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Voos cegos



Na região Norte do País, já se tornou corriqueira, sem que as autoridades se mostrem preocupadas, a ocorrência de constantes desastres com o afundamento de barcos que fazem precariamente o transporte de pessoas pelos rios ali abundantes. A fiscalização não melhorou e aguardam-se novos naufrágios anunciados. Agora, a atenção do País é despertada por um grave desastre aéreo, também ali, que matou 24 passageiros. Não bastariam os desastres fluviais? Teríamos que assistir também impassíveis a tragédias envolvendo aeronaves numa região tão vasta? É verdade que tragédias desse tipo ocorrem indiscriminadamente em qualquer país, qualquer região. Acontece que no Brasil, e sobretudo na Amazônia, a aplicação das leis e normas específicas para o setor de tráfego aéreo é particularmente deficiente.

Lembremos a grave crise gerada logo após o desastre em que um jatinho pilotado por aviadores americanos comprovadamente sem preparo derrubou um avião de carreira, também naquela região, matando todos os seus passageiros e tripulantes. Foi preciso uma tragédia desse porte para que a população tomasse conhecimento do perigo que corre quem viaja de avião no Brasil. Controladores de voo iniciaram então um movimento de esclarecimento à sociedade, com reivindicação de melhores salários e condições de trabalho, inclusive equipamentos mais atualizados.

O governo enfrentou a crise na habitual base de empurrar com a barriga, puniu controladores, e só, mudou o ministro da Defesa, que prometeu (o novo, Nelson Jobim) resolver tudo com presteza e não resolveu nada. O problema continua aí, quem sabe à espera de uma nova tragédia. Após aquela grande tragédia na Amazônia, houve ainda o megadesastre do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Um complicador é que o controle do tráfego aéreo no nosso país ainda é atribuição dos militares. E o ministro da Defesa não quer se indispor com eles, pois sabe que os líderes das Forças Armadas ainda não deglutiram a criação desse novo ministério, que englobou quatro pastas que eram ocupadas por chefes militares, na contramão da história e da modernidade: as do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, mais o Estado Maior das Forças Armadas.

Sabemos como no Brasil há leis que “pegam” e leis que não “pegam”, que a boa governança do País é substituída por um jogo mesquinho de baixa politicagem partidária e grupal, e que ninguém é responsabilizado e cobrado pelos buracos que vão ficando pelo meio do caminho. Nessa perversa perspectiva, um desastre a mais, um a menos não têm maior importância para quem deveria administrar o País. Particularmente numa imensa região como a Amazônia, mais pobre em recursos humanos e menos fiscalizada, os abusos se multiplicam. Não se passa uma semana sem que sejamos informados sobre embarcações fluviais que naufragam, por causas intrínsecas ou por excesso de passageiros e cargas embarcados. Não se tem notícia de punições para os responsáveis. O controle do tráfego aéreo ali também é mais precário. E a recente queda de um táxi aéreo no Rio Manacapuru, perto de Manaus, não é o primeiro desastre com esse tipo de transporte. Assinale-se que não é somente naquela região que empresas de táxi aéreo funcionam sem mínimas condições de operação, em verdadeiros voos cegos. São aviões antigos, sem boa manutenção, sem rigorosa inspeção.

No caso em questão, um avião com capacidade para transportar 20 pessoas carregava 28 e mais a carga, cujo montante de peso não estava anotado na papelada. Por sorte, ou, quem sabe, milagre, sobreviveram quatro pessoas. É evidente que algo precisa ser feito por quem está aí, eleito ou nomeado, para fazê-lo. Repetimos o que dissemos de início: o problema do controle e fiscalização do tráfego aéreo no Brasil, o drama dos controladores de vôo, a questão do overbooking, a inoperância da Anac, a incompetência e desídia de certas autoridades, tudo isso continua do mesmo tamanho de quando o ministro Nelson Jobim fez a vã promessa de resolver tudo. Cadê? Até quando teremos de viver de faz de conta neste país, que merece ser grande, não só em extensão territorial?

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