O governo arrecadou R$ 24,5 bilhões com a privatização dos aeroportos. Conheça as empresas que vão comandar os três terminais aéreos mais importantes do Brasil.
Por Marcelo CABRAL, Luís Artur NOGUEIRA e Guilherme BARROS – IstoÉ Dinheiro
Cinco... quatro... três..." A contagem regressiva foi entoada a plenos pulmões pelo executivo carioca Gustavo Rocha e por sua equipe de 30 auxiliares no pregão superlotado da BM&F Bovespa, no chamado centro velho da capital paulista. Quando a numeração chegou ao zero, Rocha comemorou aos pulos, abraçado ao seu time. Ele tinha bons motivos para isso. Exatamente às 12h23 da segunda-feira 6, um dos dias mais quentes deste início de 2012, esse carioca de 43 anos, presidente da Invepar, se tornou o novo comandante do aeroporto de Guarulhos, o maior e mais importante do País. Se o leilão promovido pelo governo pelas concessões de Guarulhos, Campinas e Brasília fosse uma partida de futebol, a melhor analogia seria dizer que a Invepar – à frente de um consórcio formado em conjunto com os sul-africanos da Airports Company South Africa (ACSA) – goleou ainda no primeiro tempo.
Uma proposta de R$ 16,2 bilhões – dinheiro suficiente para comprar 49 jumbos Boeing 747 – gerou perplexidade entre integrantes dos outros dez consórcios. Enquanto aguardava os lances, Rocha tinha como maior preocupação conhecer o tamanho das propostas da rival CCR, controlada pela Camargo Corrêa, e pela Odebrecht, associada ao grupo Changi, que opera o aeroporto de Cingapura, um dos melhores do mundo. Em todos os casos, porém, as ofertas foram mais baixas. As grandes construtoras, consideradas favoritas, ficaram a ver navios – ou melhor, aviões. "Fizemos as nossas contas e chegamos até onde pudemos", resumiu, resignado, o presidente da espanhola OHL, José Carlos de Oliveira Filho, que tinha em mãos um cheque de R$ 12 bilhões. A vitória acabou mesmo com a Invepar, cujos principais acionistas são os fundos de pensão de Banco do Brasil, Petrobras e Caixa Econômica Federal (Previ, Petros e Funcef, respectivamente) e a construtora baiana OAS.
Com a investida, a companhia acrescentou a oitava operação à sua lista de concessões, que inclui o sistema de rodovias Raposo Tavares, em São Paulo , e o metrô do Rio de Janeiro. Também fazem parte do portfólio a Linha Amarela, no Rio de Janeiro, e estradas na Bahia e em Pernambuco. A lista de vencedores inclui ainda a Infravix, o braço de infraestrutura da Engevix, que ficou com o aeroporto de Brasília por R$ 4,5 bilhões, e a Triunfo Participações e Investimentos, que arrematou, em conjunto com a UTC Engenharia, Viracopos, em Campinas, por R$ 3,8 bilhões. Os serviços para os 50 milhões de pessoas que passam anualmente pelos três aeroportos tendem a melhorar. No total, o governo arrecadou R$ 24,5 bilhões, um ágio de 347% sobre os lances mínimos das concessões. De quebra, obteve o compromisso de mais R$ 16,1 bilhões em investimento na modernização das três praças.
O BNDES vai financiar até 80% desse total. "Hoje me aposento e passo o bastão: Dilma é a nova musa das privatizações", brincou Elena Landau, ex-diretora do BNDES que atuou nas privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, na década de 1990, em uma mensagem pelo Twitter. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, assegurou que o dinheiro arrecadado não será utilizado para garantir o superávit primário. "Esses R$ 24 bilhões são mais do que suficientes para investirmos nos aeroportos não rentáveis", afirmou Gustavo do Vale, presidente da Infraero, que terá uma participação de 49% nas sociedades criadas para administrar os terminais. Nem mesmo as críticas de que os vencedores eram empresas de menor porte, com parceiros de países emergentes, azedaram o humor do governo. "Ser emergente não diminui ninguém, porque senão teríamos de ter o complexo de vira-latas eterno", declarou o ministro da Aviação Civil, Wagner Bittencourt.
Em consequência do sucesso do leilão, há grande expectativa em torno dos próximos aeroportos a serem privatizados. Galeão, no Rio, e Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte, que já têm estudos preliminares prontos, estão no topo da lista. Publicamente, o Planalto garante não ter pressa. "No governo é assim. Termina uma etapa, começa outra", disse a presidenta Dilma Rousseff.
"Agora é fazer as coisas acontecer." Passada a euforia, a hora é de se debruçar sobre o que precisa ser feito para garantir a rentabilidade dos investimentos, principalmente depois de analistas terem alertado que o alto preço pago pelas outorgas pode resultar em uma margem muito baixa para os seus novos donos. "As empresas terão de controlar bem os custos das obras para não impactar no fluxo de caixa, que já estará espremido", diz o advogado Marlon Shigueru Ieiri, do escritório FHCunha Advogados, que assessorou um dos consórcios perdedores.
Rocha, da Invepar, não se mostra preocupado com as dúvidas. "Acho que o mercado financeiro tem uma leitura errada", disse o executivo com exclusividade à DINHEIRO, um dia depois da vitória no leilão, na sede da empresa, no centro do Rio de Janeiro. "Na visão atual quem ganha é punido, porque se supõe que você não sabe o que está fazendo. Mas, no capitalismo, estagnar é morrer." Uma espiada nas contas de Guarulhos mostra o tamanho do desafio que o aguarda. O aeroporto teve em 2010 uma geração de caixa de R$ 770 milhões e um custo operacional de R$ 390 milhões – o que significa margem de R$ 380 milhões por ano. O valor necessário para compensar a soma da outorga e dos investimentos para a Copa de 2014 supera R$ 1 bilhão por ano. Não é preciso ser doutor em matemática para entender que será necessário multiplicar a receita sem fazer o custo disparar.
Algo que se torna mais difícil com a adoção de padrões internacionais de qualidade. Pior: o consórcio não poderá aumentar as tarifas de embarque para se rentabilizar. Como fechar essa conta? "A Infraero está tirando leite de pedra, mas temos mais facilidade", afirma Rocha. "Como empresa privada, somos donos de uma flexibilidade maior. Vamos melhorar a gestão, reduzir custos e ampliar a renda." O plano inclui a construção de shoppings centers, escritórios, hotéis e centros de convenção nas proximidades. Os estacionamentos, que têm apenas três mil vagas, são vistos como um ponto central para gerar retorno. "É perfeitamente possível termos 25 mil vagas em Guarulhos até 2020", diz. O número de lojas aumentará e o perfil do comércio subirá de patamar. Os contratos atuais devem ser renegociados, o que já causa preocupação entre os empresários que atuam no aeroporto.
"Nossa situação não é nada tranquila", diz Ernesto Romano, proprietário de duas lojas em Guarulhos. "O custo do metro quadrado daqui já é o dobro do que em shoppings de elite." A franquia do McDonald"s que atua no aeroporto, por exemplo, paga R$ 650 mil por mês de aluguel, mais do que no Shopping Iguatemi, um dos mais sofisticados de São Paulo. O novo império de Rocha é uma verdadeira cidade. Inaugurado em 1985, o aeroporto Governador André Franco Montoro – popularmente conhecido como Cumbica, que, ironicamente, significa "lugar nublado" em tupi-guarani – movimenta 80 mil passageiros por dia, ou mais que a população de 95% dos municípios brasileiros. É o centro de um verdadeiro enclave econômico, que reúne 30 mil funcionários e 1,7 mil empresas prestadoras de serviços. Sua receita de R$ 770 milhões o colocaria entre os 30 maiores orçamentos municipais do Brasil.
Isso sem falar nas 430 mil toneladas de carga levadas por ano nos 250 mil voos que decolam ou pousam em suas duas pistas principais, que juntas somam 6,7 mil metros. Possui o maior terminal logístico da América do Sul, com quase 100 mil metros quadrados, incluindo 16 frigoríficos. Trata-se de um dos 40 aeroportos mais movimentados do planeta. Infelizmente, devido ao aperto nos pátios, nos locais de atracação e nos terminais, também é o terceiro do mundo em número de voos atrasados, segundo a companhia americana FlightStats, que mapeia o setor. Tornar a operação de Guarulhos rentável não é o único desafio que paira sobre Rocha, pai de quatro filhos. Além de encarar o dilema de ser um torcedor apaixonado do Fluminense que frequenta o Flamengo para seus treinos de pólo aquático, tem enfrentado também baterias de "media training" – um treinamento para lidar com os jornalistas e para superar a timidez.
Apesar do esforço, ainda tem dificuldades em evitar manter os braços continuamente cruzados e o hábito de bater com as mãos na mesa quando quer enfatizar algum ponto. Workaholic assumido, Rocha pratica jornadas de trabalho que podem chegar às 15 horas diárias. O processo da montagem da proposta vencedora é um exemplo de como ele se dedica com afinco e se apega aos detalhes.
Inicialmente, apenas três profissionais da Invepar foram destacados para entender como, afinal, funciona um aeroporto no Brasil. O time foi ganhando musculatura, com a inclusão de advogados, consultores financeiros, engenheiros, analistas de demanda, especialistas em modelagem de contratos e técnicos aeroportuários.
Na reta final, enquanto 80 pessoas trabalhavam na proposta, surgiu a exigência imposta pelo governo de um parceiro estrangeiro. Houve uma semana de atividades frenéticas até a escolha da ACSA, que administrou os aeroportos da África do Sul durante a Copa de 2010, implicando a vinda de mais 20 técnicos sul-africanos ao Brasil. Na semana anterior ao leilão, Rocha passou a maior parte do tempo em São Paulo , dando os retoques finais no projeto. "Nossa estratégia foi fazer uma proposta elevada de cara para desencorajar os concorrentes a entrar na disputa", afirma Rocha. A estratégia deu certo, e a vitória foi comemorada na noite da própria segunda-feira, com brindes de champanhe no badalado restaurante Figueira Rubaiyat, na capital paulista.
Viracopos terá o maior volume de investimentos
Até 1985, o aeroporto de Viracopos, em Campinas, era a porta de entrada e saída de São Paulo para o mundo. Com a inauguração de Cumbica, em Guarulhos, perdeu seu charme e tinha tudo para iniciar um lento declínio. Mas ele renasceu, se transformando no principal escoadouro aéreo de cargas do Brasil para o Exterior, principalmente para a Argentina. Essas credenciais fizeram com que o consórcio formado pelas brasileiras Triunfo e UTC e pela operadora francesa Egis, que administra 11 aeroportos na África e um em Paris, pagasse R$ 3,8 bilhões por ele, um ágio de 159,7%. Em 30 anos de concessão, pelas contas do governo, os novos administradores terão de realizar investimentos da ordem de R$ 8,7 bilhões, o maior volume dentre os três aeroportos leiloados. Incluído o custo de manutenção, a cifra sobe para R$ 11,5 bilhões.
A diferença é que, ao contrário de Brasília e Guarulhos, não há uma concentração de obras até a Copa, em 2014. O presidente da Triunfo, Carlo Bottarelli, prevê que o desembolso total será menor, na casa dos R$ 8 bilhões, graças a melhorias no projeto e a previsões de demanda, que são diferentes das estabelecidas pelo governo. "Quem elaborou o projeto, por mais qualificado, não tem a visão do operador", diz Bottarelli. Com isso, a taxa de retorno real do projeto subiria de 7,5% para 8,5%. A prioridade da Triunfo é construir um novo terminal para 5,5 milhões de pessoas. O edital também prevê a construção de uma terceira pista. "Viracopos vai suceder Guarulhos quando este chegar a um nível de saturação, entre 2020 e 2023", afirma Bottarelli. Para atrair passageiros de São Paulo o executivo lembra que é necessária uma ligação alternativa entre as cidades.
"Vamos ter um trem, não sei se é de alta velocidade, mas nós vamos ter um trem", afirma Bottarelli. A empresa, no entanto, ficou negativamente conhecida em outubro de 2008, quando venceu o leilão para a concessão das rodovias Ayrton Senna e Carvalho Pinto, em São Paulo , mas foi desabilitada por não depositar as garantias exigidas dentro do prazo. Escaldados, os investidores inicialmente não gostaram do ágio pago pela empresa por Viracopos e derrubaram as ações em 13%, nos dois primeiros dias. Na quarta-feira 8, após uma teleconferência com analistas, e na quinta 9, por outro lado, os papéis da companhia acumularam alta de 11%, quase retornando ao patamar anterior. Bottarelli garante que o endividamento da empresa vai até diminuir quando o fluxo de caixa de Viracopos entrar na conta.
Prioridade em Brasília é a Copa do Mundo
Depois de 33 minutos de duelo viva-voz com a espanhola OHL , que teve oito lances, o sócio do grupo brasileiro Engevix, José Antunes Sobrinho, pôde, finalmente, respirar aliviado. Por R$ 4,5 bilhões, um ágio de 673%, o maior do leilão de privatizações dos aeroportos, o consórcio Inframérica, composto por sua empresa e pela argentina Corporación, ganhava o terminal aéreo de Brasília, no qual circulam 15 milhões de passageiros por ano, o terceiro mais movimentado do Brasil. "Posso pagar um pouco mais caro de olho no potencial do mercado brasileiro", afirmou Antunes Sobrinho. "Temos quase a mesma dimensão geográfica dos EUA e nosso transporte aéreo não tem 10% do movimento americano."
A dobradinha com os argentinos da Corporación América, que administra 48 aeroportos na América Latina, não é novidade. Foi esse mesmo consórcio que venceu o leilão de concessão do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, em Natal, em agosto do ano passado, com um ágio de 228,8%. Os sócios, no entanto, são polêmicos. Nos anos 1990, quando a Argentina promoveu a privatização dos seus aeroportos, a Corporación América pagou um ágio elevado, mas não conseguiu honrar os contratos. Com dívidas de US$ 600 milhões e atrasos no cronograma de investimentos, foi obrigada a renegociar, em 2007, o contrato com o então presidente Néstor Kirchner, que aceitou a troca da dívida por uma participação de 20% do Estado nos aeroportos. A prioridade no aeroporto de Brasília é concluir as obras para a Copa de 2014.
Até lá, serão investidos R$ 873 milhões, dos quais R$ 400 milhões em um terminal para dois milhões de passageiros. "Temos de arrancar com as obras, pois as responsabilidades com a Copa são imensas", diz Antunes Sobrinho. "O consórcio não medirá esforços para que o projeto fique pronto no primeiro semestre de 2014." Segundo o executivo, um plano estratégico está sendo estruturado para otimizar as duas concessões. "São aeroportos com vocações distintas", afirma. Para ele, São Gonçalo do Amarante, em Natal, se liga a Portugal. O aeroporto de Brasília é centro de conexão para o Centro-Oeste do País e pode atender a América Latina. Embora considere prematuro detalhar quais são as oportunidades de exploração comercial, Antunes Sobrinho garante que o usuário notará algumas novidades no prazo de um ano.
"Não tivemos a mínima interferência do governo durante o processo"
Apenas 24 horas após bater o martelo e vencer o leilão para a concessão de Guarulhos, o maior aeroporto do Brasil, o presidente da empresa de infraestrutura Invepar, Gustavo Rocha, falou com exclusividade à DINHEIRO
O alvo era apenas Guarulhos?
Estávamos no leilão dos três terminais e tínhamos estratégias específicas para cada um deles. Mas o foco principal de nosso planejamento sempre foi Guarulhos, por uma série de motivos. É um projeto consolidado, que possui estabilidade e fluxo de caixa. Isso significa que Guarulhos é sempre Guarulhos, assim como o Bradesco é sempre o Bradesco.
A oferta de R$ 16, 2 bilhões não foi alta demais?
Pode parecer muito, mas, se eu tivesse feito uma oferta só 10% maior (que a segunda), poderia ter acabado pagando mais caro no preço final. Isso porque o concorrente ia se sentir atraído para a disputa. Foi exatamente o que aconteceu em Brasília, que teve o certame mais acirrado. Claro que sempre fico com a pulga atrás da orelha, pensando se eu podia ter ofertado R$ 15 bilhões (risos).
Como gerar rentabilidade com um valor de outorga tão elevado?
Estudamos a fundo o setor e percebemos que o verdadeiro motor do negócio aeroportuário não é o passageiro e sim a receita não tarifária. Isso inclui fontes de A a Z. As principais são alimentação, lojas, duty free e estacionamentos. É possível explorar mais e melhor tudo isso. Há muito espaço para novos empreendimentos em Guarulhos. Claro , nosso negócio é administração aeroportuária, vamos deixar o gerenciamento desses empreendimentos para os interessados. Mas há uma infinidade de oportunidades. E também poderemos obter recursos com nosso projeto de abertura de capital.
Quanto a Invepar espera captar com essa abertura de capital?
Nosso planejamento estratégico prevê a abertura de capital para um período entre 12 e 24 meses. O valor vai depender muito de como os negócios caminharem até lá, de como estiver a valorização do portfólio.
Existe uma desconfiança de que a presença dos fundos de pensão possa significar uma influência excessiva do governo no setor. Como o sr. vê essa questão?
Minha relação com o governo é unicamente como concessionário. Não tivemos a mínima interferência durante o processo. Nenhum acionista me perguntou “como vocês estão?” ou me disse “olha, temos de entrar mesmo”. A influência foi zero. Acho que a maior prova disso é que fomos pegos de surpresa na questão da obrigatoriedade do administrador estrangeiro. Tanto que nossa estratégia inicial era irmos sozinhos aos leilões, e saímos correndo para encontrar um parceiro.
Após a entrada no setor aéreo, qual é o próximo passo?
Definimos em nossa estratégia que vamos atuar em quatro áreas de infraestrutura de transporte: rodovias, mobilidade urbana, aeroportos e portos. Hoje só faltam os portos. As conversas para a concessão dos terminais portuários ainda não estão maduras, mas estamos estudando esse setor.
Qual é o objetivo da empresa?
Quero que a Invepar seja a empresa de infraestrutura mais rentável da América Latina. Ser a maior é consequência.
Colaboraram Guilherme Queiroz, Rafael Freire e Tatiana Bautzer