Jornalista luta para que acervo sobre o Galeão não se perca no tempo
 
Carlos Caroni - Jornal do Brasil

 
Se a proximidade de eventos de grande visibilidade, como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, faz com que o futuro do Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão), no Rio de Janeiro, seja cada vez mais debatido, o seu passado parece ter ficado em segundo plano. Documentos que relatam 30 anos de história estariam hoje no lixo, não fosse a paixão de um jornalista.

Gilson Campos, 80 anos, trabalhou como chefe da assessoria de comunicação do aeroporto entre 1973 e 2001. Nesse período, colecionou histórias e um grande acervo de fotos e documentos, que hoje está guardado, sob sua responsabilidade, em um apartamento alugado no bairro da Tijuca, (Zona Norte do Rio).

 
Com dificuldades para arcar com os custos de manutenção do imóvel, o jornalista se esforça para sensibilizar as autoridades. Segundo ele, porém, todas as tentativas foram em vão.

 
– Propus a construção do Centro de Memória Aeroportuária ainda na década de 70. Na época, houve algumas reuniões, mas o projeto não avançou. Decidi, então, fazer por conta própria um arquivo da história do Aeroporto Internacional e de outros complexos aeroportuários brasileiros. Guardei uniformes, documentos, recortes de jornais e fotos.

 
Gilson diz que entrou em contato com superintendentes de diferentes administrações da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero). As respostas, no entanto, foram evasivas.

 
– A rotina aeroportuária é imediatista, o que faz com que o trabalho de preservação da memória não seja prioritário. Mas, quanto maior a demora, mais o acervo se desgasta.

 
Perguntado se isso o deixa frustrado, Gilson é taxativo: – Já questionei muitas vezes o porquê de ter arquivado tantas coisas, mas não posso dizer que guardo mágoas da Infraero. Tudo o que consegui foi graças ao trabalho que realizei na empresa. Tenho ressentimento, sim, daqueles que não tiveram visão de futuro e competência para impedir o descrédito da Infraero – desabafa.

 
O lendário Concorde e a carta-bomba inofensiva
 

A expressão fechada que acompanha o discurso do jornalista Gilson Campos a respeito das tentativas fracassadas de salvar o seu acervo dá lugar a uma fisionomia alegre quando ele começa a contar histórias do tempo em que trabalhava no aeroporto.
 
Casos como o do primeiro voo comercial do avião supersônico Concorde, que, no dia 21 de janeiro de 1976, aterrissou no Rio de Janeiro vindo de Paris e atraiu centenas de curiosos.

 
– Precisamos nos encontrar com representantes da Air France, porque eles queriam chegar em um horário inconveniente. Conseguimos convencê- los e colocamos metade do terminal à disposição da empresa, que assim teve condições de oferecer aos seus passageiros uma recepção VIP – conta Gilson.
 

Ele prossegue:
 
– Mas foi uma loucura. Era tanta gente que o diretor do aeroporto na época mandou cobrar pela entrada no terraço para conseguirmos pagar o papel higiênico que estava sendo usado naquele dia. E, mesmo assim, ficou completamente lotado – lembra, bem humorado.

 
Conviver com roubos também fez parte da rotina de Gilson. Foram três no fim da década de 70. Contrariado, ele precisou dar explicações em rede nacional sobre o sumiço misterioso de um carregamento avaliado em US$ 8 milhões.

 
Orgulhoso, viu o sistema de vigilância por câmeras – até então uma novidade no país – esclarecer o furto da bolsa de um casal que viajaria para a Alemanha. O episódio mais curioso, porém, ocorreu quando uma suposta carta- bomba foi recebida.

 
– Era um pacote grosso, com um objeto desconhecido. Depois de algum tempo, o chefe da segurança decidiu que iria abrir e examinar o seu conteúdo. Para nosso alívio, nada explodiu. Era apenas uma válvula de um dos banheiros acompanhada da mensagem da mãe de um garoto: "Estou devolvendo isso porque não me conformo que o meu filho tenha roubado o aeroporto" – conta, aos risos.

 
Só lá no aeroporto, Sinatra não foi exclusivo
 

Percalços à parte, o jornalista Gilson Campos também teve a oportunidade de conhecer um de seus maiores ídolos: Frank Sinatra.
 
Em 1980, A voz, como era conhecido, apresentou-se para cerca de 170 mil pessoas, em um dos maiores shows da história do Maracanã. Antes, foi recepcionado pelo jornalista, que garante ter sido um dos responsáveis pelo êxito do trabalho da imprensa na chegada do cantor.

 
– Houve uma reunião com representantes de diversos órgãos (Polícia Federal, Receita, entre outros) para definir os detalhes da operação. O dono da empresa que organizou o evento, então, afirmou que havia assinado um contrato que garantia a uma emissora de TV a exclusividade da cobertura do desembarque. Levantei na hora e disse: "Não. Ou entra todo mundo ou não entra ninguém".

 
– A partir daquele momento, pensei como faria para que os jornalistas pudessem atuar com tranquilidade. Posicionei uma mesa de vidro na pista e pedi ao [jornalista]Oberon Bastos – que falava inglês fluentemente – para convidar Sinatra a assinar o livro de visitantes ilustres, que também estava no local. Ele parou e todos tiveram a oportunidade de fotografá-lo. Foi um de nossos melhores trabalhos – relembra.

 
Pouco caso
 

Para o historiador Vantuil Pereira, professor e coordenador de Extensão do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), falta uma política cultural que contemple a entrada de profissionais qualificados e que tenham visão sobre a importância de documentos históricos.
 
– Esse é apenas um dos casos. Outros arquivos e bibliotecas estão se desfazendo por conta da fragilidade das atuais políticas de manutenção e de ampliação do acervo – observa. – Ficamos sem concursos públicos para a área de cultura e da preservação da memória por mais de dez anos. Tinha-se a impressão que investir na guarda memorialista era coisa secundária.

 
Infraero diz que há um acervo oficial

 

Procurada pelo Jornal do Brasil, a Infraero informou que existe um acervo oficial do Galeão, que está todo guardado e catalogado. A empresa disse ainda que está aberta a sugestões, mas que, no momento, não possui proposta formal para a criação do Centro de Memória Aeroportuária com os documentos e objetos de Gilson Campos.
 
Também contatado, o Arquivo Nacional esclareceu que o jornalista pode enviar ao órgão um relatório descrevendo seu acervo. A equipe técnica verificará se há a necessidade de um exame do material e, posteriormente, avaliará a pertinência de o acervo ficar aos cuidados da instituição.

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