ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA DE SÃO PAULO
COLUNISTA DA FOLHA DE SÃO PAULO
O comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, paulista de Pompéia, deixa bem claro que o debate sobre a desmilitarização do controle de tráfego aéreo saiu da pauta do governo: "O momento não é oportuno para tratar desse assunto", disse ele à Folha.
A entrevista foi em Guaratinguetá (SP), depois da formatura de novos sargentos, incluindo 67 controladores, e ele descartou aumentos e gratificações separadas para a categoria: "Se tiver aumento, tem de ser para todos [os militares]".
Saito, 65, conclamou a população a "viajar tranqüilamente nas férias, sem susto". Disse também que os aeroportos de Guarulhos, Galeão, Porto Alegre e Curitiba não vão mais fechar por causa de nevoeiros a partir do ano que vem.
Por fim, admitiu a preocupação dos militares brasileiros com a corrida armamentista da Venezuela.
FOLHA - Os apagões vão voltar com a concentração de vôos por causa das férias de julho?
JUNITI SAITO - Tenho convicção de que não haverá apagão nas férias, porque estamos com todos os nossos controladores de vôo trabalhando com dedicação e com profissionalismo.Além disso, providenciamos reforços, até para aliviar a carga deles, e tomamos medidas em termos de tráfego aéreo que estão dando bons resultados. O povo brasileiro pode tirar suas férias e viajar de avião tranqüilamente, sem susto. A situação é de absoluta normalidade.
FOLHA - Quase cem controladores participaram da manifestação em Brasília, na terça, apesar das punições. Isso não indica que eles mantêm o movimento e podem parar os aeroportos no Pan, por exemplo?
SAITO - Não acredito, porque, antes de serem controladores, são militares. Têm compromisso com a instituição. Aliás, não só com a Aeronáutica, mas com todas as Forças Armadas. Eles não vão se mobilizar para uma paralisação, porque isso terá uma conseqüência muito grave para eles. Espero que tenham a cabeça no lugar e não façam nenhum movimento que possa prejudicá-los, porque, depois, eu não posso fazer mais nada. Aí, entra a Justiça Militar.
FOLHA - Quantos estão fora de operação, contando os que se solidarizaram com os punidos em Brasília e em Manaus?
SAITO - Hoje, nós temos exatamente 14 fora de operação. Até onde eu sei, não teve nenhum tipo de manifestação em Manaus, como se disse. O que ocorreu é que alguém divulgou que 22 deles estavam sendo indiciados, e então houve um estresse nesse momento, que logo passou. Tem alguém divulgando essas notícias para inquietá-los. É um tipo de terrorismo contra eles.
FOLHA - E como estão os IPMs?
SAITO - Manaus já terminou, Curitiba e Rio também. Os resultados foram encaminhados para a Justiça Militar. Mas nós não indiciamos. Nós fazemos a investigação e o procurador é que vai indiciá-los, ou não.
FOLHA - Quantos são os líderes?
SAITO - Poucos. Aqueles que estão comandando, creio que não chegam a 20. É esse pessoal da associação, com ramificações em alguns Estados. Do ponto de vista militar, não tem problema nenhum haver essas associações, mas a atuação desses membros está completamente fora do estatuto militar.Nós, militares, não podemos ter associação, ação e muito menos sindicato com caráter reivindicatório. Nem se fala em sindicalismo, em ação sindical.
FOLHA - E o IPM do Cindacta-1, de Brasília?
SAITO - Ele terminou, eu li e achei que faltavam algumas investigações complementares e dei mais um prazo para o encarregado, até a segunda-feira [amanhã]. Faltava investigar algumas pessoas que a gente sabe com segurança que tiveram participação ativa.
FOLHA - Na operação de emergência, o treinamento dos controladores da Defesa para atuarem em tráfego civil caiu de 90 para 45 horas. Não é arriscado?
SAITO - Isso é intriga da oposição [risos]. Há várias gradações. Um sargento novinho cumpre uma determinada carga horária, mas esses que estão sendo deslocados são todos sargentos antigões, com 20 anos de prática. Então, o departamento responsável chegou à conclusão de que não havia necessidade daquela carga horária toda. Os controladores já são muito experientes.
FOLHA - Os controladores do tráfego civil dizem que os colegas da Defesa são preparados para aproximar pequenos jatos, não para separar Boeings com 300 pessoas a bordo.
SAITO - Você não acha muito mais difícil esse tipo de manobra, de aproximar aviões tão velozes sem bater? Nós nunca tivemos acidentes em operações de interceptação. É muito mais difícil trazer um avião para bem perto do outro do que manter a separação entre aeronaves comerciais que voam entre dois pontos certos.
FOLHA - Houve presença de controladores da Defesa na manifestação de Brasília? É possível uma "contaminação" de alguns deles pelo movimento?
SAITO - Simpatizantes? Acho que não. Eles são muito militarizados, enquanto o pessoal do ACC quer justamente o contrário, quer desmilitarizar. Então, há até uma certa animosidade às vezes.
FOLHA - Isso não dá uma idéia do clima psicológico tenso?
SAITO - Eles têm tido acompanhamento psicológico 24 horas por dia, "full time". Nós temos um instituto de psicologia de aeronáutica no Rio, e eles foram deslocados para Brasília. E estamos pensando, também, em contratar mais gente exclusivamente para o Cindacta-1.
FOLHA - O sindicato dos aeronautas reclamou da implantação dos "tubulões", considerando que não houve aviso e preparação prévia.
SAITO - Nós até atrasamos a implantação em 48 horas, para dar tempo de distribuir as Notam [Notificação para Aeronavegantes], que todo piloto, antes de ir para o vôo, tem que saber. Ali tem tudo o que há de novidades tanto na rota quanto no destino. Assim, nós informamos o que estávamos fazendo, quais as mudanças, quais os procedimentos necessários.Exemplo: num trecho curto [São Paulo-Belo Horizonte], foi proibido o vôo acima do nível 260 [26 mil pés], para que o "tubulão" passasse sem nenhuma interferência, nem cruzamento. É uma emergência, acho que as pessoas entenderam.
FOLHA - Algum incidente?
SAITO - Houve um estressezinho no início, porque os planos de vôo repetitivos [de vôos de carreira diários] não haviam sido modificados, mas isso não comprometeu em absoluto a malha. Um ou outro avião ficou retido no Rio por uma hora, uma hora e meia. Agora, esse pessoal do sindicato foi precipitado, porque tenho recebido telefonemas de cumprimentos de comandantes de companhias aéreas. O "tubulão" é acima do nível 300 [30 mil pés], com mão única, sem cruzamento. Muito seguro.
FOLHA - Pode ficar assim?
SAITO - Essa é uma boa pergunta. Podemos pensar até em manter para todos os vôos para o Nordeste no futuro.
FOLHA - Outra coisa que ajudou a tumultuar os aeroportos foi a meteorologia. O que fazer?
SAITO - Sim. Já no próximo ano, vamos ter as três categorias do sistema ILS [Instrument Landing System, em inglês, ou sistema de pouso por instrumento, em português], que facilita o pouso sob nevoeiro. A número 2, que será em Brasília, permite descer até 60 metros da pista. A número 3, mais sofisticada ainda, permite completar o pouso e será no Galeão, em Guarulhos, Curitiba e Porto Alegre, que são mais fechados por nevoeiro. Nós vamos colocar. As companhias vão ter de investir, adequando suas aeronaves e treinando seus pilotos.
FOLHA - O Decea confirmou em documento parte das críticas dos controladores sobre a precariedade do sistema.
SAITO - Olha, aquele documento, que é sigiloso, não é um relatório de alerta nem de falha, é um plano de desenvolvimento do espaço aéreo brasileiro. Lamento muito que tenha sido divulgado, porque constam ali questões de segurança nacional na área defesa, mostrando algumas fragilidades, como detecção a baixa altura. Nós temos que conviver, porque é impossível ter uma defesa integral num país com as dimensões continentais do Brasil. Não há dinheiro que chegue.
FOLHA - Mas o relatório também se refere a tráfego civil.
SAITO - É, porque aquilo é um plano estratégico para 15, 20 anos. É um prognóstico para basear o planejamento futuro e mostra que a Aeronáutica tem planejamento de médio e longo alcance. Num trecho, diz que o sistema está atingindo a saturação, que precisa se atualizar, como tudo, porém que isso não influencia a segurança da operação aérea. Só quem quer atrapalhar e difamar o sistema vê de forma diferente.
FOLHA - A desmilitarização continua em pauta?
SAITO - O que o presidente Lula me disse é que ele não quer tocar na desmilitarização neste momento, e eu estou de pleno acordo. Nós temos de resolver o problema dos controladores, da falta de controladores, e essa crise que se instalou após a queda do Gol 1907. Se, mais tarde, o governo quiser, a gente conversa. A gente não tem nenhum ponto de vista de que tem de ser militarizado. Isso depende do governo, dos parlamentares e principalmente da mudança da Constituição. Não adianta os controladores dizerem que tem de desmilitarizar e pronto. Não é assim que funciona. O sistema é complexo, com mais de 13 mil pessoas, e é integrado. Os radares têm de ficar com a Aeronáutica. O momento não é oportuno para tratar disso.
FOLHA - A sociedade brasileira não ficou assustada ao saber que os controladores, que têm tanta responsabilidade, ganham tão pouco?
SAITO - A sociedade brasileira ficou, sim, indignada com um punhado de controladores capaz de criar esse tumulto todo que criou. Há uma grande maioria do bem, mas uma remuneração justa tem de ser para todos os militares, não posso favorecer uma categoria porque ela se acha privilegiada. Não existe isso nas Forças Armadas. Não é por aí. Se tiver aumento, tem de ser para todos.
FOLHA - E o inquérito da queda do Gol 1904, vai ter surpresa?
SAITO - Deve sair até setembro e acho que não vai ter muita surpresa. Muita coisa já vazou.
FOLHA - Os investimentos em defesa aumentaram mais de 30% no mundo em dez anos. O Brasil não está muito defasado?
SAITO - Com certeza. Isso é uma coisa que todos sentimos. O próprio vice-presidente [José Alencar], quando ministro da Defesa, falou que os investimentos deveriam ser de 2.5% do PIB. Estamos longe disso.
FOLHA - A Venezuela está muito avançada em armamento, com aviões, submarinos e fuzis russos. Isso preocupa?
SAITO - O Brasil perdeu a liderança há muito tempo. Pelo menos em termos de Força Aérea, perdeu, acho, para o Chile, Peru, agora a Venezuela. A nós, militares, preocupa muito esse arsenal que a Venezuela está comprando, obviamente. Mas não vemos isso como uma ameaça, porque o Brasil pode não ter já, mas tem muito potencial. Qualquer país, antes de tomar qualquer atitude, vai pensar nisso. Nós temos, por exemplo, um pessoal muito preparado, e isso é importantíssimo. Material, você compra de um dia para outro, mas pessoal você não prepara, não.
A jornalista Eliane Cantanhêde viajou a Guaratinguetá a convite da FAB