ISTOÉ tem acesso à sala do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, onde imigrantes passam dias confinados, submetidos a condições desumanas, alimentação insuficiente e com acesso restrito a informações
Fabíola Perez | IstoÉ
Nas últimas semanas, entidades ligadas a direitos humanos têm denunciado as condições desumanas em que dezenas de estrangeiros ficam confinados numa sala conhecida como Conector, no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo. Distante da populosa área de embarque e do glamour dos free shops, este ambiente está escondido no Terminal 3 do maior aeroporto do País. Em resposta, a Polícia Federal, responsável pelo local, divulgou imagens do espaço que enfraqueceriam as denúncias. Nelas, é mostrado um ambiente quase confortável, com sofás e cadeiras, onde pessoas conversam descontraidamente. Não foi isso que ISTOÉ encontrou na semana passada, quando visitou o Conector. Para quem entra lá, é possível sentir o cheiro forte desde o primeiro momento. Cobertores, vestes e pertences pessoais se amontoam nos cantos da sala. O desalento e a agonia marcam a expressão dos estrangeiros que habitam o espaço. O fluxo de pessoas é intenso. Durante o período em que a reportagem esteve no local, cerca de uma hora, a Polícia Federal informou que três imigrantes conseguiram o refúgio e dois novos chegaram. O espaço já chegou a abrigar 40 estrangeiros que foram impedidos de seguir viagem por terem sido avaliados como perfis migratórios suspeitos ou por apresentarem problemas na documentação. No Conector, a comunicação e o acesso à informação são difíceis. A maior parte das pessoas vem de países africanos e fala francês – alguns arriscam palavras em inglês.
Fotos: Airam Abel; Polícia Federal/Divulgação |
O jovem Bah Thierno Madjou, de 24 anos, chegou da Guiné no dia 19 de junho e ainda não havia sido ouvido pelos agentes da Polícia Federal até a terça-feira 23. Em francês, disse que se formou em Sociologia e veio visitar o irmão, Abdul Bah, que vive há um ano em Cascavel, no Paraná. Madjou não pode entrar no País por problemas na documentação. “Terminei a faculdade na capital Conacri e fazia estágio em um banco, mas depois do Ebola o país ficou detonado, todo mundo desconfiava das pessoas e evitavam o contato”, diz. Madjou tentou entrar no Brasil com visto de turista e não conseguiu. Ele não sabe onde está sua bagagem e passa os dias com uma mochila e um livro recostado próximo às janelas. Do lado de fora do Conector, na área da Delegacia da Polícia Federal, o irmão tenta contato por telefone, agoniado. Ele explica que Madjou possuía o visto, dinheiro, e uma reserva de hotel. “Os imigrantes são abandonados no Conector sem assistência jurídica, por tempo indeterminado até que consigam verbalizar um pedido de refúgio”, afirma Daniel Chiaretti, defensor público federal. “Eles ficam apenas com a roupa do corpo, sem contato com a família e em condições de extrema vulnerabilidade.”
Podem ficar detidos na sala imigrantes que tem o Brasil como destino final e aqueles que fazem apenas conexão no País, mas são barrados pelas companhias aéreas no segundo voo. “As empresas afirmam que alguns não possuem perfil migratório e decidem não embarcá-los”, diz Chiaretti. “Ao deixar essas pessoas somente nas mãos na Polícia Federal, podemos colocar em risco o direito de proteção aos potenciais solicitantes de refúgio”, afirma Camila Asano, coordenadora de Política Externa da Conectas. “Seria necessário o acesso a outros órgãos do Estado, como a Defensoria Pública da União.” Segundo entidades de direitos humanos, muitos estrangeiros que ficam no espaço temem ser enviados de volta ao país de origem e desconhecem as leis de refúgio brasileiras. “Eles sentem dificuldade para receber as informações do aeroporto e da Polícia”, diz Eliza Donda, advogada da Missão Paz. De acordo com ela, há relatos de imigrantes que tentaram solicitar o protocolo de refúgio para a polícia, mas não foram atendidos. “Eles se sentem rebaixados, sem saber por que estão detidos”, afirma.
Para o delegado titular da Delegacia de Polícia Federal no Aeroporto de Guarulhos, Wagner Castilho, organizações de tráfico humano usam o Brasil como rota entre a África e os Estados Unidos. “Muitas dessas pessoas são vítimas de coiotes e usam a lei brasileira de refúgio como um plano B para ficar no País”, diz. Segundo o delegado, a Polícia Federal não pode induzir o pedido de refúgio, mas uma equipe formada por três agentes monitora o Conector para identificar os solicitantes. No Brasil, vigoram duas leis, que incidem sobre essa população, consideradas contraditórias por especialistas. A Lei do Refúgio, de 1997, prevê proteção a qualquer imigrante que chega ao País, sem necessidade de documentos específicos. Por outro lado, o Estatuto do Estrangeiro, de 1979, remete o imigrante ao controle Polícia Federal. “É um resquício da ditadura na qual a migração é vista como ameaça à soberania e o Conector é um das consequências da falta de uma política nacional de imigração”, diz Cleyton Borges, coordenador do Centro de Referencia e Acolhida para Imigrantes (CRAI). Em janeiro deste ano, um termo de cooperação técnica foi assinado pelo Ministério Público Federal, pela Secretaria Nacional de Justiça e Defensoria Pública da União para melhorar o atendimento aos estrangeiros que chegam ao aeroporto.