Um mês depois da abertura do Santos Dumont para voos regionais, o terminal já ganhou 95 operações, 30 delas transferidas do Galeão. O reflexo imediato para o consumidor é uma redução no valor das passagens para quem utiliza o Galeão - a variação de preços entre os dois aeroportos da cidade chega a 34%. A maior concorrência entre as companhias aéreas também provoca uma queda das tarifas, além da oferta de novas rotas. Já a crise global está obrigando as empresas a fazerem promoções.
Geralda Doca
A abertura do Santos Dumont a rotas de longa distância, uma maior concorrência e a crise global estão provocando uma verdadeira rearrumação na malha aérea, com expansão das opções de voos e queda nos preços. Desde sua ampliação, prestes a completar um mês (6 de maio), o terminal central carioca já ganhou 95 novas operações, 30 delas transferidas do Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão). O resultado imediato foi a redução das tarifas para quem viaja ao Rio e desembarca no Galeão - a variação de preços entre os dois aeroportos da cidade chega a 34%. Na véspera do feriado do Dia do Trabalho, por exemplo, era possível comprar uma passagem Brasília-Rio por R$141 para viajar dentro de 30 dias, numa promoção da Gol. Para o Santos Dumont, a tarifa era de R$189. Na TAM, na terceira faixa tarifária, o consumidor pagaria R$439,50 no Galeão, contra R$479,50 no Santos Dumont.
As grandes empresas também reduziram preços nas mesmas rotas operadas pela novata Azul. Segundo levantamento da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), estas reduções variam entre 30,7% - como no trecho Campinas-Porto Alegre-Campinas - e 49,4% - entre Curitiba e Porto Alegre. O órgão regulador, porém, não repassou os valores cobrados.
Outra vantagem destes tempos de concorrência maior é que as grandes empresas começaram a oferecer rotas que a Azul passou a operar. Caso da TAM, que iniciou o trecho Campinas-Porto Alegre-Salvador.
Os reflexos da migração de voos do Galeão para o Santos Dumont em abril serão fechados na próxima semana, mas o diretor de Operações da Infraero, João Márcio Jordão, garante que o impacto não foi tão significativo. Já em Campinas (Viracopos), base de operações da Azul, o movimento no aeroporto passou de 100 mil passageiros em março de 2008 para 199 mil no mesmo período deste ano.
A Azul abastece seus aviões a partir do Santos Dumont e oferece ônibus gratuitos para levar passageiros de São Paulo a Campinas. Só no feriado de 21 de abril, foram transportados 1.900 passageiros, segundo a empresa.
Oferta de assentos é maior que demanda
Segundo a Anac, houve redução das tarifas também nos trechos com densidade alta. Em abril de 2008, uma passagem ida e volta de Brasília a São Paulo (Congonhas) custava em média R$476,85. Na quinta-feira passada, era possível comprar o mesmo bilhete por R$369 na tarifa mais baixa da TAM, com antecedência de 30 dias.
- Percebemos um maior número de promoções este ano. A Azul entrou em operação, abriu mercados e forçou a reação da concorrência - afirmou o diretor da Anac, Marcelo Guaranys.
A movimentação do setor por causa da ampliação dos voos no Santos Dumont pode mudar os planos da Azul e ampliar a concorrência. Ligar Brasília ao aeroporto central do Rio não fazia parte do plano original da empresa antes de dois ou três anos de operação. Porém, executivos ligados à empresa confidenciam que a Azul já avalia a possibilidade de colocar a capital federal entre suas prioridades.
Antecipando-se, a Web Jet inaugurou semana passada a mesma rota, o que mostra que os aeroportos considerados hub (centro de distribuição de rotas) passam a despertar também a cobiça das pequenas. A Ocean Air anunciou semana passada cinco voos entre Santos Dumont e Guarulhos.
O crescimento desse segmento, segundo o consultor Paulo Sampaio, da Multiplan, é um dos fatores que estão provocando mudanças no mercado. Em março, Web Jet, Ocean Air, Azul e Trip ampliaram em 74,5% sua participação no mercado nacional, para 11,05% dos passageiros transportados, enquanto Gol e TAM registraram avanço tímido de 3,6% (70,77% dos viajantes). O mercado cresceu em média 4% no primeiro trimestre.
- É a consagração de um antigo lema, de que o consumidor não é bobo. Ele entra na internet e compra o bilhete de quem vende mais barato - diz Sampaio, citando que, além do preço, as companhias menores passaram a oferecer melhor serviço de bordo e espaço maior entre as poltronas.
Para o sócio da Bain & Company Andre Castelini, a crise financeira internacional também é fator de pressão por queda de preços.
- O desaquecimento e o impacto da crise na demanda são grandes problemas do setor. Todas as empresas, sobretudo as grandes, são obrigadas a aumentar descontos e promoções para vender assentos.
Segundo ele, as companhias se preparavam para atender um setor que crescia entre 10% e 12% ao ano, com uma expansão do PIB entre 3% e 4%. Isso não vai se confirmar em 2009, mas as empresas já se comprometeram em ampliar a oferta de assentos.
- Querendo ou não, as companhias não podem postergar o recebimento de novas aeronaves. Hoje, a oferta está maior que a demanda e isso obriga as companhias a reduzir as tarifas para ter uma ocupação melhor - diz Victor Mizuski, analista do Itaú/Unibanco.
O vice-presidente da TAM, Paulo Castello Branco, admitiu que a crise está levando ao corte de preços:
- Fazer promoções permite ampliar o aproveitamento da aeronave.
Para Renato Pascowitch, diretor de operações da Ocean Air, a baixa ocupação das grandes é um dos maiores motivos para promoções. Outro, disse, é a entrada da Azul, que tem política tarifária agressiva e novas rotas.
- O rebuliço que o mercado está vivendo hoje também foi sentido em 2001, quando a Gol entrou em operação - diz o professor do UFRJ e presidente do Instituto Cepta Respício do Espírito Santo.
Decisão polêmica
A liberação do aeroporto Santos Dumont para novos voos foi cercada por polêmica. Desde 2005, o terminal vinha operando apenas na ponte aérea Rio-São Paulo, mas neste ano a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) autorizou a retomada de trechos regionais. O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, reagiu à decisão e declarou guerra à Anac: ameaçou ir à Justiça e quadruplicar impostos para inviabilizar o aeroporto.
Segundo o governador, a abertura do Santos Dumont esvaziaria o Tom Jobim (Galeão) e atrapalharia seus planos de privatizálo. Cabral, que depois voltou atrás, chegou a entrar com uma liminar suspendendo a audiência pública da Anac para discutir o tema, em dezembro.
Dados da Anac mostram que o Galeão já perdeu 30 voos desde a abertura do Santos Dumont, um mês atrás.
Além da localização, na região central da cidade, o Santos Dumont tem a seu favor uma estrutura mais moderna.
Durante quatro anos, o aeroporto passou por um megaprojeto de reformas e ampliação.
Segundo relatório de um ministro do Tribunal de Contas da União, a Infraero gastou R$ 45,6 milhões a mais que o necessário no aeroporto — num total de R$ 334,6 milhões.