Presidente da empresa comemora o fato de, aos poucos, o brasileiro trocar as viagens de ônibus por aviões. Aérea inicia operação no DF com voos para Campinas a partir de agosto
Fernando Braga - Correio Braziliense
Arrumar um espaço na agenda de David Neeleman, fundador da companhia aérea Azul, não é fácil. Num mesmo dia, o empresário é capaz de tomar o café da manhã em São Paulo, acompanhar uma solenidade oficial em Brasília, ver como andam os negócios em Goiânia e seguir para um jantar com parceiros no Rio de Janeiro. O ritmo acelerado tem uma razão: a rápida expansão da empresa. Com a proposta de oferecer voos com tarifas acessíveis ligando cidades que dispunham de poucas rotas comerciais, a empresa, fundada há pouco menos de dois anos, já alcança o quarto lugar no mercado nacional, com 5,68% de participação — menos de um ponto percentual atrás da terceira colocada, a Webjet.
Com esse histórico, é natural ter sonhos de voar cada vez mais alto. Por isso Neeleman — brasileiro que se mudou aos cinco anos de idade para os Estados Unidos onde, posteriormente, criou a JetBlue, eleita a melhor companhia aérea em voos domésticos do país — corre para não perder o tempo e o bom momento vivido pela economia brasileira. De olho no crescimento do mercado doméstico de aviação, o executivo comemorou, em entrevista ao Correio, os bons números que a empresa vem conquistando. “Vamos fechar este mês com 400 mil passageiros transportados, um recorde”, apontou, vibrando com o crescimento da renda da classe C, um dos principais alvos da empresa.
Até o fim de 2010, a companhia espera ampliar a frota de 14 para 21 aeronaves e incorporar novos destinos à malha. A partir de 2 de agosto, a empresa começa a operar também em Brasília, ligando a capital a Campinas (SP), com três voos diários. Porém dois assuntos fazem a expressão sorridente de Neeleman ganhar ares de preocupação: a falta de investimento público nos aeroportos e a baixa competição no mercado. “Eu não conheço nenhum aeroporto que, com um pouco de criatividade, não possa oferecer muito mais do que oferece hoje”, afirmou, sem deixar de alfinetar a nova resolução da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) que amplia os direitos dos passageiros em caso de atrasos.
“A melhor maneira de aumentar a qualidade de um serviço é abrir o mercado para novos competidores.”
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.
AZUL COMEÇA A VOAR EM BRASÍLIA
Qual é a expectativa para o início das operações em Brasília?
Vamos iniciar com somente três voos por dia, mas em horários muito bem posicionados. Estamos animados, já que vamos começar no Terminal 2 do aeroporto. Com isso, saímos de toda a confusão do terminal principal, o que vai garantir um acesso muito mais tranquilo aos nossos passageiros. Acho que dá para fazer mais voos partindo de Brasília, indo não somente para Viracopos (Campinas), mas para outras cidades também.
A estratégia de crescimento da Azul passa necessariamente pelo investimento nas cidades médias?
Isso é algo importante. Quando temos um duopólio, o país sai prejudicado, pois sofre com tarifas altas, falta de bons serviços, de voos diretos para algumas cidades. Quando comecei a estudar o mercado do Brasil, fiquei assustado com isso. Há 10 anos, tínhamos serviços comerciais para duas vezes mais cidades do que temos hoje. Enquanto isso, duplicou o número de viajantes no Brasil. Há muitas cidades do país que têm renda, geram bons negócios, registram crescimento, mas não têm serviço aéreo. Também há outras cidades que contam com poucas opções de voos que, na maioria das vezes, são muito caros. Isso é algo que não colabora para o crescimento do mercado.
O mercado de hoje já é diferente daquele que o senhor encontrou quando lançou a Azul?
Acho que sim. Quando entramos, não havia muita diferença entre o preço das passagens mais caras e o das mais baratas. Existia uma falta de segmentação e as empresas trabalhavam com uma taxa de ocupação muito baixa. Então eu pensei: por que a gente não pode segmentar esses preços e dar ao povão uma tarifa de ônibus para poder voar de avião? A ideia era dar opções para os clientes escolherem. Se eles preferiam planejar as viagens com antecedência, poderiam pagar menos por isso. A maior razão do atual crescimento do mercado é que a diferença entre as tarifas mais caras e as mais baixas aumentou. E, hoje, as mais baratas são muito parecidas com as tarifas de ônibus.
Como o senhor avalia a infraestrutura para a aviação comercial no país?
Acredito que podemos utilizar melhor a infraestrutura que temos no momento, criando soluções temporárias para fazer uma ponte com as soluções que já são permanentes. Nos Estados Unidos, usamos muitos terminais temporários, que são construídos por fases, para não comprometer a expansão do setor. Há maneiras para se fazer isso aqui também. Eu não conheço nenhum aeroporto que, com um pouco de criatividade, não possa oferecer muito mais do que oferece hoje. O ideal seria abrir o capital e tratar a Infraero como a Petrobras. Isso traria mais agilidade ao sistema. Também temos que pensar em como a gente vai dar mais rapidez na questão de processos judiciais. Hoje, qualquer um pode entrar na Justiça e parar um projeto que é de interesse público.
Existe uma corrente que defende a privatização dos aeroportos para melhorar a qualidade no setor. O senhor concorda?
Acho que os aeroportos não devem ser privatizados. Nos Estados Unidos, não há nenhum aeroporto importante que seja privado. Geralmente, só existe um aeroporto por cidade e se houver um interesse comercial nesses lugares, algo que vise somente o lucro, isso pode afetar o público em geral. Os aeroportos devem focar o interesse do povo, do Estado, e não apenas de uma empresa.
As novas regras da Anac, em vigor há um mês, são um passo rumo à busca da qualidade do serviço prestado aos passageiros?
Acho que não. A melhor coisa que pode ser feita para ajudar o consumidor é estimular a competição. Uma vez que o cliente tem opções e é mal atendido, da próxima vez ele voa com o concorrente. No entanto, se ele tem poucas alternativas, não tem para onde correr. A melhor maneira de aumentar a qualidade de um serviço é abrir o mercado para novos competidores.
Como o senhor vê a economia brasileira neste momento, às vésperas das eleições? Há um risco de ruptura em 2011?
O cenário de hoje é totalmente diferente daquele de 2002, quando houve uma grande preocupação em torno do que seria do país com o novo presidente. Independentemente de quem ganhar, acho que o bom momento vai continuar. O mundo está olhando para o Brasil de um modo diferente de como olhavam no passado. Outros países sabem que o país tem um grande potencial.
A malha aérea do Brasil ainda carece de rotas comerciais?
Há possibilidade de se ter muito mais voos e frequências, além de chegar em cidades que ainda não contam com serviços aéreos. Os EUA, que têm uma população de 300 milhões de pessoas, transportam anualmente 700 milhões de passageiros. Aqui no Brasil nós somos quase 200 milhões e o mercado é de 56 milhões por ano.
As classes C e D são tidas como os públicos que podem alavancar as receitas para as empresas do setor? Como chegar até eles?
Hoje há muita gente que ainda anda de ônibus no Brasil. Mas entendemos que, se uma pessoa da classe C quiser viajar e puder comprar uma passagem de avião pelo mesmo preço da de ônibus, é claro que ela vai preferir ir voando. Por isso, no fim desse mês vamos lançar um programa que vai permitir que um cliente que não tem cartão de crédito, mas que possui uma conta no banco, financie a compra da passagem. Isso é uma vantagem, pois as classes C e D não encontram essas facilidades nas companhias de ônibus. Esperamos convencer essas pessoas de que já é possível voar de avião.
Qual é o perfil do cliente da Azul?
Tem de tudo, de empresários a empregados. Mas a maioria dessas pessoas só está naquele voo por causa da Azul, seja pelo preço, pela conveniência, pelo destino. Fizemos um produto voltado para atender o empresário e para quem quer apenas viajar. Neste mês, 400 mil pessoas vão voar com a Azul. É um recorde.
Quando comecei a estudar o mercado do Brasil, fiquei assustado com isso. Há 10 anos, tínhamos serviços comerciais para duas vezes mais cidades do que temos hoje. ”Enquanto isso, duplicou o número de viajantes no Brasil”