A base industrial aeronáutica brasileira está preocupada com os impactos que a nova aliança entre a Embraer e a Boeing terá no futuro dessas empresas, caso não haja uma política do governo que garanta a preservação da cadeia nacional.
Por Virgínia Silveira | Valor, de Orlando (EUA)
"Se não tiver proteção, a cadeia vai morrer num curto espaço de tempo, por falta de acesso ao mercado global e de competitividade", disse o diretor titular do Ciesp em São José dos Campos, Cesar Augusto Andrade e Silva.
Cesar Augusto Andrade e Silva, do Ciesp: "Se não tiver proteção, a cadeia vai morrer num curto espaço de tempo" |
A cadeia produtiva da Embraer no Brasil é formada hoje por cerca de 70 empresas, que empregam em torno de 5 mil funcionários e estão dedicadas à venda de serviços de industrialização de baixo valor agregado, como fornecimento de peças usinadas. Apenas 10 destas empresas são exportadoras.
No acordo anunciado com a Boeing na quinta-feira, a cadeia de fornecedores da Embraer não foi mencionada. "Espero que este assunto venha à tona no detalhamento da parceria e o governo aja no sentido de preservá-la", disse Silva.
Em carta aberta aos funcionários da canadense Bombardier, no fim do ano passado, por ocasião do anúncio da aquisição do programa de jatos C-Series, o presidente da francesa Airbus, Tom Enders, disse que a indústria aeroespacial canadense teria uma participação relevante na cadeia global de suprimentos da companhia europeia, avaliada em US$ 82 bilhões em contratos anuais.
O executivo da Airbus acrescentou que os contratos para a indústria canadense também se estenderiam a todas as linhas de negócios e produtos Airbus, tanto da aviação civil como da militar.
"O Brasil abriga a terceira fabricante de aviões mais importante do mundo, mas as pequenas e médias empresas do setor aeroespacial do país ainda estão fora da cadeia global de fornecimento de aeroestruturas, um mercado estimado em US$ 60 bilhões", ressaltou Silva.
O diretor do Ciesp disse que se o Brasil conseguisse alcançar pelo menos 2% deste mercado, em cinco anos, poderia faturar algo em torno de US$ 1,2 bilhão, além da geração de pelo menos 8 mil empregos diretos e mais de 40 mil indiretos.
O Ciesp encaminhou uma carta aos representantes do governo e da Aeronaútica na negociação da aliança entre a Boeing e a Embraer, pedindo proteção e mais incentivos para a base industrial brasileira. A ideia, de acordo com o diretor da entidade, é que o governo exija uma contrapartida da Boeing para trazer certo know -how em termos de capacitação das empresas para que elas possam atender a um mínimo de contratos dentro da cadeia de fornecimento global da Boeing.
"Esta seria uma grande oportunidade para a indústria nacional se desenvolver como fornecedora de nível global, reduzindo a sua extrema dependência da Embraer e abrindo novas oportunidades de negócios no mundo", destacou.
Silva, que também é presidente da Akaer, empresa especializada no desenvolvimento de aeroestruturas e gestão de projetos, disse que chegou a ter 60% do seu faturamento vinculado aos contratos com a Embraer, mas hoje essa participação é de apenas 20%. Cerca de 75% da receita vem do fornecimento de segmentos estruturais para o caça militar Gripen, que a sueca Saab está produzindo para a Força Aérea Brasileira (FAB).
Para Manoel de Oliveira, presidente do conselho de administração do Invoz, associação idealizada por Ozires Silva e que apoia o desenvolvimento das empresas da cadeia, a base industrial precisa se adaptar às exigências de fornecimento no âmbito global, em termos de prazo, custos, qualidade e capacidade.
"A competição agora vai ser mais acirrada. É uma grande oportunidade para as empresas, mas também não deixa de ser uma ameaça. Elas precisam sair à luta e ser mais competitivas para manter custos globais", afirmou. A Embraer, segundo Oliveira, já pediu aos seus fornecedores que se adaptassem às certificações internacionais que a Boeing utiliza em suas compras.
"É só uma questão de se ajustarem. Indiretamente as empresas já seguem os padrões internacionais, na medida em que fornecem para a Embraer, cujos aviões são homologados pelo FAA (Federal Aviation Administration), órgão regulador da aviação civil nos Estados Unidos.
O diretor do Ciesp argumenta que a criação de uma cadeia aeronáutica completa criará ainda novas opções de atendimento às Forças Armadas e ao governo brasileiro, garantindo independência e sustentabilidade tecnológica, além da geração de empregos de alto nível e exportação.