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Para presidente de associação de controladores, motim foi "erro estratégico"

LEILA SUWWAN
Enviada especial da Folha de S.Paulo a Istambul

Herói para uns, traidor para outros, Wellington Rodrigues, presidente da ABCTA (Associação Brasileira de Controladores de Tráfego Aéreo) avalia que a rebelião que paralisou os aeroportos do país no dia 30 foi um "erro estratégico" porque deixou os controladores num impasse e no "fundo do poço".

O resultado são controladores desiludidos e desconcentrados, o que significa um risco à segurança aérea. Apesar disso, afirma que voar é seguro.

Apesar da posição de liderança durante toda a crise aérea, Rodrigues revela que a categoria é fracionada e sua capacidade de "segurar" o grupo se esgotou. Conta os bastidores do motim --que ele chama de insurgência-- no qual foram os controladores "exaltados" que induziram a paralisação total, contando com a insatisfação latente em todo o país.

Rodrigues considera agora que o recuo do governo é reflexo da falta de confiança de ambos os lados. Porém, afirma que não acredita que o governo iria cumprir as promessas feitas.

Rodrigues, que já teve o "sabre alado" (brasão da FAB) tatuado (e hoje substituído por um Batman), diz respeitar o militarismo, mas insiste que o sistema é completamente incompatível com a atividade de controle aéreo civil.

Ele falou à Folha após a abertura da Conferência da Ifatca (federação internacional da categoria), em Istambul.

Folha - Você estava no olho do furacão nos dois mais graves momentos do controle aéreo brasileiro, nos dias do acidente e da rebelião, no Cindacta-1. Qual foi o seu papel?

Rodrigues - No primeiro evento, foi de confortar os controladores responsáveis, dar apoio e solidariedade e acompanhar os desdobramentos. O que nos deixou chateados foi a pecha de sabotadores. Nesse momento fui a público para defender os controladores.

No segundo evento, foi mais crítico. Eu não vim a público de forma enfática. Foi algo forte, de contrasenso. A associação era contra movimentos radicais ou drásticas. Buscamos o entendimento. Queremos ser mediadores. Essa é a função na qual eu me vejo hoje, de levar as demandas e anseios dos controladores para quem de direito.

Fiquei mais calado porque fui atropelado pela forma como se deu o processo. Porém, não poderia deixar de entender a situação, que chegou a esse ponto. Temos que ter honestidade, assumir os nossos atos, porem tem que ser apurado de forma honesta.

E nunca analisar somente as conseqüências, e sim as causas. Por que chegou a esse ponto? Temos ótimos controladores, ótimas pessoas, que não são bandidos, não são de maus caráteres, pelo contrário, ganharam prêmios como controladores, no entanto tiveram momentos de desilusão, descontentamento, descrença e decidiram por algo mais radical.

Folha - Por que chegou a esse ponto?

Rodrigues - Temos o antes e depois do acidente. Antes, falava-se sempre que o tráfego aéreo no país só iria mudar depois de um acidente. Isso, todo controlador falava isso ainda na escola. Depois do acidente, vimos que muita coisa não ia mudar. Foi um erro da Força Aérea negar no começo que havia falhas de comunicações, que havia falhas de radar. Isso deixou o controlador desamparado pela sua instituição. Se não existe esses problemas, então o problema é o controlador?

Folha - Quando surgiu o tópico desmilitarização?

Rodrigues - Desde que entrei no Cindacta-1 já se falava de controle aéreo civil. Isso não é novidade. Os anseios são antigos. O termo desmilitarização está sendo empregado de forma errada. Tem conotação negativa. A intenção é mostrar que existe sim uma incompatibilidade entre ser militar, a carreira militar e a carreira de controlador de tráfego aéreo. Muitas vezes a regra da vida militar está acima da regra do controle, isso não pode existir.

Folha - Por exemplo?

Rodrigues - A mudança de cargas horárias para formação de controlador. Depois da crise a carga foi reduzida pela metade para acelerar a formação dos controladores que vieram comissionados de outros locais. Tem impacto na qualidade. Nunca pode diminuir a formação. Tem uma turma nova que vai ser formada em um ano, metade do tempo. Não acredita-se que a qualidade vai se manter. Essa crítica a gente faz, sobre a qualidade da formação.

Folha - E a gratificação, que é a bandeira de muitos?

Rodrigues - Não podemos ser hipócritas e dizer que o salário não é importante. Claro que é importante. Mas não foi o primeiro objetivo. Por isso, muitos controladores, por isso, me bateram. A questão salarial é para conter a evasão, manter controladores de nível e atrair controladores com nível superior. Hoje o controlador já chega estudando para ir embora. A maioria tem ou está fazendo curso superior.

Folha - De outubro a fevereiro, houve o desgaste da crise. Mas a categoria também se organizou. Você viajou pelo país todo.

Rodrigues - Nossa intenção sempre foi, desde a primeira semana após o acidente, passar nossa experiência. O pesadelo se tornou realidade para nós. Muita coisa foi colocada na imprensa que não é verdade. A associação foi vista como um sindicato e nosso trabalho não aparecia. Nossa mensagem foi mostrar o que aconteceu de fato, o que era verdade, o que era fantasia. Havia muitos boatos. E queríamos mostrar certos procedimentos que o controlador deveria tomar a partir daquele momento para que ele não pudesse ser pego numa situação de responsabilidade civil. Já tínhamos essa preocupação em setembro, alertamos quanto ao perigo da negligência, imperícia e imprudência.

Folha - Que precauções são essas?

Rodrigues - Cumprir o que está previsto. É pelo que estava previsto que o controlador vai ser julgado. Enquanto as coisas estão dando certo, tapinha nas costas. No dia que derem errado, você responde pelo que fez. Se você não cumpre o que está previsto, você vai ser julgado.

Folha - Em que situação o controlador é culpado?

Rodrigues - Quando ele deixa de cumprir os regulamentos, aceitando excesso de tráfego, o famoso número 14, que se tornou um número cabalístico. No início da crise não tínhamos nem controlador para chegar a 14. Se houver excesso, controlador e supervisor foram negligentes. Agora ficam falando em operação padrão, nossa profissão tem que ser padrão mesmo.

Folha - O seguimento estrito das normas segue mantido?

Rodrigues - A vida inteira. Já era e agora mais do que nunca.

Folha - O que você viu e ouviu nos APPs e Cindactas pelo país?

Rodrigues - Uma ansiedade, aflição, angústia e revolta porque o controlador estava sendo colocado como bandido. De anjo da guarda, passou a bandido, então a revolta era grande. Fomos sempre recebidos como verdadeiros heróis porque começamos a mostrar para as autoridades e sociedade o que estava acontecendo. Não podiam debitar coisas na nossa conta. Todos os órgão era a mesma coisa, angústia e revolta. O controlador nunca aparece quando a notícia é boa.

Folha - A revolta e ansiedade foram ingredientes para o dia 30?

Rodrigues - Sim.

Folha - O que aconteceu lá dentro naquele dia?

Rodrigues - O manifesto estava rodando há uma semana na internet. As pessoas foram chegando e se acumulando. Já no meio do dia as pessoas estavam exaltadas. Eu peguei vários pelo braço e falava: "não faça isso". Estava preocupado com a questão da responsabilidade civil, de cumprir o previsto. Só iria complicar a nossa situação. Na hora que parar, todas as falhas do sistema seriam esquecidas. Como foram. Agora a culpa é única e exclusiva do controlador.

Folha - A categoria é dispersa?

Rodrigues - Muito mais do que se imagina. São grupos de pessoas, dez, cinco, se falam. A gente só sabe quando um conta. No dia da reunião com o Paulo Bernardo, quando saímos para almoçar e esperávamos ser chamados para voltar, já recebemos um telefonema com um dizendo: "Já estamos reunidos aqui, a imprensa tá dizendo que não vai sair nada". No meio da tarde, de novo. Consegui segurar. Por outro lado, por estar segurando, estava recebendo muita crítica. Nesse tempo todo, continuei como coordenador de instrução, muitos entregaram a instrução. Não queriam mais dar instrução e eu tinha a mais alta carga horária. Muitos me chamaram de traidor. Falavam: "Olha o Wellington dando instrução. Não é mais para forma ninguém".

Folha - Não era para formar possíveis substitutos?

Rodrigues - Sim. Eu deixo claro, meu profissionalismo não vai ser mudado. Não sou niilista, não sou terrorista. Vou fazer meu trabalho. Muitos instrutores não agüentaram a pressão. Para mim, isso chegou de forma velada. Eu sempre disse, sei o que estou fazendo.

Folha - De volta ao dia 30.

Rodrigues - O estopim mesmo foi na reunião com o comandante do Cindacta. Ele de forma alguma foi mal-educado.

Folha - Soubemos que ele ameaçou aplicar o regulamento militar.

Rodrigues - Não foi nem ameaça. Desde o primeiro dia que ele assumiu, fui até ele, disse minha função e a forma como agia. Ele só me conhecia por meio da imprensa. Apresentei o que sou. Fui o primeiro controlador aqui a ganhar um prêmio de operador-padrão, tenho medalha pelo bom serviço prestado e sou profissional para caramba. Mas fui colocado como um grande vilão. Como se tivesse causado tudo isso.

Muito pelo contrário, estamos segurando por muito tempo. Mas eu estou apanhando demais. Demais. Quem mais está batendo nesse tempo todo são os controladores. Entre Força Aérea, imprensa e controladores, quem mais bate são os controladores. Eles querem algo mais radical. Falei ao comandante que se não pudesse mais segurar, estaria com ele para dizer que não daria mais conta. Mesmo porque, não é minha função ficar segurando ninguém.

Mas fiz pela posição de liderança e por saber que o radicalismo ia estragar o trabalho pela mudança. Mas o comandante foi lá, falou. Não foi rude. No que ele saiu, muitos já falaram: "Ninguém sai". Eu levantei e disse: "Estou me retirando, não compartilho da decisão dessa forma".Fui conversar com o comandante. O novo comandante, que assumiu agora, coronel Raulino, estava lá e ficamos conversando. Expliquei a situação, o descontentamento, a desilusão e a forma como estavam sendo tratados na sala de controle. De forma rude, alguns de forma irônica.

Folha - Houve um endurecimento prévio então?

Rodrigues - Sim, muito. Um endurecimento muito grande. Agora, é normal, na vida militar. Não deveria ser no controle, mas na vida militar é assim. Quando acontece uma insubordinação, vão querer corrigir e cobrando mais. Somos militares e estamos sujeitos a isso. Disse ao comandante que assim que terminasse a reunião [dos controladores] eu iria subir, saber a decisão e trazer para ele. Subi mesmo, perguntei pro pessoal, saindo da sala agitadíssimos. Perguntei: "E aí?" A reposta foi "Nós vamos parar". "Como é?". "Nós vamos parar". Voltei para o coronel e falei a decisão do grupo, iriam realmente parar.

Folha - Qual foi a reação dele?

Rodrigues - Ele só respondeu, "Wellington, nós vamos cumprir então o que está previsto". Fiquei passado. Na posição descansar, sem reação mesmo. Mas o problema é que não foi nada planejado. Se fossemos civis, não teria acontecido daquela forma. As pessoas criticam que se fossemos civis vamos fazer greve. Mas o civil iria cumprir a lei sindical, de avisar três dias antes, manter 30% funcionando. Foi uma insurgência mesmo.

Folha - Um motim.

Rodrigues - Tá errado. Motim seria pegar armas para tomar o controle da situação. Não foi isso. Foi uma insurgência de não cumprir as ordens.

Folha - E quando o ministro Paulo Bernardo chegou?

Rodrigues - Fui pego de surpresa. Não sabia disso. Estávamos aguardando a chegada do procurador militar para fazer os enquadramentos. Começou a vazar que tinham 18 presos. Nosso advogado ficou louco. Ele veio, pediu para entrar. Foi nessa hora que ele saiu nervoso e deu aquela declaração, que a Páscoa seria um inferno. Nessa hora entrou um carro, placa verde e amarela. Eu subi para ver o que ia acontecer.

Ele se reuniu, éramos uns 160 controladores. Ele nós deu a voz, mas eu fiquei quieto. Foi aí que vi, decidiram fazer algo, mas não tinham encaminhamento, não sabia como fazer nem como sair da situação. Aí pensei, quero ver o que vai acontecer.

Folha - Foi impensado?

Rodrigues - Foi um desespero, de "não temos mais nada a perder".

Folha - Como se fez a negociação?

Rodrigues - Primeiro todos ficaram calados. Então expliquei a ele que, no meio militar, não há esse caminho de diálogo, então há uma barreira e medo de se expor e falar o que pensa. Ele disse que estava tudo aberto. Um controlador exaltado começou, estava metendo os pés pelas mãos. Chegou a ser duro com o ministro. Aí eu levantei a mão.

Nesse momento levantei a mão, pedi para todo mundo ficar quieto, pedi desculpas ao ministro pela forma que o controlador falou. Mas expliquei o motivo. Eu condeno a grosseria e o radicalismo, mas eu entendo. Não posso chamar de completamente errado. Disse que havia uma revolta muito grande.

Aí vi o quanto a nossa relação, entre controladores, estava desgastada. Aquela fala estava sendo gravada e vazou para a imprensa. Nem me respeitam mais. E senti mal pelo ministro. Era um momento crítico e reservado. Já senti que haveria uma ruptura, não há confiança de nenhum lado.

Folha - E o acordo?

Rodrigues - Ele mesmo propôs, disse que já viu o manifesto, os quatro ou cinco reivindicações. Ele disse que iria atendê-las. O mesmo exaltado pediu que fosse por escrito. Eu sei lá, acredito nas pessoas, achei que não era necessário. Afinal, era um ministro, representando o presidente. Se a gente não acreditar nele, vamos acreditar em quem? Mas os controladores forçaram para que fosse por escrito. A redação foi muito discutida e depois ele assinou.

Folha - E o recuo do governo?

Rodrigues - Dois momentos foram explorados que não pegou bem. Mas também não sei, talvez esse recuo aconteceria de qualquer forma. As declarações do advogado foram expostas, mas foram ditas antes no meio da exaltação. E também a indicação de greve do sindicato.

Folha - Foi por isso?

Rodrigues - Eu não sei mais nada. Eu não sei se isso aconteceria da mesma forma. Não sei se o governo ia mesmo manter a palavra. Hoje eu já não acredito.

Folha - Mas você foi para a reunião.

Rodrigues - Também não pensaram isso. Se fosse alguém do grupo dos exaltados, ficariam expostos. Seriam "naturalmente selecionados". Então lá foi a associação. O ministro já chegou exaltado, disse que o governo não negocia com a faca no pescoço, devido às declarações.

Porém o canal de comunicações estava aberto. Ele recebeu um telefonema, aquele famoso telefonema de meio de reunião, disse que teria que se retirar. Aí alguns já se exaltaram, disseram, "não vai ter encaminhamento, não vai ter nada". Pedi de novo, vamos acreditar. Vamos confiar. Acho que sou muito bobo, a verdade é essa.

Folha - Por quê?

Rodrigues - Eu simplesmente confio nas pessoas. Eu não estou errado. Tem que ser uma relação honesta dos dois lados. Eu procuro ser honesto. Mas infelizmente eu sei que do meu lado tem pessoas que não agem de forma honesta.

Folha - A insurgência foi um erro?

Rodrigues - Estrategicamente, politicamente, sim. Não quero explorar isso e dizer que o ato em si foi um erro. A gente está cansado de ouvir, foi um crime por isso e aquilo. Estrategicamente não deveria ter acontecido porque as falhas foram esquecidas. Ficou somente a insurgência em si.

Folha - A FAB já resumiu tudo como "um problema de controlador".

Rodrigues - Agora o erro do controlador foi a impaciência e incredulidade que hoje eu começo a dar razão. Acredito que vai mudar e melhorar, mas estou ficando incrédulo pelo histórico. Não temos proposta de mudança. A chuva cortou cabo ótico em Curitiba.

Congonhas fechou um milhão de vezes. As empresas aéreas diziam que eram os controladores e a FAB não desmentia com tanta força. Por mais que a gente pedisse, não havia força de vontade para nos defender. Ficamos órfãos. O pior é que nesse grupo radical, muitos controladores estavam aproveitando de uma situação que não foi causada por eles para dizer que eram eles, para mostrar o poder deles. Muitos faziam isso, fiquei sabendo que ligavam para a imprensa para dizer: "É operação-padrão mesmo".

Eu só queria saber que é esse burro que está falando isso. Para provar, o canal não estava aberto. Era mais interessante dizer que era uma operação-padrão.

Folha - E quando os oficiais deixaram as salas de controle no dia 31 de março e 1º de abril?

Rodrigues - Acho que estava todo mundo ainda meio entorpecido pelo acontecimento. Nós estamos acostumados a trabalhar, o que pegou mesmo foram as questões administrativas. Pessoas tinham medo que o contracheque ia rodar.Mas a parte operacional, os controladores levam. Mas e os técnicos? Iam dar o apoio ou não? Agora, muitos colocaram a situação de que foi um abandono do serviço por parte deles. Há crime nessa parte. Já ouvimos que o Ministério Público é independente e tem que dar justificativa para a sociedade.

Agora, o MP abriu sozinho esse IPM, tem poder para isso. Mas disse que só abre contra os oficiais se fosse feito um encaminhamento por parte do Comando da Aeronáutica, o que não vai ser feito nunca. O regulamento só existe para punir o graduado.

Entrei para ser militar, da Infantaria. Fui com 16 anos para a escola, não sabia o que era controle de tráfego aéreo. Vi um filme, coloquei como primeira opção. Sempre fui caxias. Concorri para ser o aluno padrão. Tinha o Sabre Alado (brasão da Aeronáutica) tatuado. Era alvo de piada, me chamavam de material-carga da FAB.

Folha - Já tirou?

Rodrigues - Tirei, virou um Batman.

Folha - Você diz que ama ser controlador. E ser militar?

Rodrigues - Na verdade, eu entrei para ser militar. Mas ao ser controlador, vi que tinha muita coisa que entrava em choque. A questão mesmo da responsabilidade civil. As regras tem que estar acima das regras militares. A gente não vê isso. Hoje eu defendo a mudança de gestão por causa da completa incompatibilidade. Mas não tenho crítica nenhuma à carreira militar. Ela está em seu contexto. Mas a carreira de controlador não está nesse contexto.

Folha - Como você gostaria de ver a desmilitarização?

Rodrigues - A palavra está errada. Se fala muito em duplicação do sistema. O que está sendo pedido é manter a integração entre controle aéreo e Defesa Aérea. Não precisa duplicar sistema.

Hoje já trabalhamos separados. A única integração que existe é do radar de solo, ele envia o sinal para o Cindacta e é tratado, vai para a aviação geral e para a defesa aérea. Já temos equipamentos e salas separadas, formações militares diferentes. Já é separado. O sargento da aviação civil não pode entrar na Defesa Aérea. O que está sendo pedido é que aquela sala onde se controla vôo civil seja feito por civis. Isso é mudança de gestão.

Folha - E a chefia?

Rodrigues - Civil.

Folha - E a integração?

Rodrigues - A questão é a destinação de recursos para a manutenção dos equipamentos, o que também não é problema. Hoje se sabe quanto se gasta. O dinheiro é vai para quem fizer a manutenção. Acho correto ficar com a Força Aérea porque são radares de Defesa Aérea. A preocupação da Aeronáutica, correta, é de perder recursos para isso.

Folha - Sim, as salas são divididas, mas e os radares em campo?

Rodrigues - Em campo, muitos radares tem segurança militar. Onde está integrado, a informação vai para os dois, deve prevalecer o militar, é questão de segurança nacional. Onde é estritamente civil, deve ser feito por civil. Onde é estritamente militar, deve feito por militar.

É totalmente compatível a convivência de civis ali no Cindacta. Vão para as salas de civis. Isso já acontece na Alemanha. Mas o Brasil vende muito esse lance do modelo pioneiro. Não há dúvida. É o primeiro país que usou esse modelo de integração. É um modelo econômico, foi usado por falta de recursos, não precisa ter dois radares.

O Brasil foi o primeiro, mas também o único. Chamamos o Cindacta de ponto turístico. O que vai lá de delegações... elogiam. Mas ninguém leva pro país deles. Tecem altos elogios, só que não aplicam.

Folha - Por que não?

Rodrigues - Por causa dessa incompatibilidade de militares no tráfego aéreo.

Folha - E a situação agora, você falou em impasse, em fundo do poço.

Rodrigues - Sim.

Folha - Essa combinação dá no que?

Rodrigues - É o fundo do poço porque o que podia ter acontecido de pior já aconteceu. Uma colisão e uma parada total. O controlador está no fundo do poço mesmo. Não vê luz, não vê alternativas. O que a gente vê hoje é uma enorme quantidade de controladores trabalhando sem concentração.

O papo entre o controlador e seu assistente é sobre o seu futuro. Isso, um controlador desconcentrado... pelo amor de Deus. O que mais faço é pedir calma, mas não adianta.

Folha - Sei que isso não significa que é inseguro voar, mas isso é um risco à segurança.

Rodrigues - É uma situação de risco à segurança.

Folha - Explique.

Rodrigues - O primeiro item do manual do controlador diz que ele deve estar física e psicologicamente habilitado e capaz para estar em seu posto de trabalho. E nada disso está acontecendo. Minha preocupação é que se tiver um novo acidente agora, apaga a luz fecha a porta e vamos embora.

Folha - É uma possibilidade?

Rodrigues - Todo dia, no Brasil e em qualquer parte do mundo.

Folha - Mas vamos lá. Existem três fatores. Humano, Equipamento e Procedimentos. O humano está nessa situação. E os equipamentos.

Rodrigues - Vamos ser sinceros e honestos. Há sim um grande esforço por parte da Aeronáutica em resolver. Mas o problema é que acumulou muito. No Cindacta-1 as freqüências melhoraram muito. Aquela região que chamaram de buraco negro.

Folha - A zona cega?

Rodrigues - Isso, não tínhamos a visualização radar. Foi mandado para a gente essa visualização.

Folha - Funciona bem?

Rodrigues - Está lá, melhorou muito. O pessoal acha até covardia. É como tirar uma catarata, agora estão enxergando.

Folha - Mas vocês controlavam naquela região como se tivesse serviço radar.

Rodrigues - Não, era encerrado. E os pilotos informados.

Folha - Não aconteceu com o jato Legacy.

Rodrigues - Pagou em "blind". Avisou às cegas que o serviço radar foi encerrado. Quando não consegue contato de rádio é assim.

Folha - Equipamentos então, algumas melhoras. Qual a nota de zero a dez que você dá ao equipamento?

Rodrigues - Hoje? Tenho que ser honesto. Sete.

Folha - E os outros Cindactas?

Rodrigues - Ah, o Cindacta-1 é a elite.

Folha - Mais que o 4 [Manaus, sede do Sivam], a pérola da FAB?

Rodrigues - É, mas em questão de procedimentos, ele está aquém das normas de tráfego. São muito mais violadas que no Cindacta-1. Meu sonho era controlar no Cindacta-4 com o tráfego e recursos no Cindacta-1. Lá é a pérola, mas nós a vedete, 75% do tráfego passa lá.

Folha - E Recife (Cindacta-3)?

Rodrigues - Tem muitos problemas. Curitiba também.

Folha - Procedimentos?

Rodrigues - Chegou um pedido do Decea em dezembro para que fossem feitos alertas e treinamentos específicos para situações que estavam envolvidos no acidente em si.

Folha - Foi encaminhado?

Rodrigues - Na questão do software, onde há a mudança automática dos níveis de vôo, acontece ainda hoje. Tá dependendo da Atech, que precisa desenvolver um software para mudar isso. Tem certas mudanças que dependem de mudança de software ou programações.

Mas vamos ter mudanças de curto, médio e longo prazo, este último só daqui a cinco anos. Agora para nós a questão da mudança automática de nível é crucial e o pessoal reclama muito. Mas por outro lado vejo uma desatenção muito grande por parte do controlador. Isso não é bom para ninguém.

Folha - Então o risco existe.

Rodrigues - A verdade é a seguinte. O que estava ruim antes do acidente ficou pior depois do dia 30. Houve uma ruptura de fato. Eu declaro que é seguro. Não gosto de fazer esse tipo de alarma. Mas os componentes estão aí. Eu confio nos controladores, mas tenho muito receio na falta de atenção e vontade de desenvolver seu trabalho. O controlador tem um superego inflamado. Hoje está no limbo.

Folha - E a ameaça de baixa é real?

Rodrigues - É real. Ouvi que há um grupo em torno de 50. As pessoas querem mudar para a melhor. Se tem algo melhor lá fora ou está tão desiludido e não quer ser controlador, então tem quer sair mesmo. Ele não pode mais continuar. O controlador tem que vibrar pelo que faz. A hierarquia atravanca tudo. Mas a disciplina é inerente, para civil ou militar. Quem gosta do que faz, não deve pedir baixa. Tem que lutar pelas mudanças, de forma honesta.

Folha - A FAB disse que baixa é tiro no pé. Mas também diz ter um plano de contingência pronto, com controladores da reserva e pessoal da Defesa Aérea.

Rodrigues - Se essa solução é tão fácil, porque não estava pronta antes? Nós não temos controladores. Se acontecer uma grande saída, em todos os centros... o pessoal da Defesa já está com déficit. Dos que vieram da reserva, não tem nem três ou quatro no Cindacta-1. Muitos não passaram no exame médico ou psicotécnico. Tem alguns nas torres. Mas há poucos controladores aposentados, muitos foram embora antes.

Folha - E esse ingresso neste ano de mais de 500 novos controladores?

Rodrigues - Tenho preocupação pela qualidade nessa aceleração. Vai ser inferior. Mas também, hoje não temos estrutura para dar o devido estágio aos que vão chegar. A prova foi quando vieram os comissionados. Não tínhamos posição ou estrutura para dar instrução. Isso vai acontecer.

Folha - Então não dá para correr atrás do prejuízo?

Rodrigues - Faltou uma visão de longo prazo. Até diminuiu o número de aviões, mas eles voam muito mais, quase 24h. Tenho receio e reserva sobre a qualidade desses profissionais.

Folha - O que você espera deste encontro na Turquia?

Rodrigues - Perdi o encontro regional em São Paulo, que foi logo depois do acidente. Seria o primeiro contato com a Ifatca. E agora, depois do 30 de março quase que não pude vir aqui também. Mas a diretoria achou que seria importante.Como você viu, estamos mais.. claro, uma colisão e uma greve, aconteceu tudo de ruim. Mas queremos aprender e buscar apoio. Reafirmar que não somos bandidos, que não foi uma greve, foi uma insurgência. E queremos trazer o encontro para o Rio em 2010.

Também queremos convênios para fazer intercâmbio na Europa e Estados Unidos, para ver o gerenciamento do tráfego. Nós estamos alienados. Dá pra ver o quão distantes estamos desta busca que há aqui pelo profissionalismo. Hoje, o controlador está saindo da caverna de Platão. Precisamos de apoio e profissionalização.

Folha - Como foi recebido aqui?

Rodrigues - Gostei da solidariedade. Fiquei emocionado. Até de controladores dinamarqueses.

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