Alteração do perfil de Congonhas vai afetar modelo de negócios da TAM e Gol

Daniel Rittner e Roberta Campassi – Valor Online

A decisão do governo de proibir conexões e reduzir o número de vôos em Congonhas afetará diretamente o atual modelo de negócios da TAM e da Gol, mas as mudanças são bem vistas pelas empresas menores, especificamente BRA e Ocean Air. Nos bastidores, o governo trabalha com um cenário de aumento de preços e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) prevê que a redistribuição da malha aérea provocará o remanejamento de cerca de mil vôos em todo o país. "No início, vamos ter um subcaos", reconhece o presidente da Infraero, José Carlos Pereira.

A Anac tentará consolidar a redução dos vôos, já em vigência, obedecendo a proporção de pousos e decolagens que cada companhia já realiza: 35% da TAM, 25% da Gol e 19% da Varig. Na reunião do Conselho de Aviação Civil (Conac), na sexta-feira, a agência advertiu aos ministros presentes que as mudanças em Congonhas podem ser necessárias, mas vão na contramão do ganho de eficiência obtido pelo setor aéreo nos últimos anos. "Há uma possibilidade real de diminuição da oferta e aumento de preços", afirmou o diretor-presidente da Anac, Milton Zuanazzi, nas conversas com ministros.

A posição da agência bateu de frente com a da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, principal responsável pela resolução do Conac que muda o conceito de uso do aeroporto. Como cabe legalmente à Anac apenas implementar as recomendações do conselho, a opinião de Zuanazzi tornou-se inócua. "É como a implantação do rodízio de veículos por placa: ninguém gosta, mas é a única forma que temos de desafogar Congonhas", comparou o coronel Carlos Minelli Sá, chefe do Serviço Regional de Proteção ao Vôo, responsável pela região de São Paulo.

Congonhas é a base central de operações da Gol e da TAM. Por isso, as mudanças ameaçam os preceitos que colocaram as duas maiores companhias aéreas brasileiras entre as mais lucrativas do mundo. O modelo prevê, entre outras concepções, a maior utilização de cada aeronave, que chega a 14 horas por dia. Há cinco anos, as empresas voavam cerca de seis horas por dia com cada aeronave.

De acordo com especialistas, não mais do que 12 pares de cidades no país têm demanda suficiente para sustentar operações ponta a ponta com aviões de capacidade superior a 160 passageiros, como o A-320 da TAM ou o Boeing 737-800 da Gol. A partir de agora, as companhias vão precisar apostar em outros "hubs" (pontos de distribuição), mas há dúvidas sobre a viabilidade econômica de transferir essa função para aeroportos, como o Tom Jobim, no Rio, ou o Confins, na região de Belo Horizonte.

"Olhando a letra crua (das medidas), o impacto é forte", admite o vice-presidente de Planejamento da TAM, Paulo Castello Branco, ressalvando que sua avaliação ainda é muito preliminar.

Segundo fontes da Anac, um "hub" só se viabiliza com um razoável número de passageiros que desembarquem no aeroporto-base. É a partir dali que os demais são distribuídos para outros destinos.

Essa concentração de operações gera ganho de escala. O tráfego concentrado faz com que as aeronaves saiam ou cheguem em Congonhas mais cheias e fiquem menos tempo ociosas no solo – o tempo entre os vôos é de 20 a 30 minutos, quase metade do registrado em outros aeroportos. Segundo fontes da Anac, sem Congonhas, pode até haver aumento de vôos diretos, por exemplo, entre Vitória e Porto Alegre. Mas cairá o número de opções entre as duas cidades pelo menor uso de conexões. Isso porque Guarulhos, que poderia rivalizar com Congonhas, teria restrições de espaço.

As autoridades aeronáuticas em Brasília admitem que as medidas terão impacto sobre a eficiência das empresas aéreas. Como conseqüência da menor demanda por vôos ponta a ponta, as companhias deverão reter seus aviões mais tempo em solo, à espera de horários que concentrem maior volume de passageiros. Com isso, teriam perda de eficiência operacional. Como alternativa, poderão manter suas aeronaves voando com a mesma intensidade, mas os vôos sairão com taxas de ocupação menores e um efeito para compensar: tarifas mais altas.

Nesse cenário, um novo aeroporto para atender São Paulo, conforme prometeu o governo, tornou-se essencial. "Vamos procurar um sítio aeroportuário que comporte até sete ou oito pistas, com capacidade para o crescimento da aviação até 2080, embora esteja de bom tamanho iniciar as operações com duas pistas e uma terceira em construção", detalha o presidente da Infraero. Para Guarulhos, está mantido o plano de construir um terceiro terminal de passageiros. A Advocacia-Geral da União (AGU) foi instruída pelo Conac a tentar recuperar as áreas da Varig que estão subutilizadas no aeroporto.

Enquanto as medidas para desafogar Congonhas afetam fortemente TAM e Gol, que têm 93% do mercado doméstico, elas não geram grandes transtornos para BRA e OcenAir, que em conjunto detêm uma fatia de 5%. Essas duas companhias acreditam que a desconcentração de vôos no aeroporto paulistano pode favorecê-las na briga por maior participação no setor.

As menores sempre se queixaram que seu crescimento era dificultado pelo domínio de Gol e TAM em Congonhas. "Agora, todas empresas terão que distribuir seus vôos em diferentes aeroportos", disse German Efromovich, presidente da Ocean Air. "Prevejo uma concorrência mais equânime."

"A questão agora é saber como a redução dos vôos em Congonhas será feita e quem terá prioridade de operação. Isso ainda não está claro", acrescentou o presidente da BRA, Humberto Folegatti. Desde meados de junho, a BRA e a Ocean Air operam uma malha aérea definida em conjunto e compartilham a venda de bilhetes.

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