Tereza Cruvinel

Com as primeiras informações que estariam vindo da caixa-preta do Airbus da TAM, ressurge um dos aspectos mais lamentáveis da tragédia: a existência de uma torcida para que toda a culpa seja da pista de Congonhas (logo, da Infraero, e logo, do governo), contra uma outra que tenta reduzir essa contribuição, nesta altura inegável, valorizando os problemas da aeronave ou uma fracassada arremetida do piloto. Essa busca do ganho político desserve à busca da verdade, que pode punir, prevenir e contribuir para a superação da crise aérea.

Assim como para outros acidentes do gênero, para esse também podem ser apontadas causas múltiplas, e todas elas, inclusive o desmando das empresas, têm relação com a crise do setor. Um pouco de história faz bem à compreensão dessa crise, que não começou no atual governo, mas foi nele que chegou a seu ponto extremo. Nele, a Anac abdicou inteiramente da obrigação que agora ensaia cumprir: fiscalizar as empresas, enquadrá-las, puni-las e até mesmo intervir na organização dos vôos, quando isso for do interesse público. Para desafogar Congonhas, uma das medidas anunciadas na sexta-feira passada, a Anac ontem proibiu a venda de bilhetes que tenham passagem pelo aeroporto.

Presidente da veterana Associação dos Pilotos da Varig, o comandante Elnio Borges Malheiros diz que, tendo o Estado se afastado por tanto tempo de uma postura reguladora, de fiscalizar a atuação das empresas, isso agora será mais traumático, embora necessário. O Estado, para ele, tem ignorado, nas últimas décadas, o artigo 188 do Código Brasileiro de Aeronáutica, que diz: "O Poder Executivo poderá intervir nas empresas concessionárias ou autorizadas, cuja situação operacional, financeira ou econômica ameace a continuidade dos serviços, a eficiência ou a segurança do transporte aéreo". É dele a memória que visita fatos e erros que ajudaram a fazer a crise.

Para o comandante Elnio, tudo começou no governo Collor, que, em sua onda liberalizante, rompeu com o compromisso da bilateralidade entre países para os vôos internacionais. Entenda-se por isso um acordo pelo qual só uma empresa brasileira voava para o Canadá, por exemplo, e uma canadense para o Brasil. Quando empresas como a Transbrasil e a Vasp puderam voar para um país já servido pela Varig, esse país também pôde colocar mais de uma voando para cá. Elas pescaram em nosso mercado, contribuindo para a descapitalização das brasileiras.

- Nesse mercado, perde-se numa ponta para ganhar na outra. Foi um baque significativo - diz Elnio.

Sob Collor, houve ainda a decisão da 5ª Conac (Conferência Nacional de Aviação Civil), acabando com o sistema de vôos regionais (Sitar) operado por companhias menores, que não podiam explorar grandes rotas nacionais nem usar os aeroportos centrais. Havia gerado a Nordeste, a Rio-Sul, a TAM e a Brasil Central. Isso descentralizava o sistema e o tráfego, mas as restrições foram suprimidas, todas passaram a voar para todo lado e não se sustentaram, exceto a TAM.

Com o Plano Real e a estabilidade, a demanda começou a aumentar, e os problemas de gestão da Vasp levaram à sua privatização. Já começava a crise da Varig. A TAM se firmou e veio depois a Gol, com seus custos baixos, serviço de bordo quase zero e tarifas atraentes. Para o comandante Elnio, o primeiro grande erro do Estado, que estaria na raiz da crise, foi não ter feito uma intervenção na Varig, "afastando sua gestão ruinosa e preservando a experiência e o patrimônio técnico/empresarial que garantia a eficiência e a segurança do transporte aéreo". Tanto na crise que houve no governo passado como na crise final, já no governo Lula, aponta ele, houve certa torcida contra a Varig, "que não saberia competir dentro da lógica empresarial moderna", na crença (ou no interesse) de que as outras supririam a lacuna.

A Varig, lembra ele, já supria a omissão das autoridades em relação à pista escorregadia de Congonhas, adotando restrições voluntárias para o pouso sob chuva. As sucessoras, pelo visto, aproveitaram-se da omissão das autoridades para usar ainda mais intensamente Congonhas, elevando o faturamento com suas lotações aéreas, favorecidas pela localização central do aeroporto.

No governo passado, o DAC foi substituído pela Anac, na esteira de agências criadas para serviços privatizados. Acusava-se o DAC de ser nicho de poder dos militares, mas ele funcionava. No governo Lula, os diretores indicados por critérios políticos, estranhos ao setor, fizeram o resto, diz o comandante. Ao laissez-faire para as empresas corresponde o aumento da demanda, o estouro da infraestrutura e os problemas com os controladores de vôo. Seguiram-se dez meses sem que o atual governo adotasse medidas fortes contra uma crise que se aprofundara, com a urgência exigida. Por isso, diz Elnio, "quaisquer que sejam as causas, não há como livrar o governo do apedrejamento".

AGORA as empresas aéreas estão apresentando um problema novo: a falta de tripulação, mesmo quando há aeronave disponível. Com os problemas recentes, as horas de trabalho das equipes foram estouradas, prejudicando vôos programados.

AS FLORES do recesso trarão muitos deputados hoje a Brasília, para o depoimento do presidente da Anac, Milton Zuanazzi, na CPI do Apagão Aéreo. É sempre uma chance de aparecer, falando do assunto do momento.

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