Com cortes no programa espacial, empresa brasileira recrutou 26% de sua mão-de-obra da agência para começar a produzir no país
Raphael Gomide, iG Rio de Janeiro


O engenheiro norte-americano Ryan Mitchell, teve uma experiência singular em uma pequena ilha, com 30 habitantes, nas Bahamas.


“Minha família adorava falar sobre eu trabalhar no programa espacial. Vamos a um restaurante e meus pais e irmãos todos falam: ‘Ele é engenheiro da Nasa (agência espacial dos Estados Unidos)!’ Aí, em uma ilha pequena nas Bahamas, onde vivem umas 30 pessoas, meu irmão disse à garçonete: ‘Ele é engenheiro da Nasa!’ Ela perguntou: ‘Nasa... Que Nasa?’, e ele: ‘A da nave espacial!’, mas ela nunca tinha ouvido falar. Foi a única vez na vida que isso aconteceu, uma pessoa que não conhecia a Nasa. Eu ri muito”, contou ao iG, em entrevista por telefone.

Depois de sete anos participando como prestador de serviço em 22 missões espaciais, Ryan não é mais engenheiro da Nasa. Há seis meses, ele e 17 ex-colegas na supertecnológica agência espacial norte-americana formam a espinha dorsal da primeira fábrica da brasileira Embraer em território dos EUA, em Melbourne, Flórida. O grupo ex-Nasa corresponde a mais de um quarto (26%) dos novos 70 funcionários da Embraer na planta. É a segunda fábrica da Embraer fora do Brasil - a outra fica na China.

A escolha do local para se instalar na “Costa Espacial”, a menos de meia-hora do John Kennedy Space Center, casa da Nasa, não foi por acaso. A empresa aproveitou o fim do programa espacial e a demissão em massa da Nasa para recrutar mão-de-obra qualificada entre 5.000 candidatos, a maioria da região, para o início dos trabalhos.

Além de a maioria dos clientes da Embraer estar nos EUA e da familiaridade da Flórida para brasileiros, “a decisão final de instalar a fábrica em Melbourne teve muito a ver com a disponibilidade de engenheiros e técnicos altamente qualificados e especializados, disponíveis devido ao corte de mão-de-obra da Nasa. Estamos a menos de 30 minutos do Cabo Canaveral”, explicou ao iG o diretor-geral da Embraer Executive Jets, Phill Krull.

Inicialmente, a nova fábrica americana vai montar apenas o Phenom 100, menor modelo da Embraer, para seis pessoas. Parte do avião vai do Brasil para lá, onde é montado.

É com a base de funcionários da Nasa – e a contratação de pessoal para um segundo turno de trabalho até o meio de 2012 – que a Embraer conta para entregar um Phenom 100 até novembro, 31 em 2012 e 60 em 2013, para atender à já “considerável demanda”, segundo o diretor.

“Estamos começando pelo menor jato de todos, e vamos estar seguros de que todo mundo está bem treinado e familiarizado com os aviões menores, antes de começarmos a trabalhar com aeronaves maiores. É mais uma decisão operacional do que comercial”, disse Krull, segundo quem a fábrica terá capacidade de produzir oito aviões por mês.

Os contratados estão acostumados a desafios e pressão. Ryan entrou para a Nasa após o “desastre da Columbia”, nave espacial que explodiu no retorno à Terra, em 1º de fevereiro de 2003. Daniel Jingle já estava lá havia muitos anos. Quando a Challenger explodiu no lançamento, em 28 de janeiro de 1986, Daniel já era um veterano no programa espacial, que ajudou a construir.

Glamour

Daniel passou 31 anos na Nasa. “De forma geral, é muito glamouroso. É uma máquina sensacional. Ter sido parte é um orgulho, e os EUA têm muito orgulho da Nasa. É empolgante trabalhar nesse programa e eu adorei cada minuto. Quando eu trabalhava na nave, os momentos mais empolgantes eram os lançamentos. Mas quando passei para o motor principal mudou. A nave se separava do propulsor e todo mundo batia palmas... Mas os motores em que eu trabalhava ainda estavam a todo vapor por mais 6 minutos e meio. Aí era estressante... Mas terminou bem todas as vezes”, disse Daniel.


É evidente o orgulho dos profissionais que atuaram na Nasa. “É claro que, no seu dia-a-dia, você chega ao trabalho com outras pessoas como você (que trabalham na Nasa), então não tem ninguém te dando parabéns quando você chega ao escritório”, brinca Ryan. Mesmo fora da agência, ele diz ter “uma mãozinha” nos dois últimos lançamentos, embora não tenha ficado até o fim.

Tecnologia mais avançada que a de voos espaciais do passado

Para Daniel – que atuou na inspeção, concepção de peças de foguetes, reforma de peças usadas e no motor principal de naves espaciais – o começo do programa espacial da Nasa “se assemelha muito” ao que vivem hoje na Embraer. “Estamos desenvolvendo procedimentos e todo mundo está aprendendo a fazer tudo. Com minha experiência, não tenho medo do que pode acontecer no dia-a-dia. Todo dia, há uma nova dificuldade, obstáculos, procedimentos que precisam ser adaptados”, afirmou, segundo quem a transição é “suave”.


“É muito parecido. A diferença é que a cada lançamento de nave espacial, se gasta US$ 500 milhões!”, ri Ryan. “Aqui, todo mundo trabalha muito bem junto no time, é um grupo menor. Uma das melhores partes do trabalho é o fato de poder ser multitarefas, usar muitos ‘chapéus’, enquanto na equipe espacial na Nasa são 10 mil pessoas e se tem um escopo muito limitado. Aqui é muito dinâmico e interessante de se trabalhar”, disse o engenheiro.

Os dois profissionais consideram que a cultura de “arraigada de segurança e qualidade” trazida da Nasa “se encaixa perfeitamente na cultura corporativa” da Embraer.

Ryan, que considerou “uma grande ideia” da Embraer usar a força de trabalho da Nasa, vê ainda semelhanças inimagináveis, para um leigo, entre os foguetes e os jatos executivos.

“O Phenom 100 voa a 41 mil pés, com pressão de 1 PSI absoluto (medida de pressão de libras por polegada quadrada), pressão igual à da órbita terrestre, à mesma velocidade, com o mesmo número de pessoas na aeronave e o mesmo material das naves espaciais. Estamos falando de situações muito parecidas. Não é como se tivéssemos vindo de fazer torradeiras, é praticamente a mesma coisa. Os procedimentos e certificados, é tudo muito parecido”, disse.

“Só que temos mais equipamentos de alta tecnologia hoje. Comparando, a tecnologia eletrônica a bordo do Phenom 100 é mais avançada do que a usada na maioria dos vôos espaciais da Nasa”, afirmou Ryan.

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