Documentos de controladores do Cindacta-4 revelam que o espaço aéreo da região amazônica tem cobertura ineficaz de radares
Relatórios encaminhados ao órgão da Aeronáutica que auxilia na investigação de acidentes mostram que falhas ainda ocorrem na região
KÁTIA BRASIL
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS
O espaço aéreo da Amazônia, onde há seis meses ocorreu a colisão do vôo 1907 da Gol e o jato Legacy, continua dentro de um "buraco negro", com cobertura de radares ineficaz à segurança dos aviões. É isso o que revelam documentos obtidos pela Folha com relatos de controladores do Cindacta-4 (Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo), com sede em Manaus (AM).
O "buraco negro", segundo os controladores, é localizado no setor 6, área que compreende o sul do Amazonas, os municípios de Alta Floresta e Sinop, no Mato Grosso, a Serra do Cachimbo e Jacareacanga, no Pará. A área é de transição do controle do espaço aéreo entre os Cindactas-4 e 1, de Brasília.
Na região, há falhas também de comunicação -freqüência de rádio- registradas pelos controladores em Manaus e Porto Velho. As falhas já colocaram aviões em risco iminente de colisões na área da Amazônia, segundo os relatórios.
Os documentos nos quais os controladores registraram as ocorrências decorrentes do "buraco negro" são os chamados "relatórios de perigo", ou Relper, enviados pelos controladores ou seus supervisores do Cindacta-4 ao Sipaer (Sistema de Investigação e Proteção de Acidentes Aeronáuticos).
Investigação
O Sipaer é o órgão da Aeronáutica que auxilia a investigação e prevenção de acidentes e incidentes aeronáuticos. O Boeing da Gol caiu em 29 de setembro de 2006 e matou 154 pessoas.
Ainda não é possível saber se houve falha de comunicação envolvendo o Cindacta-4, o avião da Gol e o Legacy. A investigação da FAB sobre o acidente aponta que o "buraco negro" não tem relação direta com os fatores que causaram a colisão, mas o Legacy voou por 20 minutos, 18 deles ininterruptos até o choque, sem aparecer na tela de radar de Brasília (Cindacta-1).
Aviões que trafegam no setor 6 continuam sumindo dos radares até hoje, segundo os relatórios. Em 14 de janeiro, um controlador registrou que o setor é uma zona cega. "A situação no S06 [setor 6] do ACC-AZ [centro de controle amazônico] é degradante. Os radares são falhos em quase sua totalidade. Mas a mais famosa [região] é onde caiu o Gol. Lá, nós de Manaus [Cindacta-4], temos o radar, mas quem controla é Brasília [Cindacta-1], que não tem a visualização do radar. Ou seja, quem vê não controla e quem controla não vê. É um buraco negro na medida que nessa região os radares são inconfiáveis (sic) e as freqüências [comunicação via rádio com os pilotos] não funcionam", diz o documento.
Em outro relatório, da mesma data, um controlador afirma que, no setor 6, os auxílios a navegação estão "inoperantes nas região de Cachimbo e Jacareacanga e Alta Floresta". Há problemas de freqüência [nos rádios] em Manaus, Cachimbo e Sinop. "Existem auxílios à navegação que já estão inoperantes por um período de quase quatro anos", diz o "relatório de perigo". Nos documentos, os controladores registram "grave situação de risco de colisão" entre aeronaves. Um caso emblemático aconteceu em 8 de abril e envolveu dois aviões da TAM.
Segundo o relatório, as aeronaves estavam a 75 milhas, cerca de 150 km a noroeste de Manaus. Um avião (vôo 8090) seguia de Guarulhos para Miami a 40 mil pés na aerovia UA342. O outro (vôo 8091), na mesma rota, em sentindo contrário, a 39 mil pés. A distância entre os aviões era de 30 km. Na tela do controlador do Cindacta-4, o radar mostrava que eles estavam em situação de colisão. Por uma leitura distorcida, o radar registrou o vôo 8091 com 39,5 mil pés, subindo em ponto de convergência. Um alerta de anticolisão foi acionado.
"A situação foi contornada porque consegui falar com o piloto antes de fazer qualquer procedimento e confirmei que sua altitude era 39 mil e não 39,5 mil como o radar mostrava. É fato que tal relato possa ser repetição de uma série interminável de antecessores de longa data, que, infelizmente, não encontraram solução", diz o documento.