Valor Online

Insatisfações trabalhistas, defasagens tecnológicas, demanda em ascensão vertiginosa, infraestrutura precária e desarticulação institucional tornaram um inferno as viagens de avião. O diagnóstico e as sugestões do relatório parcial da CPI do Apagão Aéreo para pôr fim a esta situação são sensatas e não reivindicam originalidade - o Conselho Nacional da Aviação Civil (Conac) havia sugerido boa parte delas, em 2003, sem que nada fosse feito. Elas revelaram um quadro sombrio de desorganização no ar.

O relatório desmistifica a aura de segurança que reinava no país até a queda do avião da Gol em setembro de 2006. O caos que se seguiu perdura até hoje. As causas foram múltiplas, convergindo para produzir o apagão, após o maior desastre aéreo da história nacional.

Pelo que se interpreta do trabalho da CPI, os controladores de vôo estão no centro do palco, mas não escreveram o script da tragédia de erros que ainda não terminou. A CPI aponta que há déficit de 600 profissionais, para um total de 2.904 em ação (647 civis). A redução do excessivo número de aeronaves sob vigilância individual, provocada pelo acidente com o avião da Gol, teve o efeito de uma bomba em uma infra-estrutura aeroportuária saturada. Para que os atrasos se transformassem na atual balbúrdia, eram necessários outros fatores.

Um deles foi que dois dos maiores aeroportos do país, onde há o maior número de conexões - Congonhas e Brasília - já estavam sem condições de atender os requisitos satisfatórios de vôo, para passageiros e empresas. Não há espaço nos horários de pico para todos os vôos programados. Uma das causas para que esses aeroportos chegassem a este estado, segundo a CPI, foi a “autorização de linhas aéreas em quantidade superior à capacidade de infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária". O excesso de rotas minou, como é óbvio, a capacidade do controle de tráfego.

A incompetência de planejamento não operou no vácuo. Ela acomodou, com o "jeitinho" brasileiro, uma demanda que cresceu a ritmo chinês e o interesse das empresas em atendê-la seja como for. A previsão oficial era de crescimento de 8% ao ano na demanda por transporte e ela foi para o espaço há bom tempo. Em 2004, a demanda cresceu 12,2%, no ano seguinte, 26,8%, em 2006, 12,1% e para 2007 se prevê 17,4%. É inacreditável que após nove meses de desordem ainda se procure manter todas as linhas existentes, nos mesmos aeroportos congestionados e deficientes, como se nada tivesse ocorrido. Como não há milagres, o número de vôos cancelados diariamente, em quantidade muito acima do normal, representa o excesso de demanda que já não pode ser atendido.

Governo e empresas sabem disso, embora dêem a impressão de surpresa.

A qualidade dos serviços, tanto privados quanto públicos, desceu a níveis inimagináveis. O despreparo das companhias aéreas para lidar com situações de crise se tornou irritantemente clara. A inaptidão do governo, responsável em última instância pelo caos, raras vezes foi tão longa e ridiculamente exposta como agora.

A CPI toca em um ponto central. "De todos os setores da infra-estrutura, o aeroportuário é o que permanece mais estatizado", aponta. Houve um acúmulo de erros graves do governo, que envolvem politicagem e desleixo. A lista é longa e começa pela torre de Babel em que se tornou o comando do tráfego aéreo no país. A Aeronáutica não conversa com o ministro da Defesa, ao qual está subordinada, e que exerce um papel figurativo. Tampouco se entende com o órgão regulador, a Agência Nacional da Aviação Civil - uma vítima do aparelhamento político do Estado por PT e aliados. O Conac, órgão de formulação de políticas, ficou três anos sem se reunir. E a militarização do sistema aéreo tornou-se um anacronismo de alto custo.

É preciso, como sugere a CPI, redirecionar linhas para longe dos aeroportos saturados, para adequar a oferta à demanda de serviços. Uma das formas de se fazer isso é a diferenciação das tarifas aeroportuárias. Via preço, se desconcentraria os horários de pico. O aumento do efetivo dos controladores e a desmilitarização tornaram-se tarefas urgentes. A meta mais importante, porém, é criar as condições para se privatizar o sistema, ampliar as concessões dos serviços para a iniciativa privada e permitir que ela possa construir e operar os aeroportos.

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