Ricardo Pagliari Levy
Recentemente, voltou-se a falar na possibilidade da concessão de aeroportos à iniciativa privada. O governo federal sinalizou a intenção de conceder, pelo menos, os aeroportos internacionais do Rio de Janeiro (Galeão) e de Campinas (Viracopos), bem como um novo aeroporto a ser eventualmente construído no Estado de São Paulo.
Além dos estudos de viabilidade técnica e econômico-financeira a serem feitos, será necessário definir o formato jurídico das concessões.
O artigo 36 do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) dispõe que os aeroportos serão construídos, mantidos e explorados: diretamente pela União; por empresas especializadas da administração federal indireta, vinculadas ao atual Ministério da Defesa; mediante convênio com os Estados ou Municípios; ou por concessão ou autorização.
Atualmente, a maior parte dos aeroportos brasileiros - 67 deles, incluindo Galeão e Viracopos – é explorada pela Infraero, uma empresa pública federal. Há, ainda, aeroportos explorados mediante convênios com Estados e municípios , como os 30 aeroportos sob a responsabilidade do Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (Daesp), uma autarquia estadual de São Paulo.
Eventual concessão de aeroportos à iniciativa privada será feita com base no inciso IV do artigo 36 do CBA (item "iv"). Ou seja, já há previsão legal suficiente para que isso seja feito, sem a necessidade da promulgação de uma nova lei. Bastará apenas a edição de normas infralegais pelos órgãos competentes, notadamente o Ministério da Defesa, o Comando da Aeronáutica e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
As mais importantes fontes de renda na exploração de aeroportos são as tarifas aeroportuárias referentes à movimentação de carga e ao transporte de passageiros, bem como as receitas acessórias, principalmente as decorrentes da locação de áreas para a instalação de lojas e serviços, estacionamento de automóveis, veiculação de anúncios publicitários etc.
Evidentemente, cada aeroporto tem o seu próprio perfil. Os aeroportos do Galeão e de Viracopos são ambos superavitários, este último sobretudo graças ao grande volume de carga transportada.
Nesses casos, é possível que o edital de licitação preveja o pagamento de um valor expressivo pelo concessionário à União Federal, em contrapartida à outorga da concessão.
Alternativamente, condicionado à liberalização do valor das taxas aeroportuárias pela Anac, o edital poderá dispor que a concessão será outorgada ao licitante que propuser as menores tarifas – de modo similar ao que foi feito na bem-sucedida concessão de sete trechos de rodovias federais, no ano passado.
No caso da concessão para construção e exploração de um novo aeroporto no Estado de São Paulo, os estudos de viabilidade poderão concluir que as taxas aeroportuárias e demais receitas terão sido suficientes, ao fim do contrato, para a remuneração integral da obra de construção e das despesas de operação e manutenção. Isso permitiria a outorga de uma concessão tida como "comum", regida pela Lei de Concessões. Já na hipótese de se concluir que a renda será insuficiente, será necessária uma parceria público-privada (PPP), conforme tratado a seguir.
A maioria dos aeroportos brasileiros é deficitária. Uma das formas para outorga da sua exploração à iniciativa privada é a concessão, a um mesmo licitante, de um ou mais aeroportos deficitários, juntamente com um ou mais aeroportos superavitários. Os lucros obtidos com estes compensariam os prejuízos sofridos com aqueles.
O ideal, porém, é que aeroportos deficitários tenham a sua exploração concedida por meio de concessões "patrocinadas". Trata-se de uma das duas modalidades de PPP.
Pela concessão patrocinada, o parceiro público (poder concedente) paga ao parceiro privado (concessionária) uma contraprestação pecuniária, em complemento à tarifa cobrada dos usuários dos serviços. É justamente o formato jurídico criado para as situações em que interessa ao poder público a outorga dos serviços, e eventuais obras, à iniciativa privada, mas que as tarifas e as eventuais receitas acessórias não serão suficientes para a viabilidade do contrato.
Em 2006, o governo federal chegou a submeter a consulta pública um edital de PPP de concessão patrocinada, que se destinava à exploração de trechos das rodovias BR 116 e BR 324. Porém, o processo foi cancelado, no momento em que se concluiu que os projetos seriam superavitários - ou seja, não se poderia mais cogitar uma concessão patrocinada, mas sim uma concessão comum.
No caso dos aeroportos, é teoricamente possível que estudos concluam que alguns dos aeroportos atualmente deficitários sob administração estatal tornar-se-ão superavitários sob eventual administração privada. Nessas hipóteses, evidentemente, será adequada a concessão comum.
Não há nenhuma restrição legal à construção e/ou exploração de aeroportos em território brasileiro por empresas estrangeiras ou por empresas brasileiras controladas por estrangeiros.
Será desejável que os editais de licitação para a concessão de aeroportos permitam a participação de empresas estrangeiras, isoladamente ou em consórcio com outras empresas, constituídas ou não no Brasil. Isso propiciará maior competitividade no processo, aumentando-se a possibilidade de condições mais vantajosas ao poder público e aos usuários dos aeroportos.
Entretanto, mesmo que, por razão relevante, vede-se a participação de empresas estrangeiras, não poderá haver restrições à participação de empresas constituídas no Brasil, controladas por estrangeiros. Sob o ponto de vista jurídico, a concessão da exploração de aeroportos à iniciativa privada é perfeitamente factível. O estabelecimento de regras detalhadas e claras dará o conforto legal necessário à ampla participação de operadores e investidores, nacionais e estrangeiros, nas licitações a serem lançadas.