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Queremos voar com segurança

SERGIO XAVIER FEROLLA

Não há conexão entre as 2 últimas grandes tragédias, mas as centenas de vítimas nos levam a compor um mesmo quadro de incertezas

FAMÍLIAS EM luto, passageiros revoltados e em verdadeira rotina de sacrifícios nos aeroportos nacionais. Essa é a imagem que vem se repetindo para o povo brasileiro numa seqüência assustadora, todos buscando identificar culpado ou culpados pelo aparente descalabro do setor de transporte aéreo. Em que pese não haver nenhuma conexão entre o choque de duas aeronaves no ano passado e a tragédia que parou São Paulo e todo o país anteontem, as centenas de vítimas nos levam a compor um mesmo quadro de incertezas sobre falhas na infra-estrutura aeroportuária, no controle do tráfego aéreo e no desempenho operacional das empresas do setor.

Para todos esses componentes, são destacadas, por comentaristas e estudiosos, falhas pontuais que, por si só, não levariam a eventos tão danosos, mas, agregadas em uma mesma ocasião, podem, realmente, desencadear situações de risco e possíveis tragédias, como as duas que nos enlutaram em curto espaço de dez meses.

Quando o governo federal julgou necessária a criação da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), desativando o DAC (Departamento de Aviação Civil), desestruturou um corpo de técnicos com longa atuação e vivência antes que novos especialistas pudessem se inteirar de tão complexa atividade. No claro aberto, se inseriram interesses políticos e empresariais.

Antes, já havia o governo decidido pela colocação da Infraero no recém-criado Ministério da Defesa, transformando sua direção em cargos políticos, acima do critério técnico. Como agravante, recursos oriundos das tarifas aeroportuárias passaram a sofrer contingenciamento, com a redução de sua aplicação na manutenção e modernização de equipamentos e instalações. Também a destinação de recursos para obras, por falta de um planejamento integrado e acima de interesses eleitorais, privilegiou prédios e instalações nos aeroportos em detrimento de pistas e órgãos operacionais.

O controle do espaço aéreo brasileiro, inserido na estrutura do Comando da Aeronáutica, foi concebido de forma a otimizar recursos materiais e humanos, sobretudo se consideradas as dimensões e as assimetrias geográficas do território a ser coberto por radares, auxílios à navegação aérea, equipamentos de telecomunicações e órgãos de controle e orientação das aeronaves em operação. Milhares de homens e mulheres altamente especializados trabalham nas mais remotas regiões do país para que o tráfego aéreo flua com segurança.

Num mesmo sistema, operadores especialmente treinados orientam as aeronaves militares, assegurando a soberania do nosso território e impedindo que vôos ilícitos possam adentrar nossas fronteiras com drogas e armamentos, bem como cruzar nosso espaço aéreo e colocar o Brasil em situação de aparente conivência com o crime organizado internacional.

Quando se propõe a criação de uma estrutura independente da Aeronáutica para tão hercúlea tarefa, certamente não se consideram os vultosos investimentos, bem como as barreiras burocráticas e operacionais, para formar um quadro de técnicos dispostos a atuar em remotas regiões. Os vergonhosos acontecimentos após o choque das aeronaves sobre a região amazônica no ano passado mostraram falhas comportamentais de comandantes e subordinados quando uma minoria de controladores militares se deixou contaminar por lideranças sindicais, cometendo até atos criminosos, mas tendo suas ações tratadas com viés político, em afrontosa ameaça aos pilares básicos do estrutura militar, que são a hierarquia e a disciplina.

Em bom momento a Presidência da República acordou para a gravidade dos acontecimentos, passando o Comando da Aeronáutica a exercer a autoridade que lhe havia sido retirada, e o Ministério Público Militar, como fiscal da lei, a agir para que uma correta apuração leve os responsáveis aos conseqüentes julgamentos.

O dramático momento que todos vivenciamos impõe ações imediatas para a correção das falhas existentes, a identificação das causas e responsabilidades de cada segmento e, acima de tudo, uma enérgica ação dos órgãos responsáveis, para que o sistema aeroviário brasileiro seja reestruturado para bem atender à população, superando interesses pessoais, classistas e empresariais, de forma que o Brasil possa ocupar a posição que aspira no concerto das nações.

SERGIO XAVIER FEROLLA, 73, engenheiro eletrônico pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), é tenente-brigadeiro-do-ar reformado e ex-ministro do Superior Tribunal Militar. Foi comandante e diretor de estudos da Escola Superior de Guerra, chefe do Estado Maior da Aeronáutica (1995-96), diretor do Centro Técnico Aeroespacial e presidente do Conselho de Administração da Embraer.

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