FERNANDO RODRIGUES
da Folha de S.Paulo, em Brasília

Hoje o governo reclama da qualidade dos diretores da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). A oposição fala a mesma língua. Senadores, deputados e ministros criticam a baixa qualidade dos integrantes da autarquia. Mas o cenário foi bem diferente em 15 de novembro de 2005, quando os integrantes desse poderoso organismo foram aprovados.

Realizou-se nessa data a sessão na Comissão de Infra-Estrutura do Senado para sabatinar quatro dos cinco diretores da Anac. Deveriam ser fortemente inquiridos, mas não o foram. A sessão, de 2 horas e 19 minutos, resultou em uma ação entre amigos, com troca de elogios, conversas amenas, piadas e votos de feliz ano novo.

A transcrição da sessão revela com crueza a incapacidade do Senado para cumprir uma de suas missões: investigar verdadeiramente se os indicados pelo Planalto estão à altura do desafio de regular um determinado setor da economia.

Delcídio Amaral (PT-MS) foi o relator da indicação da diretora Denise Abreu. Teve cinco minutos de prazo para preparar seu voto. Pronunciou 479 palavras, basicamente lendo o currículo da indicada. Apesar de cair de pára-quedas no processo, sua conclusão a jato foi peremptória: "As características e a importância dos cargos exercidos pela sra. Denise Maria Ayres Abreu demonstram sobejamente a pertinência de suas atividades profissionais com as atribuições de diretora da Anac (...) É esse meu voto favorável à indicação da sra. Denise Maria Ayres de Abreu".

Denise é advogada. Entre outros lugares, trabalhou na Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, na Junta Comercial paulista e na Febem. Seu cargo mais vistoso foi o de assessora e subchefe-adjunta da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência, de 2003 e 2005, sob o comando do então ministro José Dirceu - cujos direitos eleitorais foram suspensos por oito anos pelo Congresso em 2005 sob acusação de envolvimento com o mensalão.

Paradoxalmente, apesar de ter considerado Denise Abreu apta para a função, Delcídio foi o mais aplicado dos senadores presentes no que diz respeito à extensão de seu relatório.

Gerson Camata (PMDB-ES), relator da indicação de Leur Lomanto, precisou de apenas 309 palavras para elogiar e defender o futuro diretor da Anac. Lomanto é um político baiano derrotado em 2002, após ter sido deputado federal por sete mandatos consecutivos.

Camata recomendou sua aprovação, não se conteve e pediu a aprovação de todos os indicados: "Com esse curriculum vitae, [Lomanto] é exatamente o nome que o Senado endossa, com muita alegria e muita satisfação, como os dos demais, apesar de eu não ser relator, pois é um quadro altamente técnico, que ilustra muito o governo, pelas escolhas que fez".

Leonel Pavan (PSDB-SC), supostamente de oposição, relatou a indicação do atual diretor-presidente da Anac, Milton Zuanazzi. O tucano foi o mais conciso: precisou de 265 palavras para recomendar a aprovação do hoje criticado comandante do setor aéreo nacional. Usou um inusitado argumento de conotação geográfica: "O professor Milton é um dos grandes responsáveis pela evolução do turismo no Brasil. Por isso, peço aos companheiros a aprovação da indicação do sr. Milton Sérgio Silveira Zuanazzi, também gaúcho, como eu".

A lei 11.182, que criou a Anac em 2005, não faz referências à origem geográfica do diretor nem sobre experiência em turismo. O artigo 12 da lei diz apenas o seguinte: "Os diretores serão brasileiros, de reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de especialidade dos cargos para os quais serão nomeados pelo presidente da República, após serem aprovados pelo Senado".

Zuanazzi nasceu em Bom Jesus (RS), é engenheiro mecânico com pós-graduação em sociologia. Foi secretário de Turismo, Esporte e Lazer em seu Estado e secretário-executivo do Ministério de Turismo. Não consta do seu currículo o "elevado conceito no campo de especialidade" requerido pela lei. O Senado não entendeu assim.

O último diretor aprovado naquele 15 de novembro foi Jorge Velozo, o único dos integrantes da Anac com origem no setor aéreo: ele é oficial aviador formado pela Academia da FAB, especialista em segurança de vôo e foi do antigo DAC (Departamento de Aviação Civil).

O relator da indicação foi o senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS). Gastou 282 palavras para ler o currículo de Velozo e concluir: "Considerando o indicado amplamente credenciado para o exercício do cargo para o qual foi indicado, estamos solicitando o apoio de todos para a aprovação do seu nome".

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