Em entrevista, o vice-presidente da empresa brasileira revela interesse em Portugal.

Sílvia de Oliveira, em S. Paulo - DiarioEconomico

A brasileira Embraer concorre com os gigantes Airbus e Boeing na aviação comercial, ocupando a terceira posição no ‘ranking’ mundial. Em Portugal, o fabricante de aviões controla a OGMA – Indústria Aeronáutica de Portugal. Em entrevista ao Diário Económico, na sede da Embraer, em S. José dos Campos, ao largo de S. Paulo, o vice-presidente Horácio Forjaz fez o ponto de situação dos projectos de investimento e das negociações com o Governo português.

A aviação é um sector de ciclos. Qual a estratégia da Embraer para compensar os riscos?

A Embraer está vivendo um período muito importante da sua história, de plena expansão. Temos uma posição assegurada no mercado de aviação comercial. A nova família de aviões Embraer ‘170’ e ‘190’ está plenamente estabelecida, apesar de a primeira unidade ter sido entregue há pouco tempo atrás. Já tem uma carteira importante de clientes estratégicos.

O que são clientes estratégicos?

São clientes de renome, como a Lufthansa que, recentemente, anunciou uma grande ordem Embraer ‘190’, o que é de uma enorme repercussão. Mas não é o único. Temos aviões voando nas cores da Air France, da Virgin Blue. Na América, os aviões voam na United, na US Airways, na Delta, na Jet Blue, na Air Canada... Temos essa família operando nos cinco continentes.

A Embraer é o terceiro operador no sector da aviação comercial, logo depois da Airbus e da Boeing.

Exactamente. Se medirmos por encomendas firmes, por volume de aeronaves entregues, ou por aeronaves contratadas, ocupamos a terceira posição no rol de fabricantes de aeronaves internacionais. O que é muito significativo, tendo em conta a dimensão dos grupos que estão à frente.

O que também limita o crescimento da Embraer.

A aviação comercial não basta. Por isso, a empresa, em 2000, lançou o seu primeiro produto da área da aviação executiva, o ‘Legacy’, que se apóia na plataforma do ‘RJ 135’, um avião comercial – jato regional para 37 passageiros –, que foi modificado para atender aos requisitos da aviação executiva. Entramos num mercado completamente novo.

Porque decidiram entrar na aviação executiva?

Tínhamos um produto confiável que, com facilidade seria modificado e isso permitiria a diversificação de mercados e ter um equilíbrio maior de receitas. Excessivamente dependentes da aviação comercial, estaríamos mais sujeitos aos seus ciclos. O que todas as empresas procuraram é ter os pés fincados em mais de um mercado para compensar ciclos. E usamos o ‘Legacy’ como escola. Em 2005, reafirmamos o nosso compromisso com a aviação executiva e lançamos uma família de novos produtos, a ‘Phenom’, que teve uma enorme receptividade. Temos mais de 400 unidades encomendadas. E isso, então, significa um desdobrar positivo da Embraer. Posteriormente, em Maio de 2006, lançamos o ‘Lineage’, um Embraer ‘190’ convertido para aviação executiva, extremamente luxuoso. A Embraer está, progressivamente preenchendo os vazios nas categorias da aviação executiva. Mas isso se faz de uma maneira gradativa. Não há um salto digital.

Qual é a distribuição de receitas entre aviação comercial e executiva?

Varia muito, mas, no último semestre, a comercial teve um peso de 64,3% e a executiva 15%...

O objetivo é aumentar o peso da executiva?

Sem dúvida. Em termos globais, crescem todos os negócios, mas aviação executiva deverá crescer mais. A nossa idéia é que, num prazo de cinco anos, ela atinja mais de 20%.

Qual seria a repartição ideal?

Não falamos disso porque também temos outros negócios onde queremos crescer. Estamos empenhados em fazer crescer o negócio de defesa e Governo. Recentemente, a Embraer anunciou que conduz estudos preliminares para um avião de carga, o ‘C 390’ . A OGMA tem um papel importante porque é uma empresa dedicada ao mercado de manutenção e revisão de aeronaves. E a OGMA já tem uma capacidade de engenharia.

Porquê a OGMA e o mercado português?

A OGMA oferecia no seu conjunto de ativos e competências uma oportunidade real para a Embraer ter na Europa uma empresa solidamente estabelecida e poder crescer. Na medida, em que você entrega contingentes de aeronaves comerciais e aeronaves executivas em determinados territórios existe um mercado cativo, o da manutenção, de atualização e de revisão. E a Embraer, como fabricante de aeronaves, está, naturalmente, capacitada para prestar esses serviços. O que nos faltava era ter uma empresa solidamente estabelecida que pudesse assumir esse papel e, mais, fazer com que nós não ficássemos limitados às aeronaves da Embraer, mas cumpríssemos essa mesma atividade para outras aeronaves. E a OGMA tem negócios contratados com outros fabricantes. Esta estratégia não está restrita ao continente europeu e à OGMA.

A OGMA é a base da Embraer para a Europa?

Na Europa, temos, desde 1983, uma unidade em França. Quando iniciamos a exportação para a Europa, assinámos um contrato com a marinha francesa e, por isso, sentimos a necessidade de ter uma base de vendas e ‘marketing’ e de apoio ao produto. A estratégia que nos levou à OGMA é uma estratégia diferente, de penetração no mercado de manutenção e serviços aeronáuticos. São empresas complementares.

Nos últimos dois anos, a OGMA registou lucros. Qual o balanço que faz da gestão da Embraer?

É, sem dúvida, um fator auspicioso. Obviamente, que houve uma grande atenção em relação aos custos e à obtenção de novos contratos. Toda a administração, que visa resultados, bota foco no lado que entra e do lado do que sai. Lutamos muito para que surjam novos contratos importantes. Celebramos com o Governo português, em Agosto do ano passado, um acordo que envolveu a API e estamos a trabalhar com vista a novas oportunidades de investimento. O Executivo português tem um interesse estratégico no seguimento aeronáutico, de alta tecnologia, que tem capacidade de se desdobrar em outros negócios que agregam muito valor. A nossa estratégia com Portugal é de compromisso com o futuro e o que nos pautou nesses dois anos é essa determinação. A Embraer tem uma história muito bonita. Quando se analisa a empresa hoje, como terceiro maior fabricante de aeronaves comerciais do mundo,num mercado dominado por países avançados, acima da Linha do Equador e se pergunta porquê e como, é preciso olhar para a nossa história.

Qual é o ponto de situação das negociações?

Não existe nada concluído. As negociações avançam de uma maneira positiva, de modo que existe entusiasmo e sentimento positivo de ambas as partes.

A intenção de investimento já se transformou num compromisso?

Existe um compromisso que é ditado pelo acordo.

Mas o acordo prevê o compromisso de estudar, não de investir?

Da assinatura do contrato até hoje, já houve a contemplação de várias oportunidades e as discussões, séria, prosseguem. Não existe nada firmado, mas existe uma perspectiva positiva para o futuro. E existe o interesse de ambas as partes.

Será possível formalizar um acordo brevemente?

Não existe nada materializado ainda, mas a expectativa é positiva.

Que tipo de investimento?

Sobre isso, nada posso adiantar. Serão oportunidades de negócio no ramo aeronáutico.

Falamos da construção de uma nova fábrica, do desenvolvimento de nova tecnologia, de entregar à OGMA e produção de peças.

Mencionou várias possibilidades de cooperação. De facto, as conversas ainda estão num leque bastante amplo, nada afunilado e não existe nada de concreto com relação a essas possibilidades, inclusive essa da construção das peças. Estamos no âmbito das conversações. O que é importante é que existe determinação das três partes. A Embraer, a OGMA e o Governo português querem fazer.

Passou quase um ano...

Acho que sim. A Embraer tem uma operação industrial na China e demorámos quase dois anos com o Governo chinês. Essas coisas, no mundo aeronáutico, se fazem de uma determinada cadência. Não adianta a gente querer. Não estamos falando de fabricação de celulares.

E será um investimento exterior à OGMA?

Não há restrições. O acordo e as intenções não nos envelopam a forma de crescer a indústria aeronáutica em Portugal.

Falou-se da possível compra dos terrenos da antiga Samsung para receber o novo investimento.

Fazem parte das muitas especulações.

Qual poderá ser o montante do investimento? 250 milhões?

Isso faz parte da agitação. Desconheço os montantes. Depende. Imagine que surgia uma oportunidade extraordinária…

Por exemplo?

Um novo programa aeronáutico. Por exemplo, a família Embraer ‘170’ e ‘190’ foi um programa de mil milhões de dólares e o do ‘A 380’ foi de 13 mil milhões de dólares. As coisas variam muito. Não há nada disso envolvido nestas negociações, mas quando se fala de valores no mundo aeronáutico.

Poderá estar em causa a OGMA fabricar componentes de aviõe
s?

A qualidade e valor dos ativos da OGMA são impressionantes, pela capacidade instalada e pela competência dos seus quadros. Daí a se construir uma aeronave ou partes de aeronaves, a dificuldade está na oportunidade. Há que somar forças e oportunidades que permitam a sua ocorrência. No Chile, os nossos parceiros se somaram, investiram e desenvolveram parte dos nossos aviões e nos mandam para fazermos a montagem final. O mesmo esquema que é utilizado na indústria automóvel.

Está em análise algo assim para a OGMA?

Tudo é possível. Não existe nada de concreto nesse sentido.

Mas a Embraer já reuniu várias vezes com o Governo e a API?

E continuará a reunir. Não podemos anunciar o que ainda não se materializou. Vamos esperar, vamos confiar.

Qual a relação entre a Embraer e o acionista Estado na OGMA?

A melhor possível e o reflexo disso é o acordo assinado. Existe uma determinação do Governo português em fazer crescer a indústria aeronáutica em Portugal do país e da sua presença internacional.

Faz sentido o Estado manter a sua posição de 30%?

Essa é uma pergunta que deve ser dirigida ao Governo português. A nossa relação é a melhor possível e temos interesse em manter essa relação continuadamente produtiva.

É um bom parceiro?

É um bom parceiro.

O Governo assume um duplo papel, de cliente e acionista. Esta posição é bem gerida?

Não é primeira vez que nos defrontamos com essa situação. A Embraer foi estatal até 1994 e nós vivemos muito bem essa presença do governo brasileiro como acionista maioritário e cliente. A empresa foi privatizada, mas o Governo continua detentor da ‘golden share’ que dá poder de veto. Ou seja, a Embraer continua uma indústria estratégica para o sistema de defesa brasileiro.

O Governo brasileiro privilegia a Embraer na atribuição de contratos?

Sim, principalmente nos contratos de desenvolvimento e fornecimento de novas aeronaves. Na manutenção, o Governo brasileiro tem uma estrutura própria.

E em Portugal?

Obviamente, temos um interesse estratégico de continuar servindo o Governo português, seja através de contratos de manutenção, seja através de novos programas de desenvolvimento.

TAP É UMA DECISÃO QUE EXIGE “CUIDADO”

A TAP poderá privatizar a sua participada TAP - Manutenção e Engenharia. A Embraer está interessada neste negócio?

Essa será uma decisão a ser encarada com muito cuidado pela Embraer e pela OGMA.

Já falou com o Governo português sobre o assunto?

Não sei. E não lhe poderia dizer.

Esse assunto é autônomo do investimento em estudo com a API?

São autônomos e complementares.

O Governo entregou recentemente a manutenção dos helicópteros ‘EH-101’ à Agusta-Westland, afastando a OGMA deste processo. Entende esta decisão?

Não conheço em detalhe esse caso. O fato de o Estado ser acionista não significa que a OGMA tenha monopólio. Somos capazes de entender isso.

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