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Estudo propõe dividir e privatizar a Infraero

Encomendado pela Anac, trabalho sugere marco setorial

Cristiano Romero e Daniel Rittner, de Brasília - Valor

Estudo encomendado pela Agência Nacional da Aviação Civil (anac) propõe a cisão da Infraero em várias empresas, a abertura de capital das novas subsidiárias e, numa etapa seguinte, a privatização.

O modelo se inspira na venda do Sistema Telebrás, realizada em 1998. Os autores do estudo sugerem que, antes da privatização, o governo estabeleça um novo marco regulatório para o setor, autorize a construção de novos aeroportos e crie condições para que haja competição no setor. Além disso, propõem uma inovação: a realização de leilões de "slots" (as faixas de horários para pousos e decolagens de aviões) nos aeroportos congestionados, como Congonhas, destinando os recursos levantados com isso para expandir a capacidade aeroportuária.

Intitulado "Regulação e Concorrência no Setor de Aeroportos", o documento, antecipado ao Valor por um assessor graduado do governo, foi elaborado pelo professor Heleno Martins Pioner, da Escola de Pós-Graduação em Economia da FGV, e por Eduardo Fiúza, da diretoria de Estudos Sociais do IPEA.

Ele faz uma radiografia minuciosa do setor, analisa experiências internacionais de privatização nessa área e expõe ineficiências da Infraero, que registrou prejuízos em três dos últimos quatro anos.

Pioner e Fiúza propõem o que chamam de Plano A para a privatização e reforma regulatória dos serviços aeroportuários. Por esse plano, o governo deve consolidar a estrutura regulatória, que hoje envolve a anac, a Secretaria de Aviação Civil e o Departamento de Controle do Espaço Aéreo do Ministério da Defesa, e instituir um novo marco regulatório para o setor. Uma outra iniciativa seria autorizar a iniciativa privada a construir novos aeroportos e os governos locais (Estados e municípios) a fazerem o mesmo por meio de parcerias público-privadas (PPPs).

A ideia é permitir que as próprias empresas tomem a iniciativa de construir novas unidades, a exemplo do que ocorreu nas licitações das usinas do rio Madeira. Caberia à anac, no entanto, enquadrar os projetos no plano diretor nacional de aeroportos a ser criado e analisá-los tecnicamente. Uma das principais preocupações de Pioner e Fiúza é que, antes da privatização, sejam criadas as condições para que as empresas operem num mercado competitivo.

"Embora a teoria aponte a importância da privatização para o aumento da eficiência, argumentasse que a existência da concorrência no mercado onde a empresa privatizada atua é fundamental para dar-lhe os devidos incentivos à reorganização e ao aumento de eficiência", argumentaram os dois especialistas. Os dois pesquisadores criticaram a decisão do governo de privatizar (por meio de concessão) os aeroportos de Viracopos, em Campinas, e do Galeão, no Rio de Janeiro, antes de instituir um novo marco regulatório e de reestruturar o setor. Embora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha anunciado em setembro de 2008 a disposição de entregar ao setor privado aqueles aeroportos, a medida não se consumou.

"Não foram feitos ainda estudos sobre quais são os reais competidores desses aeroportos; e não se definiu como os demais aeroportos da Infraero sobreviverão sem os recursos transferidos por subsídios cruzados internos e vindos justamente de aeroportos superavitários como esses dois", ponderam os autores do estudo.

Eles apontam que, entre 2002 e 2007, Guarulhos e Viracopos foram os dois únicos, entre os 67 aeroportos administrados pela Infraero, que demonstraram ser superavitários e plenamente sustentáveis. Dependendo dos cálculos, também entram nessa lista os aeroportos de Congonhas, Manaus, Navegantes, Fortaleza e Ilhéus. Para os pesquisadores, foram feitas privatizações, nos anos 90, sem a prévia adoção de um marco regulatório. Isso criou problemas.

"A instituição de regras posteriormente à privatização esbarra em direitos adquiridos", observam Pioner e Fiúza. No setor ferroviário, por exemplo, o vácuo regulatório criou situações como a falta de acesso mútuo entre ferrovias privatizadas e a existência de ferrovias sem contrato de concessão (caso da Estrada de Ferro Vitória-Minas). No setor petrolífero, foram criadas dificuldades de acesso a gasodutos (caso BP-Petrobras).

O exemplo de privatização bem sucedida citado pelos autores do estudo da anac é o do Sistema Telebrás, que, ainda assim, dizem eles, "não foi suficiente para eliminar os monopólios locais". Apesar disso, aquele modelo tornou viável a entrada de novos participantes.

Outra ação proposta no Plano A é dividir a Infraero em blocos segundo uma nova estrutura de tarifas que reflita custos e demandas nos diversos aeroportos, e abrir o capital das novas empresas. O passo seguinte é transformar o atual sistema de subsídios cruzados internos à Infraero em um sistema de transferências entre os blocos por meio da criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional.

A próxima iniciativa seria a venda de até 49% do capital de cada bloco (empresa), com a oferta de um pedaço do capital a detentores de saldos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

Seria criada ainda uma golden share, uma ação de classe especial que daria ao governo poder de veto. Feito isso, o governo venderia, de forma separada, as empresas prestadoras de serviços (comissaria, limpeza, segurança etc.) em que a Infraero tenha participação.

O momento seguinte seria o da privatização propriamente dita das companhias criadas a partir da cisão da Infraero. Não se trata de uma medida que seria implementada imediatamente, uma vez que o governo, antes de vender as empresas, esperaria maturar os investimentos dos novos entrantes no setor. Antes, o governo faria uma revisão da estrutura tarifária e estabeleceria um plano para o aumento da produtividade num horizonte mínimo de cinco anos.

Pioner e Fiúza chegam a sugerir modelos de leilão - "ascendente eletrônico sem que os participantes se conheçam ou então um leilão combinatório de envelopes fechados ou um leilão angloholandês, que combina uma fase ascendente com envelopes fechados". Segundo os estudiosos, é falaciosa e ingênua a alegação de que a privatização da Infraero em pedaços inviabilizaria a concessão de aeroportos deficitários. "Uma privatização como tal permitiria a liberação de competição nas áreas mais atraentes, desde que os entrantes contribuíssem para o Fundo de Integração Regional", explicam.

Pesquisadores apontam lições, boas e ruins, nas experiências de outros países

A experiência argentina traz lições ao Brasil sobre os riscos de uma privatização "mal feita", avisam os pesquisadores Eduardo Fiuza e Heleno Martins Pioner, em estudo encomendado pela Agência Nacional de Aviação Civil (anac). Na onda de desestatizações comandada pelo governo do expresidente Carlos Menem, a Argentina licitou 33 aeroportos em 1998. A iniciativa privada administraria essas instalações por 30 anos, em contrato prorrogável por outros dez anos. Um grupo com investidores argentinos, italianos e americanos desembolsou US$ 118 milhões - ágio de 195% - e venceu a licitação.

Aeroportos menos rentáveis seriam mantidos por dois subsídios cruzados. O primeiro era o compromisso da concessionária de investir US$ 2,2 bilhões nos 33 aeroportos. O segundo era por meio dos royalties transferidos anualmente ao governo. Deu tudo errado. Com o colapso da economia argentina, em 2001, o movimento de passageiros caiu dramaticamente e a perda de receita levou a Aeropuertos de Argentina 2000 a entrar em crescente inadimplência com o governo.

Em uma "atribulada renegociação", segundo os pesquisadores, 50% dos royalties foram cancelados e o Congresso aprovou mudanças radicais no contrato de concessão. O pagamento de royalties converteu-se em repasse variável (de 15% das receitas aeronáuticas e não-aeronáuticas), revisão do cronograma de investimento e a conversão de US$ 250 milhões da dívida da empresa com o Estado em participação acionária de 20%.

Lições que ficam, ressalta o estudo: 1) o governo argentino aparentemente deu maior importância à arrecadação de receita que ao aumento da competição; 2) a empresa vencedora esperou, para renegociar o contrato, até um ponto muito custoso para o governo substituí-la por outra empresa; 3) diante da insolvência da concessionária, o governo não retomou a concessão, perdendo dinheiro e deixando de avaliar outras ofertas.

Dos países pesquisados, uma das experiências mais curiosas é a da Alemanha. Em 2001, o aeroporto de Frankfurt - o maior da Europa - abriu seu capital. A Fraport, firma que administra o aeroporto, tem 51% de suas ações nas mãos do Estado de Hesse e da prefeitura local. Os investidores privados detêm 49%. Na definição das tarifas aeroportuárias, a Fraport negocia diretamente com as companhias aéreas.

O governo faz recomendações, mas não exigências. Além de contratos de cinco anos de duração para fixar as tarifas com linhas aéreas, há uma divisão de riscos. As partes acertam uma determinada meta de receita anual, baseada na expectativa de aumento da demanda. Se a meta for ultrapassada, a Fraport entrega 33% do excedente às aéreas; se a meta não for alcançada, elas se responsabilizam por 33% do montante para equilibrar as contas do aeroporto de Frankfurt.

Outro caso que chama a atenção e serve de alerta à anac é o do Canadá. No fim da década de 80, diante dos seguidos déficits que o Tesouro precisava bancar, a administração dos aeroportos foi descentralizada. Autoridades locais optaram por contratos de aluguel das instalações. A Air Canada, maior companhia aérea do país, passou a dominar os "slots" (faixas de horário para pousos e decolagens) e principais terminais de passageiros, responsabilizando-se pelos investimentos em infraestrutura. Com isso, aumentou a barreira para a entrada de novas empresas aéreas nos aeroportos mais concorridos, o que teria aumentado consideravelmente o preços das passagens.

No Reino Unido, houve venda integral da BAA, que administra sete aeroportos - inclusive os londrinos Heathrow, Gatwick e Stansted -, em 1987. Hoje a BAA é controlada pela espanhola Ferrovial.

Com mais de 20 anos dessa experiência, verificou-se o seguinte : persiste o excesso de demanda em Londres, o que pode ser indício de sub investimento da BAA; o aeroporto de Manchester (administrado pela prefeitura local) apresenta excesso de capacidade; há problemas na distribuição de "slots" e na qualidade dos serviços que são prestados.

Trabalho recomenda leilão para slots

Mesmo sem precedentes nos Estados Unidos ou na Europa, o estudo apresentado à Agência Nacional de Aviação Civil (anac) sugere a realização de leilões de "slots", as faixas de horário para pousos e decolagens das aeronaves, nos aeroportos congestionados. Hoje, Congonhas é o único aeroporto do país nessa situação, mas Guarulhos e Brasília estão saturados nos horários de pico.

A falta de experiência internacional, reconhecem os pesquisadores Eduardo Fiúza e Heleno Martins Pioner, impede a avaliação precisa do modelo de leilões. Mas, pelo menos em teoria, eles apontam duas vantagens no mecanismo: a alocação mais eficiente dos espaços aeroportuários, na medida em que companhias aéreas com planos de crescer podem derrubar obstáculos à sua expansão mediante investimentos nos leilões, e o uso dos recursos arrecadados pelo poder concedente na ampliação da infraestrutura aeroportuária do país.

No ano passado, a anac divulgou novas regras para a distribuição de "slots" em aeroportos congestionados. Utilizando critérios de desempenho operacional e buscando aumentar o espaço às novas linhas aéreas, a agência reguladora propôs uma reavaliação periódica dos "slots", em uma espécie de rodízio. O mecanismo ainda não foi implantado.

Na União Europeia, a maioria dos aeroportos e autoridades aeronáuticas distribui as faixas de horário segundo critérios de antiguidade. Isso gera uma ineficiência: nem sempre a empresa que recebe o direito de  usar essas faixas é aquela que atribui maior valor econômico ao "slot". Para atenuar esse problema, muitos aeroportos na Europa permitem a troca e venda dos "slots"entre as próprias companhias aéreas, mediante a anuência do aeroporto.

Nos Estados Unidos, predomina o sistema de filas. Tem prioridade quem pedir antes a faixa de horário, mas vários critérios influenciam: voos internacionais têm preferência sobre voos domésticos, e voos com maior número de passageiros e maior porte das aeronaves também. O sistema potencializa congestionamentos nos aeroportos saturados, mas praticamente não há barreiras para as novas companhias. Basta atender esses critérios e jogar mais duro que o concorrente para obter o "slot".

No extinto Departamento de Aviação Civil (DAC), prevalecia a ordem de chegada do pedido, mas a análise era totalmente arbitrária. Isso levou ao predomínio da TAM no aeroporto de Congonhas e à entrada forte da Gol no aeroporto, logo no início de suas operações, o que dificilmente ocorreria na Europa com uma empresas de "baixo custo e baixa tarifa".

A primeira resolução da anac, ao ser criada em 2006, foi definir uma regra para a alocação das faixas de horário em aeroportos congestionados. Ela previa um sorteio que distribuiria 80% dos "slots" vagos ao longo do tempo para companhias que já atuam no aeroporto e 20% a "novas entrantes". É essa regra que agora está sendo substituída pela nova diretoria colegiada da agência.

O poder concedente nunca atribuiu valor aos "slots" no Brasil, mas o mercado se encarregou de fazer isso. Quando comprou a Nova Varig, em março de 2007, a Gol pagou US$ 320 milhões de olho principalmente nos voos internacionais da aérea (depois abandonados) e nos espaços que ela já detinha em Congonhas.

Os leilões pressupõem a precificação dos "slots", mas os pesquisadores recomendam, alternativamente, outra medida: uma taxa de congestionamento a ser cobrada das empresas aéreas. De certa forma, a anac introduziu isso em Congonhas: as tarifas de pouso e permanência sobem exponencialmente de valor quando as companhias atrasam seus voos e ficam mais tempo em solo do que o previsto.

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