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A maior rebelião na Aeronáutica, desde 63

Avaliação é de oficiais, que temem o agravamento da questão salarial

Marcelo Godoy - O Estado de São Paulo

A revolta dos controladores de vôo militares em Brasília é a maior rebelião de militares ocorrida na Aeronáutica desde a dos sargentos, liderada por Antônio Prestes de Paula, em 1963, em Brasília. O protesto de ontem ficou restrito a um grupo menor dos praças, os controladores, enquanto que, no passado, atingiu diversos setores da Força Aérea.

Essa é a avaliação de oficiais-generais da ativa e da reserva ouvidos pelo Estado. Alguns temem que, dependendo de como a crise for debelada, a questão salarial se torne explosiva, com movimentos reivindicatórios atingindo outros setores das Forças Armadas, e criticam o antigo chefe da Força, o tenente-brigadeiro Luiz Carlos Bueno.

“O que está ocorrendo é o modelo típico de 63: meia dúzia de sindicalistas radicais insuflando a tropa”, disse o tenente-brigadeiro da reserva Sérgio Ferolla, ex-presidente do Superior Tribunal Militar. Em 63, os sargentos tomaram a Rádio Nacional, cortaram as ligações telefônicas de Brasília com o País e detiveram oficiais e um ministro do Supremo Tribunal Federal em protesto contra a decisão do Tribunal de declarar inelegíveis os praças e cassar o mandato de dois sargentos. O Exército reprimiu o motim e prendeu 600 sargento.

Ao comparar os dois movimentos, Ferolla, um dos mais respeitados oficiais da Aeronáutica, quis ressaltar o que chamou de contaminação sindical da tropa. Para ele, está ocorrendo insubordinação. “O que estão fazendo com os passageiros é traição ao País, que está refém de alguns sargentos”. E defendeu “cadeia grossa para quem está comandando isso aí”.

O movimento dos praças ocorreu na véspera de uma data emblemática para os militares: o 31 de Março, dia em que eclodiu o movimento que derrubou em 1964 o presidente João Goulart. O general-de-divisão da reserva, Agnaldo Del Nero, disse que “já está mais do que na hora de se tomar atitudes correspondes à transgressão”.

Um oficial-general ouvido pelo Estado contou que há “mágoa na Aeronáutica com a administração anterior”. Brigadeiros avaliam que Bueno, o antigo comandante, não soube enfrentar a crise. Investiu atendimento às autoridades, como no Grupo de Transportes Especiais (GTE) e esqueceu-se da área operacional, “que é a razão de ser da Força”. Ao GTE está subordinado o Airbus comprado por R$ 56,7 milhões para servir ao presidente da República. Para o oficial, o cenário não é como o de 64, quando o movimento dos praças contribuiu para a queda de Goulart. Isso porque o problema é localizado e não houve contaminação “nem do Exército, nem da Marinha”, que também operam aeronaves. Ele crê na capacidade do novo comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, para resolver a crise.

Os militares consideram que não há reivindicação, por mais razoável que seja, que justifique a quebra da hierarquia. Dizem que a situação dos oficiais perante a tropa se complica quando as reivindicações encaminhadas por eles não são atendidas pelo governo. Sem investimentos, por exemplo, as Forças Armadas perdem a capacidade de operação e de dissuasão.

Outro oficial lembrou que não se pode dar aumento diferenciado aos controladores. “Do contrário, daqui a pouco o mecânico do radar também vai querer.” Para ele, as Forças Armadas passam por uma crise. “A insatisfação é grande. Praça e oficial ganham pouco e vivemos uma fuga de quadros experientes para outras carreiras.” Ele contou o caso de 13 primeiros-tenentes da Marinha que se recusaram a fazer a escola de aperfeiçoamento, necessária para ascender na carreira, porque queriam fazer um concurso público. “Jogaram eles num navio. Não funciona. Somos uma carreira de Estado e devemos ganhar de acordo com isso.”

O professor do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Paulo Ribeiro da Cunha, estudioso dos movimentos militares, disse que a ação dos controladores deve ser entendida num contexto maior, que envolve os protestos das mulheres de oficiais por aumento salarial e outros casos de sargentos que estão se mobilizando para fazer valer suas reivindicações. “Há uma associação de sargentos do Exército no Rio que é exemplo disso. É uma tradição que remonta a 1915.” Para Cunha, embora a situação em Brasília “esteja próxima da ruptura da hierarquia”, ela se deve a um problema que se agravou ao longo dos anos. “E o comando não sabe lidar com esse problema, que é político, fora dos pressupostos da hierarquia e da disciplina.”

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