Edmundo Machado Ferraz – Jornal de Brasília

A tragédia recente do vôo JJ3054 da TAM, o maior desastre aéreo ocorrido na América Latina, deixa a todos nós estarrecidos, revoltados e com uma enorme sensação de impotência, já prevendo o que vem por aí, trazido pela incúria acumulada em inúmeras áreas de domínio público no Brasil. Em outras palavras, o caos não é somente no setor aéreo.

Os hospitais públicos brasileiros, pretensamente responsáveis pelo atendimento de mais de 140 milhões de pessoas, encontram-se degradados com piso e pinturas arrancados, móveis danificados, falta de medicamentos, elevadores sem manutenção, equipes técnicas e administrativas desmotivadas, lideradas por minorias mobilizadas para trabalhar menos e ganhar mais e garantir "os seus direitos" de atender mal a população. As emergências e UTIs abarrotadas de pacientes em macas sem assistência adequada, nos corredores dos hospitais, morrendo à míngua por falta de diagnóstico e de tratamento em tempo e indicação adequada. Alguém perguntou quantas pessoas morrem por dia no Brasil nestas condições?

Certamente que muito mais de 198, número de mortos que chocou o País no acidente lamentável de Congonhas. Mas são mortes anônimas, sem identificação dos corpos, sem noticiários da TV e nos jornais de pessoas alijadas dos mínimos direitos de cidadania de um País pretensamente civilizado.

E nos outros serviços públicos? As obras superfaturadas que desviam os recursos de ações empreendedoras para os empreendedores do desvio dos recursos públicos, as pontes inacabadas, as estradas intransitáveis, os portos obsoletos, os aeroportos caóticos, a geração de energia comprometida, a ausência de esgotos e da prevenção de doenças.

E o ensino público fundamental e superior? Que futuro nos espera quando alunos não aprendem sequer a interpretar o que lêem em escolas depredadas, desequipadas, com professores desmotivados, ameaçados e mal remunerados. E o ensino público superior estaria melhor? Claro que não. É outra comprovação do caos.

Mas, como anda o nosso Legislativo? E a Câmara e o Senado? Meros entrepostos de negociações ilícitas em que os "curriculum vitae" tem sido substituídos pelas "folhas corridas", sem qualquer priorização das discussões essenciais das reformas necessárias para a melhora da nossa cidadania. E os partidos políticos que fiscalizavam a ética, a moral e os bons costumes, por onde andam? Nas sombras e corredores do serviço público, visando o aparelhamento do Estado com avidez, incompetência e a sensação de que "agora é a nossa vez". Desejo insaciável de locupletação do tempo perdido. A Polícia Federal prende, o Ministério Público denuncia e nada acontece. Os Delúbios e Valérios continuam circulando livremente, inclusive com quem é filmado e gravado contando o valor da propina em rede nacional de televisão.

O Judiciário, objeto de desejo de salário de todo trabalhador público ou privado brasileiro, como anda? Ganha muito, julga pouco e pune menos ainda, particularmente os crimes contra o patrimônio público e a sonegação fiscal, priorizando os fóruns privilegiados tão discutidos.

E as nossas Forças Armadas? O Serviço Militar obrigatório não mais fornece refeição ou fardamento. Faltam diesel, reatores, combustível, munição, equipamentos, manutenção, soldo adequado, motivação e sobretudo esperança.

E a violência urbana? As Forças Armadas mudas, como deveriam e imobilizada em seus quartéis. A Polícia Civil sem conseguir depurar os seus quadros, sem armamento, coletes, viaturas, inteligência, combatendo traficantes que têm tudo isso e mais recursos. A Polícia Militar desarticulada da Civil enfrentando o crime organizado com seus chefes intocáveis em presídios públicos de segurança máxima, absolutamente seguros de suas impunidades garantidas pelo Estado, seqüestrando e comandando a criminalidade de dentro dos presídios, transformados em lojas de conveniência da prostituição e da malandragem em um acinte inaceitável em qualquer país civilizado.

E o respeitável público, como fica? Desconfiado e omisso. Os mais pobres, de vez em quando, participam de uma passeata pela paz, os mais ricos blindam o carro, tentando blindar a própria vida. A maioria continua votando no parente, no filho do chefe ou nos recomendados. E a vida segue.

O que está faltando, finalmente? Creio que a esperança, este sentimento que alimenta a vida e vem sendo diariamente sepultado pela corrupção endêmica, a desmotivação galopante, a descrença multiplicada a impunidade glorificada, a indignidade avassaladora de um País que está perdendo os seus parâmetros e escala de valores na vala comum da indiferença generalizada.

Será que temos esperança ainda? Creio firmemente que sim. Um dia nos levantaremos todos com uma uníssona vaia, varrendo de uma vez por todas essa imensa irresponsabilidade civil coletiva que parece não ter mais fim.

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