Comissão da Verdade pretende apurar se, nos anos 1960, regime militar contribuiu para a falência da companhia aérea
Fábio Grellet / O Estado de SP
Rio
Documentos reunidos pelo empresário Rodolfo da Rocha Miranda, filho de Celso da Rocha Miranda (1917-1986), um dos dois donos da companhia aérea Panair do Brasil, indicam que a falência da empresa, decretada em 1965, resultou de perseguição do governo militar (1964-1985). Os alvos eram Celso e seu sócio Mario Wallace Simonsen, ligados a Juscelino Kubitschek, presidente da República de 1956 a 1961 e, posteriormente, opositor da ditadura instalada após o golpe militar que derrubou o presidente constitucional João Goulart - chefe de Estado de 1961 a 1964.
Quando a empresa pediu concordata, o governo instituiu um decreto que impedia empresas aéreas de usarem esse instrumento legal. Foi, então, decretada a falência da Panair. Depois, quando a empresa conseguiu pagar seus credores e, por lei, poderia voltar a operar, o governo criou outro decreto impedindo empresa aérea que houvesse falido de retomar os voos. Relatórios do governo indicam que a Panair não era insolvente e operava sem irregularidades.
Rodolfo obteve os documentos sobre a Panair em 2012, com base na Lei de Acesso à Informação, e os encaminhou à Comissão Nacional da Verdade (CNV), que anteontem promoveu uma audiência pública no Rio de Janeiro para debater o caso. É o primeiro caso de empresa supostamente prejudicada pela ditadura militar a ser discutido pela Comissão da Verdade.
Segundo Rosa Cardoso, integrante da Comissão, mesmo se ficar demonstrado o prejuízo causado aos empresários donos da Panair, a investigação não vai gerar responsabilização criminal de ninguém, em razão da Lei de Anistia, de 1979.
Rodolfo, de 63 anos, afirma também que não pretende pedir ressarcimento. "A intenção não é cobrar o prejuízo. Quero apenas que o Estado reconheça que a falência da Panair não foi culpa de seus donos, mas sim uma manobra da ditadura", declarou o empresário.
Empresa
A Panair era a maior companhia aérea brasileira, com 5 mil funcionários, quando teve suas licenças de voo cassadas pelo governo militar, em 10 de fevereiro de 1965, sem nenhum aviso prévio. As rotas foram distribuídas às demais companhias, principalmente à Varig.
Cinco dias depois foi decretada a falência da Panair, sob o argumento de que a empresa estava em grave situação econômica, e isso representaria risco à segurança dos voos. Essa situação nunca foi comprovada.
Mario Wallace Simonsen morreu 37 dias após a decretação da falência. Celso da Rocha Miranda discutiu o caso na Justiça até morrer, em 1986.
A falência foi extinta em 1995, quando a empresa pôde ser reaberta. Hoje ela é dirigida por Rodolfo, mas seus únicos contratados são advogados que ainda discutem judicialmente o caso.
O empresário disse que cogita contar a história da Panair por meio de uma minissérie.