Falta de pilotos pode se transformar no próximo drama da aviação no Brasil. É que hoje o país não forma esses profissionais na mesma velocidade da expansão do setor aéreo

Renato Freire
Da equipe do Correio Braziliense

O título de uma comédia que arrancou risadas no mundo inteiro ameaça se transformar no próximo drama do setor aéreo no Brasil: Apertem os cintos, o piloto sumiu… É que o país não está conseguindo formar esses profissionais na mesma velocidade em que a aviação comercial se expande, apesar do caos nos aeroportos. “Depois do fim da Transbrasil e da Vasp, e mais recentemente da Varig, houve um excesso de pilotos qualificados no mercado. Mas a absorção está perto do fim”, explica Célio Eugênio de Abreu Júnior, assessor de segurança de vôo e de relações internacionais do Sindicato Nacional dos Aeronautas. Para não enfrentar uma turbulência de mão-de-obra, algumas das principais companhias aéreas abriram a temporada de recebimento de currículos.

Desde maio, a TAM contrata 30 co-pilotos por mês. A seleção durará até o final deste ano. Na OceanAir, o objetivo é admitir 90 novos profissionais nos próximos meses. Já a norte-americana United Airlines, que está aumentando os vôos internacionais, quer mais 100 pilotos e co-pilotos, e deve abrir inscrições em breve – a última seleção foi feita em 2001. A oferta de vagas tem explicação.

Números da Agência Nacional de Aviação Civil apontam que o número de passageiros cresce cerca de 11,5% ao ano. Em 2005, 34,7 milhões de pessoas voaram. Em 2006, 38,7 milhões. De janeiro a abril deste ano, o avanço foi ainda maior: 14,2 milhões de pessoas já ocuparam os assentos das principais empresas. Um número 13% superior ao mesmo período em 2006, e 36,5% se comparado a 2005.

De acordo com George William César Sucupira, presidente da Associação de Pilotos e Proprietários de Aeronaves, há cerca de 230 aviões operando no país. Ele calcula que a frota, até 2010, deverá chegar a 380. A TAM, que tinha 95 aviões no final do ano passado, conta hoje com 106. O objetivo é ter, daqui a três anos, 138 aeronaves em operação. E aumentar para 143 em 2011. A Gol, que tinha 50 aviões há um ano, mantém uma frota com 69. A meta é terminar o ano com 80. “O problema é que não temos capacidade de alimentar tudo isso. Se continuar assim, vamos ter que importar piloto”, alerta Sucupira.

Outros fatores que colaboram para um futuro apagão nas cabines são o dinheiro e o tempo investidos na formação de um piloto. Para se tornar um piloto comercial, é preciso gastar de R$ 120 mil a R$ 150 mil. Antes, a pessoa conquista a licença de piloto privado, que exige no mínimo 35 horas de vôo — no Aeroclube de Brasília, a cada 60 minutos o aluno desembolsar no mínimo R$ 260. Um piloto comercial precisa ter pelo menos 200 horas. As empresas podem contratá-lo como co-piloto. Para comandar uma linha aérea, é preciso pelo menos 1.500 horas. “Em média, gasta-se cinco ou seis anos para se tornar um piloto comercial”, afirma Sucupira. A falta de profissionais, no entanto, tem feito as organizações diminuírem as exigências.

Formação diferenciada

São três as possibilidades para um iniciante: seguir carreira na Força Aérea Brasileira; procurar a formação nos aeroclubes, instituições civis de ensino e prática da aviação; ou nas universidades — há pelo menos 15 no país. No Distrito Federal, os interessados podem recorrer ao Aeroclube de Brasília ou à graduação em aviação civil oferecida pela Unicesp. Em Goiânia, há o curso de ciências aeronáuticas de Universidade Católica de Goiás (UCG), onde 20% dos 125 alunos matriculados são do DF.

Quem escolhe a universidade não escapa dos cifrões. As instituições de ensino superior não oferecem aulas práticas. Para conseguir o diploma, além de pagar a mensalidade, é inevitável procurar os aeroclubes. O número exigido de horas de vôo, no entanto, pode variar de acordo com a instituição. A Unicesp exige o número de horas necessárias ao piloto privado. Para conseguir o diploma da UCG, o aluno deve ter completado 200 horas.

Marta Gibello convive com o paradoxo: sabe que o mercado das linhas aéreas absorve, mas está ciente da demora em fazer parte dele. Ela termina a graduação neste mês, mas ainda contabiliza apenas 10 horas de vôo. Até o fim deste ano, acredita, conseguirá a licença de piloto privado. Marta pretende se tornar piloto comercial até 2008. “As empresas querem o piloto pronto, mas não investem na formação dele. O ideal seria que absorvessem o piloto privado e formassem o comercial lá dentro”, defende.

O esforço vale a pena para quem chega lá. O salário médio de um comandante de linha nacional é de R$ 12 mil. O dos co-pilotos, na faixa dos R$ 8 mil. Os profissionais da aviação também precisam dominar o inglês. Tanto o convencional quanto o técnico. “É necessário para a comunicação entre piloto e cabine, e um piloto e outro”, explica o comandante Raul Francé Monteiro, diretor do curso de ciências aeronáuticas da UCG. Além disso, todos os manuais de vôo são escritos em inglês.

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