.
O estudo está sendo elaborado com ajuda do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que também poderia ser uma fonte de financiamento no novo modelo. Se for aprovada, a possibilidade de que concessionários privados construam e administrem grandes aeroportos se aplicará inclusive a empresas de controle estrangeiro, afirmou o ministro. Hoje, apenas alguns pequenos aeroportos são geridos pela iniciativa privada. Quanto à Infraero, Paulo Bernardo esclareceu que a idéia é manter o controle acionário nas mãos do governo, mas permitindo que parte de seu capital seja negociada no mercado de ações.
A idéia de Paulo Bernardo enfrenta enormes resistências - políticas e técnicas - em outros ministérios. No meio militar, há convicção de que investir na infra-estrutura aeroportuária deve ser prerrogativa exclusiva do Estado. Os militares lembram, inclusive, que nos Estados Unidos a participação de empresas privadas na administração de aeroportos é mínima. O Ministério da Defesa também vê com reservas a abertura de capital da Infraero ou um modelo de concessões.
Em dezembro, em reunião no Comando da Aeronáutica com as principais companhias aéreas, o governo recebeu de executivos da TAM e da Gol uma proposta de conceder à iniciativa privada a construção de novos terminais de passageiros. Os executivos ouviram uma reprimenda da cúpula da Aeronáutica e da Anac.
Essa resistência se acentuou à medida que a crise evoluiu. Segundo um auxiliar direto de Lula no setor aéreo, decisões complexas como a abertura de capital da Infraero ou para concessões não devem ser tomadas em momentos de "comoção", como o que se vive agora. Até porque, ressalta, "essas decisões não têm volta".
O principal problema de transformar a Infraero numa empresa de capital aberto neste momento, segundo o auxiliar do presidente, é que as ações lançadas no mercado teriam valor irrisório agora.
Segundo essa avaliação, se o governo for tomar uma decisão nessa linha, é preferível esperar a volta da normalidade para não prejudicar o valor das ações. No contexto atual, esse auxiliar teme que a venda de ações simplesmente não renda os recursos esperados para encher o caixa da Infraero e permita acelerar grandes obras de expansão.
Em 2004, a Infraero desenhou a abertura de capital, com previsão de participação privada de 30% a 49%. O vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar, apoiou o projeto. Previa-se o lançamento de ações na Bovespa e trabalhava-se, inclusive, com a idéia de uso de dinheiro do FGTS, para dar aos trabalhadores a mesma possibilidade de compra adotada nos casos da Petrobras e da Vale do Rio Doce. Quando foi apresentado a Lula, o presidente vetou a idéia, alegando que a medida soaria como privatização. Desde então, o assunto não voltara a ser discutido.