Dono da Azul promete passagens até 75% mais baratas e avisa: Rio vai perder R$1,4 bilhão por ano
Geralda Doca
SÃO PAULO. O empresário brasileiro radicado nos Estados Unidos David Neeleman despacha em Alphaville, São Paulo, numa sala com mesa, cadeira e telefone. Depois de almoçar com seus funcionários no refeitório, recebeu O GLOBO e prometeu, cheio de sotaque: a nova companhia aérea Azul vai ganhar os céus do Brasil em 15 de dezembro, com tarifas até 75% menores e "equivalentes às cobradas pelos ônibus". No lugar da barrinha de cereal, um self-service, e, por R$20, espaço extra para os altões. Neeleman não perde o bom humor nem ao lamentar o lobby do governador Sérgio Cabral pelo Galeão, que impediu a abertura do Santos Dumont. Ele diz que a ida da Azul para Campinas custará ao Estado do Rio R$1,4 bilhão por ano. O empresário diz que não quer brigar com Cabral. Mas alfineta:
"Tenho mais experiência em aviação que ele. Ter um aeroporto central como o Santos Dumont é uma grande bênção e ele não precisa ficar fechado porque isso atrapalha os passageiros que você pode ter na sua cidade".
Quando a Azul começará a voar?
DAVID NEELEMAN: Dia 15 de dezembro. Faremos Campinas-Salvador e Campinas-Curitiba. Em janeiro, entram mais duas rotas: Campinas-Vitória e Campinas-Porto Alegre. As pessoas também poderão voar de Porto Alegre para Salvador com uma pequena escala. Como serão muitas freqüências, teremos cinco aviões. Começaremos de uma base única e depois expandiremos para ligar algumas pontas. Eu queria que esses aviões saíssem do Santos Dumont...
A Azul conseguirá se manter como empresa de baixo custo? Como ficará o preço das passagens?
NEELEMAN: As tarifas aéreas aqui são muito parecidas com a maneira como os ônibus cobram - viajar hoje ou daqui a seis meses tem o mesmo preço. Acreditamos que, para crescer no mercado, é preciso fazer uma segmentação dos passageiros. Vamos ter tarifas de R$800? Claro, mas haverá também tarifas equivalentes às cobradas pelos ônibus, se a compra for planejada. Se você quer ir amanhã, não vai conseguir. Com antecedência, pode ser 25% do valor mais alto naquele trecho; se não planejar, poderá pagar até quatro vezes mais.
O mercado é dominado por duas empresas. Como ganhar espaço?
NEELEMAN: Não queremos roubar os clientes das outras. Temos de ter mais pessoas viajando e, para isso, temos de baixar preço, claro. Em algumas situações, o preço pode chegar a 35% do cobrado pela concorrência. Em outras, eles já têm tarifa baixa.
Apesar do discurso favorável, há quem diga no governo que não há espaço para três empresas no mercado. A Azul pode ser engolida?
NEELEMAN: Concordo que não precisamos de mais uma companhia no Brasil para ter uma malha igual à de Gol e TAM, que fazem quase os mesmos trechos. Podemos ser diferentes com os aviões da Embraer, porque os custos são menores. Para ir de Salvador a Manaus, hoje é preciso ir para Brasília ou São Paulo. Quando estivermos lá, será possível ir direto.
Vocês também vão servir barra de cereal?
NEELEMAN: Teremos uma cesta, com batata frita, doces, lanchinho, sanduíche, bolacha, e o passageiro poderá pegar o que quiser. O refrigerante vai ser de lata. A garrafa é mais barata, mas estamos negociando com Coca-Cola e Pepsi um preço melhor. Você mesmo se serve, não vai ter carrinho no corredor.
E programa de milhagens?
NEELEMAN: Vamos ter. E já no primeiro dia os passageiros poderão usar o check-in eletrônico.
Que outro diferencial a empresa vai oferecer?
NEELEMAN: Nos dois aviões (Embraer), 190 (de 106 lugares) e 195 (188 lugares), teremos 18 assentos com mais três polegadas (de espaço, para acomodar pessoas altas). Se pagar um pouco mais, vai ser bem barato, R$20, pode sentar lá. Estamos chamando isso de "classe JOBIM" (risos – referência ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, que tem mais de 1,90m e reclamou do aperto em aviões). Os outros assentos terão mais duas polegadas do que na Gol e TAM.
Houve um grande revés às vésperas da estréia: o Santos Dumont não foi aberto a novos vôos, como constava dos planos da Azul, a pedido do governador Sérgio Cabral. A base da companhia saiu do Rio e foi para Campinas. O que houve?
NEELEMAN: Estamos aqui porque o ministro JOBIM disse que precisávamos de uma terceira empresa de aviação no Brasil. Sabíamos que seríamos bem-vindos e que a entrada era necessária, pois os 92% que Gol e TAM têm (do mercado) não é algo bom para os viajantes, para o país, para cidades que não têm serviço. A primeira vez que falei com a doutora Solange (Vieira, presidente da Agência Nacional de Aviação Civil), ela disse: "Estamos abrindo os aeroportos (Santos Dumont e Pampulha) não por causa de vocês, mas porque tem uma lei. Vamos dar a autorização e você vai poder pedir os lugares como os outros". Então, voltamos para nossos investidores, pegamos mais dinheiro (até US$200 milhões), compramos mais aviões, porque acreditamos que há uma grande oportunidade aqui.
Por que o Santos Dumont é importante?
NEELEMAN: A oportunidade é única, e a abertura desse aeroporto vai ajudar o Rio. Se você mora em qualquer lugar do Brasil e quer fazer negócios no Rio, é bem difícil. Faltam muitas ligações diretas, praticamente só a ponte aérea, que é a quarta rota mais viajada do mundo porque tem serviço entre os dois aeroportos centrais (Congonhas e Santos Dumont). Se forçarmos os passageiros a irem para Galeão e Guarulhos, você acha que haveria seis mil pessoas viajando todos os dias? De jeito nenhum. O que estão fazendo é impedir o resto do Brasil de usar o Santos Dumont, mas deixando São Paulo usar seu aeroporto. Explicamos isso ao governador Sérgio Cabral.
E o que ele respondeu?
NEELEMAN: Que a abertura vai reduzir o valor do Galeão, que será privatizado. Mas esse dinheiro vai para a União, nada para o estado. Acho que alguém das outras empresas falou para ele que iriam esvaziar o aeroporto. Não é verdade. Mas se eu fosse eles, eu diria a mesma coisa, quem quer concorrência? Ninguém. Pampulha tem o mesmo problema do Santos Dumont, e o governador de Minas (Aécio Neves) também não quer. Hoje há 700 pessoas que voam todos os dias do Galeão para Confins. Acreditamos que se tivesse vôo entre Pampulha-Santos Dumont, seriam duas mil.
Quais são os planos da Azul para o Rio?
NEELEMAN: A partir do Santos Dumont, é voar sem escala para 22 cidades, como Navegantes, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Florianópolis, Uberlândia, Gramado, Salvador, Curitiba, Vitória, Porto Alegre, Natal. Acreditamos que podemos desenvolver mercado no Rio. Mas o governador só pensa em Copa do Mundo, Olimpíadas... Para ele é importante ter um aeroporto bonito, de primeira categoria. Mas isso vai levar tempo. Agora, ele tem o Santos Dumont, que tem muito espaço vazio.
O que o Rio perde com a ida da Azul para Campinas?
NEELEMAN: Perderá R$1,4 bilhão em benefícios econômicos que poderíamos gerar em um ano (com 90 vôos diários) e nove milhões de passageiros. Entram na conta gastos com hotéis, restaurantes, salários com novos empregos (R$100 milhões), ganhos com serviço de manutenção de aeronaves e R$15 milhões de impostos sobre combustíveis.
A volta da empresa ao Rio está descartada?
NEELEMAN: Não. Fomos para Campinas porque o aeroporto que queremos está fechado. No nosso modelo de negócios, com aviões menores, não somos competitivos no Galeão. Temos 900 empregados, temos aviões, temos tudo para começar a voar. Se o Santos Dumont abrir, teremos aviões lá.
A crise financeira pode afetar as operações da Azul?
NEELEMAN: O mercado brasileiro tem um nível de serviço muito baixo e deveria ter três vezes mais viajantes. Se esse mercado cresce 5%, 8% em vez de 15%, não importa, pois nossa proposta é desenvolver mercados. Claro que há o impacto da crise, principalmente no crédito, pois temos de financiar nossos aviões. Mas há tempo para isso. Estamos trabalhando com Embraer, BNDES e Banco do Brasil, e lá fora, para passar por esse tempo difícil.
Há dois anos, o país viveu um apagão aéreo sem precedentes. Teme nova crise?
NEELEMAN: A situação hoje é melhor. Acreditamos que a Aeronáutica está fazendo as coisas certas, treinando mais pessoas, visitando outros países para conhecer novas tecnologias. E não vamos voar para as áreas que têm mais problemas, como Guarulhos e Congonhas.