Com a falta de espaço nos terminais, empresas ficam impossibilitadas de criar novas rotas e Infraero deixa de ganhar R$ 16 milhões por ano em aluguéis
Juliana Rangel - Brasil Econômico
Enquanto discutem-se investimentos para aumentar a capacidade dos aeroportos, os principais terminais do Brasil estão ocupados com 58 aeronaves abandonadas — sucatas que foram deixadas por companhias que faliram ou que enfrentam processos judiciais. Segundo a Infraero, elas estão espalhadas por 18 aeroportos e pertencem a empresas como Vasp, Transbrasil, Varig (adquirida pela Gol), Fly, entre outras.
Como resultado, as empresas ativas do mercado deixam de criar novas alternativas de voo, já que um dos empecilhos é a falta de espaço para pouso, decolagem e pernoite nos aeroportos brasileiros. Tomando como base o valor do aluguel no pátio dos aeroportos, em R$ 33,14/hora para um avião de médio porte, calcula- se que a Infraero deixa de lucrar R$ 16,8 milhões ao ano. É o que ela ganharia se o espaço fosse cedido a outras empresas.
Entre os aeroportos entulhados, estão alguns dos mais disputados do país. É o caso de Guarulhos, onde o preço do metro quadrado em um hangar é de R$ 6,08. No Santos Dumont, também ocupado por aviões inativos, o custo é de R$ 5,43.
“São áreas que poderiam ser usadas comercialmente para que a Infraero tivesse receita e pudesse investir mais”, diz o presidente do Instituto Cepta, Respício Espírito Santo Júnior.
O diretor de relações institucionais da Gol, Alberto Sagerman, conta que no hangar da Gol no Santos Dumont só há espaço para o pernoite de uma aeronave. A companhia tem de pagar por fora para que mais três de seus aviões passem a noite no aeroporto. “São apenas 22 lugares fora do hangar. Quem chegar primeiro é que leva.”
“Muitas vezes, a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) não autoriza novas rotas de voos porque não tem lugar disponível no pátio”, afirma.
Todos os voos regulares solicitados pelas companhias são autorizados pela Anac após a consulta ao administrador do aeroporto, que vai informar sobre a capacidade do terminal e do pátio. A Aeronáutica também se manifesta quanto ao controle de tráfego aéreo e capacidade de pista. Apenas com um parecer favorável é que os voos podem ser autorizados.
Para o técnico em segurança de voo do Sindicato Nacional das Empresas Aéreas (Snea), Ronaldo Jenkis, a ocupação de áreas dos aeroportos influencia na capacidade dos terminais. Ele alerta ainda para a questão da segurança:
“Pode ser que determinada aeronave precise fazer um pouso em um determinado aeroporto e não consiga um lugar para ficar”.
Por meio da assessoria de imprensa, a Infraero alegou que “quando as aeronaves estão em posições necessárias para viabilizar as operações do aeroporto, elas são deslocadas para locais que não impactem a operacionalidade”. Mas funcionários de empresas contam que elas estão depredadas e que foram saqueadas: “Seria função da Infraero impedir que isso aconteça, já que elas estão nas instalações da empresa”, diz o advogado Carlos Duque Estrada, que representa funcionários em800 ações individuais da Vasp, 900 da Varig e 200 da Transbrasil, além de defender os interesses do Sindicato dos Aeroviários do Estado de São Paulo numa ação pública contra a Vasp. No aeroporto de Brasília, há cinco aeronaves abandonadas, sendo três da Transbrasil, desde 2001, e duas da Vasp, desde 2005.
As 23 sucatas da Vasp estão avaliadas em R$ 600 mil, mas não há interessados
Por trás do abandono das aeronaves, estão disputas judiciais que somam, no mínimo, R$ 25 bilhões nas contas do advogado Carlos Duque Estrada, que representa trabalhadores da Vasp, Varig e Transbrasil em ações contra as empresas. Os aviões são parte do patrimônio das companhias aéreas, têm seu valor disputado judicialmente entre operadoras e companhias de leasing, e não podem ser removidos de onde estão.
A Vasp, por exemplo, tem 23 aeronaves paradas em aeroportos brasileiros, totalmente depredadas. Seu valor estimado, só em aço que pode ser reaproveitado, é de R$ 600 mil. Mas o preço para desmonte e transporte inviabiliza o negócio. O administrador da massa falida da empresa, Alexandre Tajra, conta que já houve duas tentativas de leiloá-las e mais uma de vendê-las por propostas.
Todas falharam por falta de interessados. “Há toda uma logística complicada para transportar essas aeronaves. Vamos avaliar como vendê-las dentro do que é exigido pela Lei de Falências, que nos obriga a fazer leilão ou venda por propostas”, contou.
Quando faliu, a Vasp tinha em torno de 80 imóveis. Cerca de 20 deles já foram a leilão. Em 17 de março, haverá o leilão de mais dois imóveis da empresa. Estima-se que as dívidas da companhia cheguem a R$ 7 bilhões. Sem contar a massa falida, a Justiça determinou que o patrimônio do ex-dono da Vasp Wagner Canhedo seja vendido para pagar dívidas trabalhistas. Em dezembro, a fazenda Piratininga, então pertencente a ele, foi arrematada por R$ 310 milhões pelo grupo MCLG Participações, antigos donos da Neo Química. Outras duas fazendas, avaliadas em R$ 450 milhões, deverão ser vendidas até junho.
A Varig tem dívidas em torno de R$ 12 bilhões a R$ 15 bilhões (R$ 1,5 bilhão em pendências trabalhistas). A empresa estava em recuperação judicial, teve falência decretada, mas a Fundação Ruben Berta, ex-controladora da Varig, e outros credores recorreram, reivindicando créditos de recuperação tarifária, em função de perdas com o Plano Sarney. A companhia diz que tem a receber R$ 9 bilhões, mas o governo diz que são R$ 4 bilhões. A questão está no Supremo Tribunal Federal (STF).
Já a Transbrasil tem dívidas estimadas em R$ 3 bilhões (R$ 700 milhões trabalhistas). A falência foi decretada em 2001. Em 2009, o Superior Tribunal de Justiça confirmou a decisão da Justiça de São Paulo. O Sindicato Nacional dos Aeronautas e a Fundação Transbrasil pediam a anulação da sentença, alegando que havia sido dada com base em uma reclamação de inadimplência da GE, que alegava serviços não pagos. No entanto, a dívida já teria sido paga.