Composição da diretoria, a maioria sem passado no setor, é apontada como um dos problemas da agência

Daniel Rittner – Valor Online

Vítima da crise aérea ou co-responsável pelo apagão? Nenhum órgão regulador no Brasil teve um começo de vida tão tumultuado quanto a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), posta em funcionamento na mesma semana em que um avião da BRA com 115 passageiros derrapou na pista principal do aeroporto de Congonhas, em março de 2006, dando o primeiro alerta da tragédia que ainda estava por vir.

Os críticos da Anac dizem que a agência não tem independência decisória, foi loteada politicamente e abrandou o rigor técnico do antigo Departamento de Aviação Civil (DAC), subordinado à Aeronáutica. Seus defensores ponderam que houve ganho de transparência nas decisões e que a agência pouco pôde fazer enquanto lidava com uma inclemente seqüência de crises: a quebra da Varig (com reestruturação do mercado e o estabelecimento de um duopólio no setor), a queda do Boeing da Gol, a operação-padrão dos controladores e o acidente com o vôo da TAM.

"As agências precisam de um tripé: corpo técnico livre de indicações políticas, independência decisória e autonomia financeira. A Anac não tem nada disso", observa o advogado Pedro Dutra, especialista em regulação. Ele afirma que a falta de experiência da maioria dos diretores prejudica o funcionamento do órgão.

Quando a lei que criou a agência foi aprovada no Congresso, em setembro de 2005, alguns nomes foram ventilados para presidir o órgão. Os militares queriam a manutenção do brigadeiro Jorge Godinho, o último diretor-geral do DAC, no comando do setor. O Palácio do Planalto recusou a indicação, alegando que prejudicaria a transição para a gestão civil. Sindicatos filiados à CUT pressionaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela nomeação de representantes da categoria, mas não fracassaram em suas tentativas.

Na reta final, dois nomes entraram na disputa pelo comando da Anac. Leur Lomanto, ex-deputado pelo PMDB por sete mandatos, foi relator do projeto de lei da agência e tinha sinal verde da cúpula do partido. Milton Zuanazzi, então secretário de Políticas do Turismo, foi levado ao Planalto com dois trunfos: cartas de dezenas de entidades da indústria do turismo e o aval de Walfrido dos Mares Guia, ministro que ganhava espaço.

Zuanazzi contou com uma aliada fundamental para prevalecer: Dilma Rousseff, da Casa Civil, de quem era próximo no Rio Grande do Sul. Ambos trocaram, na mesma época, o PDT pelo PT.

Passados quase dois anos, hoje há quase um consenso: a Anac não conquistou a credibilidade necessária para regular o setor de forma eficaz. Apesar dos transtornos aos passageiros, ela só conseguiu receber, até hoje, R$ 90 mil em multas aplicadas às empresas. Opôs-se à reorganização da malha de vôos de Congonhas e causou polêmica ao redistribuir rotas da Varig.

"O problema é que a Anac está trabalhando com um Código Brasileiro de Aeronáutica totalmente defasado", observa Anchieta Hélcias, secretário-geral do Sindicato Nacional das Empresas Aéreas (Snea), citando o marco regulatório do setor, promulgado em 1986. Desde aquele ano surgiram a Constituição, o Código de Defesa do Consumidor, o Novo Código Civil, a Lei das Sociedades Anônimas e a própria lei de criação da Anac.

Hélcias lembra que agências como a Anatel e ANP nasceram junto com novos marcos regulatórios – a Lei Geral de Telecomunicações e a Lei do Petróleo. Já a legislação vigente para o setor aéreo não trata de assuntos atuais, como o "overbooking", e prevê indenizações para vítimas de acidentes em um valor de referência, a OTN, que nem existe mais. "A regulação ficará difícil enquanto não houver uma nova Lei Geral de Aviação", acrescenta o secretário do Snea.

Um executivo de uma grande companhia aérea relatou dois dos problemas que mais o afligem na Anac. O primeiro é a renovação de brevês para pilotos. "Há complicações desnecessárias e atrasos sem explicação", critica o executivo. O segundo problema é na concessão de "hotrans", as autorizações para horários de vôos. O prazo para resposta da Anac é de 30 dias após a apresentação de pedido.

"Mas hoje em dia isso não se faz em menos de 60 dias. Às vezes demora até 120 dias. Para o planejamento de malha, isso pode ser fatal."

Diferentemente do DAC, em que as decisões eram assinadas por um único diretor-geral, tudo na Anac tem de passar pelo colegiado de cinco diretores. Os críticos da agência reconhecem que isso tornou as decisões mais transparentes - se a nova lei geral das agências for aprovada, as reuniões serão públicas. Segundo o mesmo executivo, o DAC impunha às companhias até o tipo de aeronave que devia ser usado em cada rota. Desde o ano passado, a distribuição de "hotrans" em aeroportos congestionados, como Congonhas, são feitos por sorteio entre as companhias , em substituição à total discricionariedade do DAC.

Na lei 11.182 de 2005, que cria a Anac, dois princípios foram oficializados: a liberdade tarifária, em que o poder público não controla o valor dos bilhetes aéreos, e a liberdade de explorar qualquer rota.

Quando a empresa detém o Cheta, certificado de concessionária de transporte aéreo, e tendo cumprido os requisitos de capacidade econômica, técnica e operacional (aviões seguros), ela depende só de espaço aeroportuário e no controle de tráfego para operar.

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